sábado, 17 de junho de 2017

O esquadrão das palavras mortas


Somos poucos,

O lívido segredo da alma fica suspensa nas umbreiras da madrugada,

Silêncios muitos,

Neste exíguo espaço nocturno,

Não penso na vossa ausência, flores do meu jardim,

Em cada pedra um nome teu, em cada pedra um beijo,

Somos poucos,

Ou nenhuns…

Este exército de vespas prontas a atacar o pôr-do-sol…

Até à batalha final,

A vitória, somos poucos, ou nenhuns…

Silêncios muitos,

Quando rompe a solidão no longínquo Domingo de ninguém,

Amanhã será a derradeira despedida da cidade dos pilares de areia,

Os barcos amarrados aos teus pulsos sonegados pela escuridão,

Não me serve este destino…

Escrever não escrevendo as palavras de ninguém…

Que o coitado do menino,

Sempre oprimido pela tempestade…

Deixa ficar na terra queimada pela charrua,

Somos poucos,

Ou nenhuns…

Mas somos um exército de mendigos.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 17 de Junho de 2017

sexta-feira, 16 de junho de 2017

As aventuras na eira


Uma nuvem sulfúrica poisa no teu silenciado sorriso,

Agacho-me sobre a terra prometida…

Mas não tenho jeito para a aprisionar na minha mão,

Minutos depois, palavras muitas, perco o juízo,

Pego na luz magoada que ficou em ti esquecida,

À porta de entrada do meu coração,

 

As aventuras na eira

Enquanto cai a noite sobre o espigueiro,

Livros perdidos dentro de um mealheiro…

Para serem vendidos na feira,

 

A casa é pobre, pequena… e aconchegante,

O quintal recheado de poemas envenenados pela charrua,

O meu corpo embebido em clorofórmio vomitando sinalização de rua…

Que o luar se torna brilhante,

 

E a lua,

É tua.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 16 de Junho de 2017

quinta-feira, 15 de junho de 2017

Fuga


Embrulho-me no fumo dos meus pobres cigarros,

Um cobertor obscuro de silêncio evapora-se no meu quarto… e rumo à janela desaparece no rio das pontes invisíveis,

Sinto o orvalho clandestino e secreto do teu sorriso,

Os barcos ancoram nos teus braços de silício…

E tenho medo de perder-te na escuridão do deserto,

 

A falência dos meus órgãos começa em cada Primavera,

E a vida é um destino longínquo de sofrimento…

Junto às tangerinas,

 

Morro na tentação de me evadir deste presídio abandonado,

 

Junto à janela,

 

Sentado na tua solidão.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 15 de Junho de 2017

quarta-feira, 14 de junho de 2017

Uma alma aborrecida


As máquinas infernais do sofrimento não cessam de chorar,

Escavam o corpo até que a madrugada surja no horizonte,

 

Os ruídos sinusoidais da pequena vergonha de viver

Adormecem como cães raivosos deitados ao luar,

Chamo por ti, meu querido mar…

E sinto na arte de escrever

O sinfónico e desgraçado monte,

 

Sou uma alma aborrecida.

 

Sou uma alma faminta.

 

Os pássaros quando brincam na minha janela

E lá longe acordam as planícies de cartão

Dos dias desesperados à luz da vela,

 

Sou uma alma sem coração.

 

As máquinas infernais do sofrimento não cessam de chorar,

Escavam o corpo até que a madrugada surja no horizonte,

Uma criança não se cansa de brincar…

Entre risos e papeis na casa do rinoceronte,

 

Sou uma alma faminta…

 

Sou uma alma aborrecida…

 

Sou.

 

Sou

Uma alma

Sou uma alma sem tinta.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 14 de Junho de 2017

segunda-feira, 12 de junho de 2017

A arte de sofrer


Na arte de sofrer,

Quando dentro de mim arde um corpo esquelético, e sem o saber,

Ele ilumina a noite que se cansou de crescer,

 

Tenho nas raízes solares a vontade de partir…

Caminhar naquele rio absorvente

Que engole todos os corações,

Tenho nas mãos o sangue valente

Das marés e dos canhões…

Que me obrigam a sorrir,

 

Na arte de sofrer,

Deixo para ti o prazer…

O prazer de escrever,

 

No prazer de morrer.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 12 de Junho de 2017

domingo, 11 de junho de 2017

O delírio fantasma da paixão


O delírio fantasma que a paixão oferece nas noites de melancolia,

Vivo nesta cabana encerrada e sem alegria,

Entre livros e papelada,

Entre copos e corpos sofridos na madrugada,

Tenho nas veias o teu nome,

E na algibeira as réstias da fome…

Do mendigo ancorado às esplanadas de lata,

O Domingo termina na sanzala…

No capim brincam as minhas mãos de fada…

Que um papagaio de papel inventou na alvorada,

Sinto neste meu corpo desajustado da realidade

O vício sintético da falsidade…

O orvalho clandestino,

O sorriso do menino…

Na praia do Mussulo,

Só e abandonado,

Só e amedrontado,

Só nos rochedos pincelados de palavras mortas

Pela caneta do poeta,

Fracassado,

Pateta…

O delírio fantasma

Dos arraiais da felicidade,

Foguetes, e pó de enxofre na claridade nocturna do sentimento,

Sofro, sofro e guardo no sorriso a tua despedida…

Sangrando as avenidas

Desta cidade perdida,

Um diário disperso, um livro desassossegado,

O vazio buraco negro do desgraçado…

Mendigo da multidão,

Haja alegria e pão na eira,

Que no corpo da feiticeira

Argamassam os lábios da solidão,

Não durmo, meu amor, deixei de dormir, meu amor…

E passo a horas a desenhar,

No teu corpo, meu amor,

O delírio fantasma da paixão.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 11 de Junho de 2017

sábado, 10 de junho de 2017

O feitiço da Madame sem nome


No desastre dos meus braços naufraga uma barcaça imperfeita,

Um número esquisito suspenso na ardósia da tarde,

O mar está calmo, meu amor,

Tão calmo que podia suicidar-me nele sem ser percebido pelos seus lábios,

Dormir até à próxima maré de solidão que se enrola no meu corpo,

Um ninho de pássaros nunca visto por mim

Vive no meu jardim,

Cantam, brincam… e cagam todo o pavimento…

Mas gosto deles como gosto do teu sorriso na mácula presença de “Deus”,

Um abraço, o desenlace florido dos canteiros, sabes, meu amor, amanhã não haverá flores nos teus cabelos,

E a Madame sem nome entre gritos histéricos ao pôr-do-sol…

 

Salva-me, salva-me meu amor deste cansaço provisório que escreve nas minhas mãos os “poemas perdidos”, os poemas que ninguém lê e não gosta.

No desastre dos meus braços naufraga uma barcaça imperfeita,

E não saberei se estarás cá quando eu partir,

Detesto despedidas, meu amor, junto ao Tejo…

 

O cheiro dos barcos.

 

O perfume das gaivotas em revolta,

Que dormem junto à minha janela,

Quando nos espelhos do corredor acordam os esqueletos do sofrimento,

As estrelas são o teu olhar camuflado na escuridão da feira da vaidade,

Remeto-me ao silêncio, sabes meus amor, os jardins debruçam-se nas tuas coxas de xisto, e do rio regressa a ti a hipnotizante palavra do “Adeus” …

 

O cheiro dos barcos.

 

Junto ao tejo, meu amor… junto ao tejo…

 

O feitiço da Madame sem nome.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 10 de Junho de 2017

quinta-feira, 8 de junho de 2017

Nunca me encontrarás


Nunca me encontrarás porque eu sou a sombra,

Nunca me encontrarás junto ao rio a escrever nos teus lábios de Belém,

Nunca me encontrarás nos jardins de Belém…

Nem nunca me encontrarás abraçado aos braços da maré,

Nunca me encontrarás sentado a pensar em ti… porque, porque deixei de pensar em ti,

Hoje, nunca me encontrarás a desenhar nos teus lençóis os meninos a brincar na praia,

Porque a praia morreu,

Porque os meninos morreram,

Nunca me encontrarás enamorado pelo teu olhar,

Debaixo das nuvens envergonhadas dos finais de tarde,

Nunca me encontrarás enrolado nas tuas mentiras…

E batem à porta…

E espero que não me encontres neste circo ambulante,

Observando as árvores assassinadas pelos teus dedos…

Nunca me encontrarás nesta casa desajeitada e sem porta de entrada,

Que nem uma simples caixa do correio tem para receber as tuas cartas perfumadas,

Nunca me encontrarás a olhar o Sol… porque odeio o Sol,

Detesto o Sol.

Nunca me encontrarás passeando na rua atropelando automóveis famintos,

Tristes…

Tristes desencontros das ancoradas em flor…

Nunca me encontrarás nas tuas cartas nem no interior dos teus livros,

Porque não o quero…

Não quero ser encontrado.

Nunca me encontrarás.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 8 de Junho de 2017

quarta-feira, 7 de junho de 2017

(a mim?)


Rareiam por aqui as esquinas de luz do teu corpo,

Forço um beijo de sombra que habita no meu quarto,

Desenho nele a solidão de um final de tarde…

 

E sei que não voltarei mais.

 

(a mim?)

 

A ti, a mim e a esta terra que me acorrenta e mata,

A esta terra que me aprisiona desde criança

Como se eu fosse um Tiranossauro REX descendo a montanha do “Adeus”,

E lá longe a longínqua caneta enterrada no granito abraço,

(queres cerejas?)

Não. Não gosto de cerejas…

Olha! Olha, as laranjas do nosso quintal já são comestíveis,

Tão doces, tão doces como as tuas queridas mãos enfeitadas por flores, arbustos e lábios lacrimejantes, opiáceos livros de poesia poisados na nossa janela,

Quando a rua está deserta.

Não te entendo!

Não precisas de me entender…

 

Amanhã vais dizer que sou um vagabundo cambaleando pelos plátanos com leves folhas doiradas de tristeza,

A sátira perdida que apelidava o meu transeunte corpo de chocolate…

Com o calor…

Derrete. Morre.

 

E sei que não voltarei mais.

 

(a mim?)

 

Á vida. Não voltarei mais à escrita de estórias desalojadas numa quinta-feira à tarde, quando os miúdos regressam da escola e tu estás sentada na varanda a fazer pássaros de papel,

 

Tudo.

 

Ou nada.

 

O que importa é estar vivo…

 

Desde que nasce o Sol até ser noite.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 7 de Junho de 2017

domingo, 4 de junho de 2017

Palavras sombreadas


Suspendo nos teus olhos todas as palavras que não quero escrever,

Porque tenho o tempo limitado nas mãos do luar,

Suspendo nos teus olhos todos os sonhos que não quero viver…

Abraçado ao mar,

Recordo os barcos em papel que construías só para mim,

As ruas desertas e o som do capim…

Agora sou um desiludido com a vida suspensa no teu olhar,

Um homem que olha para a forca e para a faca invisível do sofrimento,

Construído em alumínio calcinado pela tempestade,

Adoro o vento,

E a cidade saboreando o vento…

Quero dormir e deixei de ter sono,

Porque nesta montanha onde habito,

Eu grito,

E escrevo nas sombras do destino,

Ai quando eu era menino…!

Ai quando eu era um vagabundo ouvindo o sino…!

E tinha sempre comigo a saudade.

 

Saberei esquecer nos teus olhos todas as palavras que não quero escrever?

 

Vejamos.

 

Ontem sonhei que fui atropelado pelo teu amor,

Um ramo de flores que trazias na tua lapela…

Como trago na minha um ramo de dor…

Ou uma canção tão bela,

Hoje termina o dia como terminam todos os dias…

Tristes e com chuva invisível,

 

Vejamos.

 

As laranjas são doces,

Perfumadas,

 

Encosta abaixo recordo as palavras assassinadas

Nas encostas das janelas entreabertas para o luar…

 

Vejamos.

 

As laranjas são doces,

Encantadas,

 

Quando o rio esconde madrugadas…

E nos teus olhos…

Suspendo todas as palavras.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 4 de Junho de 2017