quinta-feira, 5 de junho de 2014

Corpo de ribeira adormecida


Não digas que hoje as minhas mãos acariciaram o teu corpo de ribeira adormecida,
fica em silêncio, fica... assim, como só tu o consegues fazer,
cerra os teus olhos,
encerra os teus lábios nos meus lábios,
em silêncio... sim, assim, como só tu o consegues fazer...

Não construas palavras nos meus dedos de giz,
porque sabes que o meu corpo de ardósia, onde escrevias, não existe mais,
hoje, hoje sou uma velha e amarrotada folha de papel,
hoje, hoje sou uma simples tarde de Primavera,
sem pássaros, sem beijos... sem... sem caravela,

Não digas, nunca, não digas o meu nome,
não me aprisiones aos teus sonhos..., quando eu quero voar, quando eu...
nem sequer quero sonhar,
não sonhos, não... não quero escrever nas tuas ossadas transparentes,
poemas, poemas com sabor a melancolia, poemas com sabor a mar,

Não digas que hoje as minhas mãos... são poesia,
porque elas, hoje, porque elas hoje nada são,
porque elas hoje, porque elas hoje têm medo do amor e da paixão...
como barcos encalhados no teu peito,
assim, assim... assim sem jeito,

Não digas, não, não digas quais eram os nossos livros preferidos,
não digas o nome, o meu e o dos poetas que eram os nossos livros preferidos...
não digas que existiu um submerso corpo de areia nas tuas coxas,
e que o vento destruiu numa noite de luar,
não digas, não, não digas que “hoje as minhas mãos acariciaram o teu corpo de ribeira adormecida”.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 5 de Junho de 2014

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