sexta-feira, 6 de junho de 2014

Cinzento


Cinzento,
o teu silêncio mergulhado em lágrimas que o desejo absorve,
a rua deserta, tu, tu desapareces entre a neblina que a noite alimenta,
cinzento,
o teu cabelo, solto, ao vento...
cinzento,
o rio que afugenta a paixão,
o beijo que transporta o teu sofrimento,

Cinzento,
eu,
carcereiro do amor envergonhado, ténue, cinzento o teu coração despedaçado,
invisível, e cansado,

Cinzento,
o alicerce de uma carta não escrita,
inventada,
cinzento...
cinzento o teu corpo quando levita,
e se transforma em poesia,
e se transforma em melodia,
como as palavras, como o arvoredo das tuas coxas, todo ele, ele... cinzento,

Cinzento,
cinzento,
cinzento...

O barco naufragado,
os seios da árvore do teu jardim,
quando acariciados pelo mar,
cinzento,
o papel onde escrevo palavras cinzentas..., palavras... para ti,
cinzento,
quando percebo que há uma esplanada,
uma esplanada disfarçada de mulher,

Cinzenta,
também ela,
a sombra...
e a canibal melancolia comestível pelos segredos da madrugada,

Cinzento,
quando te digo “amo-te”... e Deus, cinzento, é testemunha que nada amo,
cinzento,
o cofre onde escondes uma fotografia com lábios de cereja,
sem inveja,
como amendoeiras correndo montanha abaixo,
e caindo no poço da tristeza,
e acorda o cinzento esqueleto que vive dentro de mim...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 6 de Junho de 2014

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Corpo de ribeira adormecida


Não digas que hoje as minhas mãos acariciaram o teu corpo de ribeira adormecida,
fica em silêncio, fica... assim, como só tu o consegues fazer,
cerra os teus olhos,
encerra os teus lábios nos meus lábios,
em silêncio... sim, assim, como só tu o consegues fazer...

Não construas palavras nos meus dedos de giz,
porque sabes que o meu corpo de ardósia, onde escrevias, não existe mais,
hoje, hoje sou uma velha e amarrotada folha de papel,
hoje, hoje sou uma simples tarde de Primavera,
sem pássaros, sem beijos... sem... sem caravela,

Não digas, nunca, não digas o meu nome,
não me aprisiones aos teus sonhos..., quando eu quero voar, quando eu...
nem sequer quero sonhar,
não sonhos, não... não quero escrever nas tuas ossadas transparentes,
poemas, poemas com sabor a melancolia, poemas com sabor a mar,

Não digas que hoje as minhas mãos... são poesia,
porque elas, hoje, porque elas hoje nada são,
porque elas hoje, porque elas hoje têm medo do amor e da paixão...
como barcos encalhados no teu peito,
assim, assim... assim sem jeito,

Não digas, não, não digas quais eram os nossos livros preferidos,
não digas o nome, o meu e o dos poetas que eram os nossos livros preferidos...
não digas que existiu um submerso corpo de areia nas tuas coxas,
e que o vento destruiu numa noite de luar,
não digas, não, não digas que “hoje as minhas mãos acariciaram o teu corpo de ribeira adormecida”.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 5 de Junho de 2014

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Jardim da sonolência


O peso das tuas pálpebras enquanto dormes,
um ninho de poesia, ainda em fase de construção, poisa em ti,
não percebes o significado do cansaço que aprisiona o teu corpo ao jardim da sonolência,
não entendes os desenhos que a dor deixa sobre os teus seios de Margarida...
e como flor que és, e como flor... desaparecerás quando descer a noite ao teu cabelo,
sorris, sorris como uma pedra descalça, como uma pedra sem nome... descendo a calçada do Adeus,
o peso das tuas pálpebras vai diminuindo... até que o amanhecer entra nas tuas coxas, e...
… e nada mais existirá do outro lado do muro, em pequenos pedaços de xisto... morrerá como um louco desconexo, como um louco licenciado, com mestrado em Paixão,

Com Doutoramento em Sofrimento,
o louco sonha, o louco se alimenta das palavras de uma finíssima árvore de cartão,
olha-nos,
olha-nos... e apenas cruza os braços num movimento curvilíneo,
aleatório,
ele chora,
ele é o espelho de uma outra flor,
ele... ele sou eu, ele... ele é o desejo vestido de papagaio...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 4 de Junho de 2014

Texto de Francisco Luís Fontinha – Divulga Escritor


Francisco Luís Fontinha – Divulga Escritor

terça-feira, 3 de junho de 2014

O meu poema


Eras o meu poema,
vestias calças negras,
sorrias enquanto eu te olhava,
silenciavas-te enquanto eu sonhava,

Cerravas as pálpebras, e voavas,

Trazias na algibeira das calças negras apenas algumas vogais e umas tristes sílabas,
conversávamos e não conversávamos...
e éramos absorvidos pelo Luar,

Regressava o vazio,
a dor,
e do sofrimento havia sempre luz com braços de Várzea,
acenavas-me, e eu nada fazia, e deixa-me adormecer,
gritavas pela noite, e tínhamos a noite,
nas tuas calças negras,
a penumbra,
e sombrias palavras,
como o coração de um condenado à poesia,
queria ser astronauta, e fiquei-me por um simples aprendiz de feitiçaria,
que hoje recorda os barcos do Tejo e uma Lisboa adormecida,
e um magala procurando engate...

O comboio soluçava quando ouvíamos (Belém!!!!!!!!!!!!!!)
acordávamos,
e sonolentos... aportávamos no primeiro bar do amanhecer,

(Eras o meu poema,
vestias calças negras,
sorrias enquanto eu te olhava,
silenciavas-te enquanto eu sonhava),

Eras o meu poema,
a sinfonia abstracta que invadia a nossa janela de cristal...
Líamos AL Berto, Cesariny e abraçávamos-nos como duas gaivotas loucas,
encalhadas num velho Cacilheiro,
eras o meu poema,
eras a minha viagem,
balançava o cortinado de papel,
víamos o mar a dançar no tecto da alvorada,
respirávamos, não respirávamos...
(O comboio soluçava quando ouvíamos (Belém!!!!!!!!!!!!!!)
acordávamos,
e sonolentos... aportávamos no primeiro bar do amanhecer),
e havia sempre um velho esqueleto à minha espera,
descia a velha escadaria, e,
- Tem um cigarrinho? E fumávamos até deixar de ser manhã...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 3 de Junho de 2014

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Fantasma


Não sei onde habitas,
o que pensas, sonhas,
não sei o que choras, não sei a cor das tuas lágrimas,
se sofres,
ou... vives, ou... a equação das tuas mágoas,
não sei o teu nome, esqueci o meu próprio nome,
não sei se sou árvore, gaivota... ou... ou montanha branca,
talvez eu seja um barco desgovernado navegando no teu Oceano,

(O cansaço despede-me da poesia,
oiço-te como se fosses uma janela sem vidros,
descalça, um desempregado letrado, um esqueleto vadio...
uma janela encalhada no jardim da melodia,)

Não sei a cor dos teus olhos,
se são belos, ou... ou belos, e belos o são,

Não sei onde habitas,
se habitas em lugar algum,
não sei o que são palavras,
mas sei o que é o medo,
e o sorriso da dor,

Não sei onde habitas,
como são as tuas mãos quando desce a noite?
Passas, corres e levitas...

(Sinto o peso do Tejo nos meus frágeis ombros,
e de um auto-falante gritam o teu nome,
corres, caminhas... e desapareces no interior de um biombo,
e nada mais... até novamente nascer a manhã,)

Não sei onde habitas,
o que pensas, sonhas,
não sei o que choras, não sei a cor das tuas lágrimas,
se sofres,

Ou... ou simplesmente me ignoras,
não sei como é o beijo do teu cabelo,
não sei nada sobre as tuas pálpebras, não sei nada do que eu quero saber,
não sei onde habitas, não sei qual é a tua cidade,
o teu livro preferido?
Ah... também não sei a tua idade,
se és feliz, infeliz, ou... ou apenas uma flor perdida na calçada,
ou apenas um pedaço de poema escrito por um louco na madrugada, eu, que não sei onde habitas, eu, que não sei o sabor da tua boca magoada.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 2 de Junho de 2014

domingo, 1 de junho de 2014

Beijo de poesia


Não a encontro,
a frase suspensa nos teus lábios,
escrevo-a, e reescrevo-a, e nem um beijo de poesia consigo obter,

Há pigmentos solitários que a tua boca absorve,
olhas-me, e segues como uma bala disparada por um desejo escondido na montanha,
há uma cabana deserta, abandonada, esquecida como eu...
teimosa como eu,
há uma gaivota nos teus cabelos que me aprisionam ao cais dos mendigos,
não a encontro,
escrevo-a, e reescrevo-a...
sentindo nas tuas pálpebras a repetição de sons inaudíveis,
caminhas, e corres, e voas,
há pigmentos solitários, não a encontro,
a frase suspensa nos teus lábios,
e no entanto, procuro-te, de noite, de dia, enquanto sonho e sou filho da insónia,

Um muro de livros escondem-te, um muro de livros... um muro de livros comem-te,
e eu sentado no sofá da escuridão, pergunto-me se existes, pergunto-me se és poesia,
em formato de beijo,

Não a encontro,
centenas de frases acabadas de morrer,
palavras sem nome,
palavras sem corpo que a minha mão quer escrever,
sorris, sorris... e escondes-te sob o Plátano de braços cinzentos,
caminhas, corres, e... e voas,
sobes a escadaria de nylon em direcção à nuvem mais afastada de mim,
procuro-te,
procuro-te quando chove, procuro-te quando leio os livros do muro que te escondem,
e apenas uma réstia do teu olhar dispara para mim um cubo de silêncio,
sorriso, o teu, lindo quando caminhas e, e voas sobre as palmeiras da minha infância,
e espero, e espero o teu beijo de poesia...

(Não a encontro,
a frase suspensa nos teus lábios,
escrevo-a, e reescrevo-a, e nem um beijo de poesia consigo obter).


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 1 de Junho de 2014

sábado, 31 de maio de 2014

O poeta dos rochedos anónimos


Este poeta que vive no meu corpo,
este poeta que escreve nos meus seios, acaricia-me nos sonhos com tentáculos de insónia,
sussurra-me ao ouvido melodias intemporais, desenha em mim os silêncios da noite,
embriaga-se no meu corpo, e escreve, e sonha, e deseja-me...

Nunca fui desejada!

Olhava-me no espelho e via uma sombra gélida, com olhar de geada adormecida,
tinha nos meus braços o teu sorriso,
a tua boca,

Nunca fui penetrada!

Este poeta que vive no meu corpo,
habita num cubículo de areia,
chora,
e grita,
sorri, às vezes, não sorri... quando tem na mão a caneta da poesia,
veste-se de gaivota e poisa nos mastros mais secretos do rio da revolta,
chora,
e grita,
grita em mim as garras da paixão,
sou eu, sou eu... meu amor!
Seu eu que te ama,
sou eu... o poeta sem gravata, o poeta apaixonado, o poeta dos rochedos anónimos.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 31 de Maio de 2014

O abstracto


O abstracto,
quando o sorriso se transforma em chuva,
o abstracto silêncio das tuas palavras,
desfasadas,
misturadas nas pálpebras de um fio de luz,

O abstracto meu corpo, laminado pelas garras do amor,
o sítio negro do teu peito,
o cofre das tuas flores de papel,
o abstracto mar que corre no teu abdómen,
como neblina sobre o rio da saudade,

O abstracto...
o dia morre,
o relógio nocturno das tuas coxas..., abstractas, mergulham em mim como a âncora de madeira cansada,
e tudo parece adormecer em nós...
a cidade, a rua onde existe um quiosque de algodão e arde,

O abstracto facalhão que traveste a solidão em paixão,
a ressaca do esqueleto em módicas trinta e seis prestações,
o abstracto corpo sem alicerces,
dançando na copa da árvore das tuas tristes lágrimas...
e um barco entra em ti,

Vives no abstracto espelho,
suspenso nas gaivotas cinzentas das searas envenenadas,
uma fotografia diz-me que tu deixaste de ser menina,
hoje és uma pedra, abstracta e sem nome,
que desce a montanha do meu olhar...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 31 de Maio de 2014

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Silêncio vulcânico


Do teu silêncio vulcânico,
pequenos milímetros de saudade,
pedacinhos de beijos suspensos nas andorinhas,
estrelas há, mas um cortinado opaco ofuscam o teu olhar...
sereno,
uma sentinela fuma vagarosamente o seu cigarro de sombras alcalinas,
e tu, tu pertencente ao círculo trigonométrico, embrulhas-te no cosseno do desejo,
havendo sobre ti alguns sobejantes sorrisos de Luar,

Ou...
talvez, ou talvez não pertenças tu às noites sonolentas das camas de veludo,
do teu silêncio...
as gargalhadas dos telhados cabelos que voam sobre a cidade,

A musicalidade das tuas pálpebras quando se escancara uma janela de acesso ao mar,
o barco do sémen encalhado nas tuas coxas de vidro,
uma jarra de hortênsias envergonhada, suicida-se,
e no pavimento da inocências alguns pingos de espuma do colorido amanhecer,
do teu...
… o silêncio vulcânico insemina-se e cresce sobre os teus seios de Primavera,
louca,
a sanzala saltita entre charcos e os desnudos pássaros com sabor a viagem...

Ou...
talvez, ou talvez pertenças tu a um sonho impossível,
semeada no jardim da solidão...
ou... ou do teu silêncio vulcânico... acordem as cinzas da madrugada.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 30 de Maio de 2014