terça-feira, 8 de dezembro de 2015

É tão fácil odiarem-me aqui


O tempo cessou de vomitar

As horas os minutos e os segundos

Estou só

Aqui

Converso com um invisível copo de uísque

Recordamos os momentos passados junto ao Tejo

O embriagado soldado

Subindo a Calçada da Ajuda

Com o Doutor Vijago debaixo do braço

Não sei se o tempo me quer

Ou se eu quero o tempo

Estou só

Aqui

Neste convés sem janelas

Neste mísero abraço

Aqui

Estou só

Converso com todos os fantasmas da noite

Reparo que um deles odeia-me

É tão fácil odiarem-me

Aqui

Olhando o sonífero luar nos términos da insónia

Sou pobre

Nada telho para te oferecer…

Apenas beijos e livros

Coisas insignificantes

Sem destino

Quando menino dormindo na sombra das mangueiras

O musseque fervilhava de paixão

Havia sexo

Orgias

Orgasmos

E gemidos

África é um Paraíso

Sem nome

Sem morada física

Como eu

Aqui

E só

Escrevendo parvoíces

Coisas que ninguém lê

Palavras

Palavras

Palavras do Diabo

Sem dono

Sem ser amado

A felicidade acorda nos teus lábios

Framboesa das manhãs sonolentas

Dos castiçais amedrontados do templo do amor

As aventuras das crianças pretas meus irmãos também

A morte regressava-lhes de vez em quando

E sorriam

Cantavam

Beijavam-me como se beijam os Coqueiros nas fotografias

E o tempo cessou de vomitar

As horas os minutos e os segundos

Estou só

Aqui

Só…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

terça-feira, 8 de Novembro de 2015

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Sempre no esquecimento de viver sem perceber o significado da vida uma passagem


A morte desliga-se do corpo

Interrupção da vida entre momentos e obscuros silêncios

Oiço a tua voz poisada no espelho do guarda-fatos

Sentes no cabelo a tempestade dos órfãos parágrafos

Apenas palavras, meu amor, palavras sem nexo

Para pessoas sem nexo

Como tu

Como eu

Sempre no esquecimento de viver sem perceber o significado da vida

Uma passagem

Uma pequena passagem…

Para o húmus

A terra incendiada pelos teus gemidos

O borrão da caneta de pinta permanente sobre as sanzalas da tua adolescência

Foste feliz, meu amor,

O homem mais feliz de todos os homens felizes

Que eu conheci

Tinhas um crocodilo em pão-preto

Algumas fotografias a preto e branco

Um carrossel de cartão

E eu era feliz nos teus braços

A morte desliga-se

Foge

Covardemente

Foge

Sem deixar rasto

Endereço

Número de polícia

Rua ou calçada

Tanto faz

Não existes

Deixaste de pertencer às manhãs televisivas

Sentavas-te no sofá

Incrédulo

Rabugento

Nas finíssimas lágrimas da tristeza

Que o teu rosto transportava

O engano

A mentira

O sofrimento do Adeus quando a presença é desconhecida

De mim

De ti

De nós…

Às vezes acreditava que conseguias voar

Mas logo percebi que era impossível voares…

Apenas os pássaros o sabem fazer tão bem

Que

Que sempre duvidei que o conseguirias

Felizmente

Não o conseguiste

Eu não o consegui

Que

Amanhã perceba porque não o consegui

Escrevo-te sem saber porque o faço

Não me importa a solidão

E as noites sem ninguém

Não me importo com o amor

A paixão

E a ressurreição dos panos de linho

Não me importo, meu amor, não me importo com as coisas simples da vida

Os livros

Sentado numa esplanada com sabor a Tejo

Uma cerveja, um prato de caracóis, e nada mais…

Amava a tua alegria

Amava os teus braços na minha face…

E nunca me disseste que ias partir!

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

segunda-feira, 7 de Dezembro de 2015

domingo, 6 de dezembro de 2015

O meu Major sempre bêbado


O desarmado soldado na guerra do silêncio, as armas mortíferas incendiadas na paixão da vida, o meu Major sempre bêbado, o uísque trepando as escadas da solidão, bebes um como meu filho

Não, não meu Major, não bebo, nunca bebi com um Major,

Não bebo por bérber, bebo para envelhecer, dizia-me o tio Serafim, homem da terra, artista, conhecedor da ciência do bacalhau, sabe-a toda, ele, nunca fez nada na vida, parecia um espantalho do milho

Ente parêntesis, a vida, o cansaço, o cansaço da vida, de estar vivo, o cansaço das manhãs sem literatura, o aventureiro mendigo das ruas desertas de Lisboa,

O meu Major sempre bêbado, levava-o ao seu porto de abrigo, aprisionava-o à cama não fosse a tempestade levá-lo, mas vamos ser reais

Quem deseja um Major Bêbado?

Dava-me semanas de férias, …

 

 

(ficção)

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 06/12/2015

sábado, 5 de dezembro de 2015

Da tristeza de não saber que me despeço de ti sem o saber, um coitado, ele sempre um coitado...


Despeço-me de ti, sabendo que hoje é o primeiro dia da minha ausência, tive um pai, uma mãe, nunca tive irmãos, infelicidade a minha, ao menos podia culpá-los das minhas asneiras, e tantas foram, a electricidade as pinturas nas paredes do quarto, sala e cozinha, na casa de banho lia revistas, na cozinha lia livros, e no quarto

Batem à porta, a vizinha assedia-me para lhe emprestar dois ovos, uma galinha e um tractor de brincar, dei-lhe tu, menos o tractor,

E no quarto ouvia o sorriso do mar, quem, quem nunca ouviu o mar a sorrir?

Antes de acordar desenhava os eléctricos nas paredes do quarto, e esquecia-me sempre do maquinista, só, sempre só, e regressava sempre ao ponto de partida,

A chegada, o regresso acompanhado de algumas compras, presentes e um cão… deixa lá, estava só,

Vivia nas clandestinas casas do musseque, sentia o turbilhão do Machimbombo descendo o capim deitando-se rabina abaixo, zero feridos, zero mortos, apenas… apenas cadáveres vivos com olhar de mortos, não faz mal, amanhã tudo esquece, esqueço-me eu do teu rosto, esqueces-te tu do meu sorriso, e esquecemo-nos da alegria sagrada,

Sempre longe, sempre do outro lado do rio, pegava num livro, e adormecia como se fosse uma criança, desconfio

Foste sempre criança?

Desconfio que o Sol anda à volta da terra, tretas, a terra andar em volta do Sol, e eu, e eu?

À volta das dívidas, do cansaço, da tristeza

Ontem,

Da tristeza de não saber que me despeço de ti sem o saber, um coitado, ele sempre um coitado...

 

(ficção)

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 05/12/2015

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Nas pálpebras o imensurável coração de prata o rio a ribeira a eira


(dedicado a Carvalhais – S. Pedro do Sul)

 

Diz-me que és

Noite amaldiçoada que me acorrenta à solidão

Prefiro a morte

Do que ausentar-me de ti

Não quero

E nunca quis…

Perder-te para a ilusão

Diz-me o que és

Sombra peregrina das manhãs de nevoeiro

Montanha desgovernada

Descendo a Calçada

Diz-me

Loiça de porcelana entre cigarros e algumas frestas de insónia

Nas pálpebras o imensurável coração de prata

O rio

A ribeira

A eira

O silêncio do sino da aldeia

Perdido nas espigas coloridas do milho

As abelhas poisadas nos teus ombros

A malvada da cidade

Em combustão

Sem idade

Identidade

Ou saudade

Feliz aquele que não tem saudades

Feliz aquele que não sabe o que é a saudade

A ausência

O medo de perder-te

De perder o teu perfume embriagado pelas begónias em papel

Saio de casa

Regresso sem ninguém

Vou a ela

E ela não vem

A noite das sentinelas de cartão

O texto saltitando na cabeça de um prego enferrujado

Suicídio

Suicidou-se com um beijo teu

Enrolou-o ao pescoço

Desceu alguns centímetros…

Foi-se

O poema

A manhã e a noite

Diz-me que és…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

sexta-feira, 4 de Dezembro de 2015

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Despeço-me de ti



Despeço-me de ti
Enquanto o meu corpo é desventrado através da mão da paixão
Cada pedacinho catalogado
Cada sombra desenhada na penumbra das imagens da loucura
Sou eu
O teu sonâmbulo beijo
Que as árvores comem ao pequeno-almoço
Sinto-me um pássaro nos teus lábios
Um rio descendo os teus seios mergulhados na poesia minha
O imbecil
Sou eu
Recordando sonhos das tristes tempestades de areia
O miúdo dos calções
Das sandálias…
Junto ao mar esperando o teu regresso
Leio os livros que escreveste na escuridão
Com uma esferográfica de cartão
Copiando as madrugadas num caderno negro
Quadriculado
O quadrado
A esfera omnipotente da sensação de estar só
E acredita
Estou só
Só hoje
Amanhã… amanhã não
O dia aparece no meu olhar vestido de sono
Pareço um palhaço brincando num quintal longínquo
Lá longe
Das fotografias aprisionadas numa estante vazia
As personagens invisíveis da minha infância
Descendo a calçada de bicicleta
O medo de
Perder-me
Perder-te
Ou amar-te
Tanto faz
E acredita
Estou só
Despeço-me de ti
Escrevo as minhas últimas palavras
Ofereço-te a minha última fotografia
Nunca tive irmãos irmãs…
Nunca tive um País
Uma Nação para com quem conversar
Sou um apátrida
Nasci no mar
Sou filho de ninguém
E apelidaram-me de… vejam lá só… J O A Q U I M
Quim para os amigos
Senhor Joaquim para os desconhecidos
E Quinzinho para ela…
Que tédio
Nervos
Euforia de estar só neste compartimento de vidro
Não tenho cortinados
Primeiro andar
Ou escadas de acesso ao sótão
Sou um triste
Nasci no mar
E acredito que a morte é um amontoado de sonhos com acção de despejo
Tudo penhorado
A vida
A morte
Assim-assim
O dia
A noite
Assim-assim
Tive um cão de nome REX
O meu melhor amigo
Ciumento
Doentio
E às vezes… traz
Dedo para o “caralho”
Fico só
Eu e ele
A dor
O sofrimento de uma noite de Dezembro
Confesso
Não gosto do Natal
Nunca
Nunca gostei
E hoje
E hoje tenho saudades do Natal…
Porque me despeço-me de ti.

Francisco Luís Fontinha – Alijó
quarta-feira, 2 de Dezembro de 2015

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

O ausente complicado e perplexo corpo de espuma


Há no silêncio

Uma finíssima fresta de solidão

A forma geométrica do amor

Esquecida na ardósia de uma velha escola

Alguns beijos

Alguns sorrisos suspensos nos finais de tarde

Junto ao rio

Sem remetente,

 

O ausente complicado e perplexo corpo de espuma

Vagueando nas montanhas da paixão

Tenho dentro de mim uma ribeira

Com braços de saudade

Que nem o tempo consegue apagar

Que nem a tempestade sabe o seu verdadeiro significado

De tudo… e de amar

No silêncio a solidão.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

terça-feira, 1 de Dezembro de 2015

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

O amor é um cubo de vidro sem coração ama a luz odeia a escuridão


O amor é um cubo de vidro sem coração

Ama a luz

Odeia a escuridão

O amor é um covarde diplomado

Faz sofrer

O amado

Faz sofrer quem é amado

Felizes aqueles que não amam

Felizes aqueles que não são amados

Pelo amor

As pálpebras secretas da noite

Quando a fogueira do desejo invade a madrugada

Quando a morte traz a saudade

De um corpo

Entre ossos e sombras

Entre palavras e livros

Faz sofrer o amado

Faz sofrer o sofrido

O amado

Faz sofrer quem é amado

Ama a luz

E os candeeiros da solidão

O amor é um cubo

Hipercubo

Um gato

Sem nome

Um rochedo perdido na montanha do Adeus

Partiu de mim o amor

Ama a luz

E faz sofrer

O amado

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

segunda-feira, 30 de Novembro de 2015

domingo, 29 de novembro de 2015

Desfocada imagem do teu olhar entre os parêntesis da saudade


Estou só

Neste labirinto de lágrimas salgadas

Sento-me e espero o regresso do teu olhar

Que vem do outro lado do Oceano

Trazes-me o sonho e a saudade dos musseques sombreados

Trazes-me a voz e o desejo

E eu sentado nas asas em papel que inventaste apenas para mim

Olho-as e vejo nelas a desfocada imagem do teu olhar entre os parêntesis da saudade

Uma criança entre baloiços e sobejantes sorrisos prateados

Espera-te junto a um portão imaginário

Entras

Ela abraça-te e afogas o cansaço do dia na minha face

 

Não tenhas medo do mar

Nem dos barcos invisíveis

Não tenhas medo das árvores

Nem dos pássaros amestrados que brincam nas mangueiras

Desenha na terra húmida os círculos os quadrados e os triângulos da alegria

Depois vais conhecer o amor

E a paixão de amar

E a solidão do amanhecer

Estou só

Neste labirinto de lágrimas salgadas

E pareço um marinheiro aportado em Cais do Sodré…

Vendendo insónia e coisas enigmáticas de chocolate.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

domingo, 29 de Novembro de 2015

Feliz aniversário - Pai


A tua ausência alicerça-se ao meu coração, penso em ti meu querido, recordo-me da tua mão entrelaçada na minha, víamos os barcos, brincávamos nas areias brancas do Mussulo, e perguntava-te

Porquê pai,

E perguntava-te a razão da saudade embainhada nos livros não lidos, e perguntava-te quando partias… e tu, e tu sorrias… sabias que partias, mas nunca mo disseste, covarde, medo de partires sem me avisar, isso não se faz, meu querido

Sentia a tua voz poisada nos meus ombros, pedia a Deus, eu teu filho Ateu, que me desse todas as forças possíveis e imaginárias para te proteger, desculpa, não fui capaz, também eu um covarde diplomado, poeta, sentinela da noite,

Isso não se faz, vais, não voltas, e deixaste de conversar comigo, covarde, partiste sem me avisar, foste, amanhã, amanhã nada, nunca, nunca acreditei na tua covardia, mas traíste-me

Foste, nada me disseste, deixaste-te ir… eu vi-te, lembras-te, meu querido,

Amanhã, meu filho,

Amanhã, amanhã meu querido…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

domingo, 29 de Novembro de 2015

sábado, 28 de novembro de 2015

A água a luz o mar e o vento alimentam-se dos nossos corpos felizes de sofrer


Escrever-te

Sem saber que te escrevo

Nunca quis escrever-te…

Sabendo que o devo

Fazer

De vez em quando

Escrever

Te escrever

Sem o fazer

Fazendo não o querendo

A água a luz o mar e o vento

Alimentam-se dos nossos corpos felizes de sofrer

Às vezes sofremos

Às vezes inventamos que sofremos

Depois regressam as palavras de escrever

E as palavras de sofrer

E ficamos

Aqui

Impávidos

Deitados nesta secretária velha em melódico pinho…

Escrever-te

Sem saber que te escrevo

Nunca quis escrever-te…

Sabendo que o devo

Fazer

Te escrever

Sem o fazer

E no entanto

Escrevo-te

Pensando que não o sei fazer

E faço-o

E escrevo-te…

Não escrevendo

O escrever

Antes de morrer.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

sábado, 28 de Novembro de 2015

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Palavras de um verme


Enclausurado neste convento de paredes rochosas

O meu corpo pertencendo às tuas garras de marfim

Sentinela das planícies de capim

Em busca dos pássaros assassinados por uma louca mão…

A eira sentindo o esqueleto do frio

Escorrendo nas frestas da solidão

Os barcos sem rio

O rio sem mão

Nas tristes flores pegajosas

Que a madrugada alimenta

São as noites rugosas

Que o meu coração desalenta.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

sexta-feira, 27 de Novembro de 2015

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

A triste solidão das cidades abandonadas


Parece um pêndulo insatisfeito

Este meu corpo cerâmico

Que quando cai se quebra

E carrega no peito

A triste solidão

Das cidades abandonadas…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

quinta-feira, 26 de Novembro de 2015

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

O perplexo sentido da fuga do corpo em translação


O perplexo sentido da fuga

Do corpo em translação

O abraço submerso

Nas marés de ninguém

Acordar

Acender o último cigarro da vida…

Escrever o poema nas tuas pálpebras incendiadas pelo desejo

Que só a minha mão o sabe fazer

Ler-te o último parágrafo do meu livro

Oferecer-te um beijo

E partir sem regresso

Ao teu olhar

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

quarta-feira, 25 de Novembro de 2015

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Querido Novembro


Esta jangada que me transporta

Para os teus braços de alento

Sem água

Sem vento

Esta jangada morta

Na planície do pensamento

Espera o regresso da noite

Ergue-se no limiar da pobreza

Como se a beleza do corpo ardente

Fosse uma estrela em papel

Desfeita em pedacinhos

Na solidão fogueira…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

terça-feira, 24 de Novembro de 2015