quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Escadas da saudade


Subo vertiginosamente as escadas da saudade.

Pego na tua fotografia, recordas-me um sorriso de nylon.

Amanhã, vou partir para o infinito amanhecer.

Sem perceber,

Que dentro da saudade,

Habita o beijo.

Abraço-te no invisível tempo,

Como uma barcaça desnorteada junto ao cais.

Finjo.

Minto.

Escrevo-te, sabendo que nunca me vais ler…

Porque os esqueletos não lêem…

Nem choram.

Subo vertiginosamente as escadas da saudade.

Sento-me no teu colo,

Preciso dos teus mimos,

Preciso de tocar nas tuas mãos…

Enquanto seguras religiosamente o terço da esperança.

Não vou dormir,

Enquanto, lá fora, chove.

Tenho medo da chuva.

Tenho medo da claridade,

E só a noite,

Consegue alimentar estas tristes paredes de alvenaria…

Grito.

Ouves-me?

Não.

Não me ouves.

E eu oiço os teus gemidos esquecidos num quarto de hospital,

Oiço o cansaço da tua voz…

Que me dia;

Amo-te, meu querido.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

28/11/2019

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

As camufladas palavras do sonho


Roubaram-me o sono e os sonhos.

Roubaram-me a noite,

E todos os veleiros da marina.

Roubaram-me todas as palavras que tinha,

E não tinha,

E agora sinto a falta delas.

Roubaram-me os livros, a saudade, e a madrugada.

Hoje, nada tenho.

Roubaram-me a Calçada,

O rio,

E todos os Cacilheiros em viagem.

Roubaram-me as flores, as árvores e o meu próprio jardim…

Também ele, saqueado pelos piratas vestidos de negro.

Trouxeram-me a morte,

Adormecida em papel vegetal,

Num Sábado de Setembro,

Roubaram-me,

E se bem me lembro,

Ontem,

Nada me tinham roubado.

Roubaram-me as lágrimas, e todo o sofrimento.

Roubaram-me o alimento,

Das palavras gastas,

Entre parêntesis e pontos de interrogação.

Roubaram-me tudo.

Tudo.

Que hoje, sentido a falta da presença das palavras do sonho,

Não estou triste;

Mas roubaram-me os pássaros da minha cidade.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

25/11/2019

domingo, 24 de novembro de 2019

A sanzala de prata


Vivia na sanzala de prata,

O menino dos calções doirados,

Tinha medo da claridade,

E dos livros ensanguentados;

Tinha no quintal uma sombra de lata,

Que na companhia dos pássaros da cidade,

Dormia docemente sem idade…

E sonhava com o mapa.

Queria fugir.

Desenhar na terra encharcada

O mar.

O medo de partir.

O medo de regressar…

À casa abandonada.

Vivia na sanzala de prata,

O menino do triciclo em madeira.

Brinca na sombra da mangueira,

Como um guerreiro vestido de chapa.

São palavras de brincar,

São rosas de sonhar,

São canções de embalar…

Embalar o menino da sanzala de prata.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

24/11/2019

sábado, 23 de novembro de 2019

O sono


Dorme, dorme, meu menino.

Nas lágrimas desta cidade.

Na rua caem palavras de saudade.

No altar veneras o Santo Peregrino.

Dorme.

Dorme, meu menino.

Dorme, dorme, meu menino.

Nos livros de sonhar.

Dorme, meu menino.

Menino do mar.

Dorme.

Dorme, meu menino.

Nas manhãs de desenhar.

Dorme, dorme, meu menino.

Dorme nesta cama de palavras incertas.

Dorme, meu menino.

Nas cantigas de amanhecer.

Meu menino, dorme.

Dorme, antes de nascer.

Dorme.

Dorme, meu menino.

Dorme nas sombras da madrugada.

Meu menino, menino, dorme.

Nesta pedra cansada.

Nesta pobre calçada…

Dorme.

Meu menino, dorme.

Meu menino, dorme.

Dorme sem almoçar.

Meu menino, dorme.

Dorme até antes de jantar.

Meu menino.

Dorme.

Dorme, cansado, meu menino, dorme.

Dorme à beira desta montanha desabitada.

Meu menino.

Menino.

Dorme nesta aldeia amaldiçoada.

Dorme.

Dorme, meu menino.

Esquece o sono de ontem.

Recorda o sonho de hoje.

Meu menino. Dorme.

Dorme. Menino que foge.

 

 

 

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

23/11/2019

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

A saudade


Tenho saudades das tuas mãos poisadas no meu rosto,

Quando ao longe, um rio encurvado, dormia na sombra da montanha.

Tenho saudades do teu cabelo, como pingos de chuva, aos poucos, voando pelo jardim.

Tenho saudades do teu olhar, pela manhã, se impregnava no meu olhar.

Tenho saudades do teu sorriso,

E das flores do teu sorriso.

Tenho saudades da tua sombra,

Do teu perfume,

E das janelas coloridas que desenhavas no meu berço.

Tenho saudades do mar,

E dos barcos brincando no mar.

Tenho saudades de uma Luanda quando eu suspenso na tua mão…

Me recusava a caminhar.

Tenho saudades da escuridão,

Da noite,

E da tua canção.

Tenho saudades dos teus papagaios em papel, colorido, como o arco-íris.

Tenho saudades da claridade,

Dos rabiscos que eu fazia nas paredes da nossa casa,

E das mangueiras abraçadas a mim.

Tenho saudades dos aviões,

Dos gelados no Baleizão…

E de outras ocasiões.

Tenho saudades do circo,

Dos palhaços,

E dos trapezistas disfarçados de palhaços.

Tenho saudades, muitas, de ti, minha querida.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

21/11/2019

terça-feira, 19 de novembro de 2019


Só.

Estar sentado nesta esplanada.

Só.

Descer, correr,

Só.

Deitar-me na calçada.

Só.

Menino de Luanda.

O cheiro do capim.

Os musseques envenenados pela sombra de mim.

Só.

Correndo. Descendo. As escadas da saudade.

Só.

Chorando.

Só.

Quando durmo. Quando acordo. Só.

Só.

Sem horários. Só. Sem relógio. Só.

Só.

Aqui.

Ali.

Sonhos. Sonhar. Viver não vivendo.

Só.

Entre palavras e desenhar.

O só eu.

Deitado no altar.

Em pedra.

Só.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

19/11/2019

sábado, 16 de novembro de 2019

Pôr-do-sol


Estou aqui.

Estou aqui, sentado,

Esperando que regresse a saudade.

Estou aqui,

Sentado nesta cadeira invisível,

Esquecida na cidade,

Esperando o mar,

Esperando o teu olhar.

Estou aqui, sentado,

Nesta cadeira recheada de dor,

Esperando-te,

Enquanto no meu jardim,

Uma flor,

Poisa na minha mão de socorro.

Sofro,

Morro.

Ao pôr-do-sol.

Estou aqui, meu amor.

Sentado.

Com dor.

Estou aqui, com um livro na mão,

(o jantar foi bom. Bacalhau frito com arroz de feijão).

Estou aqui, meu amor,

Na ausência do teu sorrir,

Estou aqui,

Estou aqui, quase a partir…

Sem fingir,

Que amanhã será um novo dia.

Estou aqui, meu amor,

Sentado.

Sem perceber que sentia,

Sinto,

Não minto,

O desenho que pinto,

Na tua boca,

Louca…

Na tua boca pouca.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

16/11/2019

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Cidade abandonada


As Dálias, meu amor,

Vão partir para o teu sorriso,

Vão voar,

Sobre o mar,

Sem qualquer aviso.

As Dálias, meu amor,

Vão sofrer,

As nocturnas visões da paixão,

Que assombram este coração,

Nas tardes de morrer.

As Dálias, meu amor,

São palavras de escrever,

São livros embalsamados no teu olhar,

São as canções de amar,

São as ruelas de viver.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

14/11/2019

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Em busca da luz


Procuro em ti a noite esquecida,

Perdida,

Amordaçada na tempestade da saudade.

Procuro em ti a cidade,

Na clarabóia da solidão.

Procuro em ti a luz da verdade,

Poisada na tua mão.

Procuro em ti uma canção,

Com palavras sonolentas de tristeza,

Quando ao final da tarde,

Em teu corpo nasce,

A beleza,

Da noite transparente.

Procuro em ti uma estrela,

Um avião,

Um coração…

Recheado de amor,

Neste corpo ausente,

Neste corpo em dor!

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

13/11/2019

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Ausência


Se tu soubesses o quão escuro e frio é o dia,

Não me trazias a noite.

Não me davas as palavras,

Que vagueiam em mim,

Todos os finais de tarde.

As rosas morreram e os plátanos despedem-se do meu corpo,

Como uma jangada de vidro,

Perdida no Oceano.

Se tu soubesses o quão é triste adormecer,

Nesta cama de fantasmas,

Até que o dia acorda,

Nasce,

E em cada nascimento,

Ele me traz o sofrimento.

Se tu soubesses o quão frio são estes livros,

Sem a tua ausência…

Não tinhas partido para o Infinito.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

11/11/2019