segunda-feira, 10 de junho de 2013

Ai menina

foto: A&M ART and Photos

Letras apenas
pequenas
tretas
que às vezes não percebem
que as pretas
uvas
são eternas
formosas como cobertores de Outono,

Rosas
vestidos cansados sobre ombros de prata
nossas vozes recheadas pelos vendavais de lata
em casas rochas a areia assassina dos quintais de Inverno,

Ai menina
o que seria de mim dentro do poço no inferno
sabendo eu que a minha triste sina
é... dormir inventando letras de papel
aquelas... as pequenas
tretas dos silêncios papagaios coloridos,

Ventos os sofridos
vendo tudo
a minha alma que não tenho que nunca tive que não pretendo ter
vendo semáforos de Verão com guarda-sois semeados nas lajes graníticas
aquelas
onde brincam os teus lábios e gravitam as tuas mãos de cegonha...

Meu deus...
que vergonha
a minha triste palavra escondida na algibeira da montanha adormecida
Deus ignora-me? Claro que não meu versos transtornados
Deus passeia-se dentro de mim
sem que eu perceba o que são incógnitas equações em três apenas letras...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

domingo, 9 de junho de 2013

Finos cabelos de videira

foto: A&M ART and Photos

Sabia que eras de xisto
e mesmo assim
não hesitei em amar-te
sabia que o teu corpo era constituído por lâminas e pequenas fatias
e as minhas mão saboreavam-no quando acordava a noite,

Eu, eu sabia, que tu pertencias às pequenas migalhas
que dormem nos socalcos olhando o rio Douro,
e, e mesmo assim,
não hesitei,
não hesitei em amar-te...

Não hesitei em permanecer sonâmbulo
caminhando montanha abaixo até cair sobre o sofrimento deleite das gaivotas sem sorriso
não, não hesitei, não tive medo do amor teu, sabendo-te fatiada como cortinados livremente
dentro do vento,
docemente como finos cabelos de videira olhando o final do dia...

E mesmo assim, não, não hesitei em amar-te.

Francisco Luís Fontinha

O que são desajeitados beijos, meu querido?

foto: A&M ART and Photos

Começo a ter medo das cores, telas e do amor, começo a ter medo dos dias sem a presença de pessoas, o medo às mortas assassinas horas, medo da noite quando todas as luzes dormem, ou fingem dormir
Pergunto-lhes
Já dormem, meus amores,
E nenhuma delas me responde, e depreendo que dormem ou fingem dormir, ou apenas não me ouvem, eu ainda as oiço, quando em pequenos passos vão descendo das janelas com acesso ao pátio de pequenas lajes em granito como pavimento, entre ranhuras, pequenas ervas, flores minúsculas, sonhos, e desajeitados beijos
Perguntam-me elas
O que são desajeitados beijos, meu querido?
Respondo-lhes que são beijos com defeito, que na fábrica dos beijos não passam no controle de qualidade, são colocados numa caixa de porcelana, embalados e devidamente embalsamados, para mais tarde, pela madrugada, entrarem em vós, e posteriormente, em mim
Perceberam, meninas?
Que não, que apenas percebem de luz, de estrelas, da noite quando a noite é uma verdadeira noite, quando os corpos, misturados em óleo de cedro e untados com palavras dispersas, eles, mergulham como lâminas de areia na sepultura dos cadernos com capa preta, onde vivem as palavras proibidas, as palavras cansadas, as palavras
Amas-nos?
De que vale o amor se as luzes da noite ficaram eternamente negras, penumbra como a morte, de que me servem palavras se sei que ninguém as lê, eu próprio não as leio, tenho-lhes medo, odeio-as, mesmo sabendo que são minhas, envergonham-me, como as cores e as telas e os beijos,
Raios... me partam para as palavras...
A vossa nudez mistura-se com a minha timidez, oiço de dentro de mim os ouriços dos tentáculos vidros da minha gaguez disfarçada de ventoinha a pilhas, há vozes que teimo em não ouvir, há imagens que teimo em não recordar, há palavras secretas e escondidas nos caixotes de cartão entre o tecto e o cimo da prateleira da minha triste e pobre biblioteca, há tanta coisa em mim que eu mesmo deixe de perceber se ainda estou vivo, se ainda é-me possível sonhar
Sabereis dizer-me, minhas queridas luzes nocturnas o que são sonhos?
Sonhos são... deixai, deixai-me sossegado,
Depois veio o desemprego, a miséria, e tudo porque chove, digo eu, maldita chuva, fartei-me de água e gotinhas de água, e de poesia, porque
Amas-nos?
Porque será que tudo de ruim é culpa do tempo? Perdi o amor da minha vida, claro, por culpa da geada, esta foi devido à geada..., sou um parvalhão inconformado, claro, culpa do sol, quando queimei todos os meus desenhos e textos e poemas nos anos 90, claro, por culpa da droga
Que tem a droga relacionada com a meteorologia... não sei, minhas queridas luzes e lâmpadas, não sei, mas certamente e quase de certeza que a culpa foi do céu pouco nublado, não tenho dúvidas, ah..., ah e ah, às vezes há,
Parvalhão, tu, que acreditas nas coisas inventadas por um louco malabarista (começo a ter medo das cores, telas e do amor, começo a ter medo dos dias sem a presença de pessoas, o medo às mortas assassinas horas, medo da noite quando todas as luzes dormem, ou fingem dormir
Pergunto-lhes
Já dormem, meus amores), e acredito que um dia vou ser crucificado pelas luzes que eternamente cessaram a luminosidade, como a vida cessa e dá lugar à morte,
Ou falta de sorte, como eu, desde que nasci.

(não revisto)
Francisco Luís Fontinha

Drageias apenas em ti

foto: A&M ART and Photos

Eras em pluma doce crisântemo do Éden jardim
escondias nos lábios a algibeira dos sonhos
e trazias nos braços as imagens prateadas
que o velho homem de chapéu negro deixou ficar após a tempestade
sobre a cidade dos vampiros de cabeça estonteante,

Comíamos sem comer
imaginávamos alimentos em todas as árvores que víamos
às vezes fingíamos caçar pássaros de asa amarela e azul
como os papeis que usávamos na secretária da noite
para adormecermos as nossas palavras em dor,

E por algumas drageias apenas
elas
as palavras vomitadas pela nossa empobrecida insónia...
inventavam sonhos e marés com vestidos de renda
e deixávamos de saber o nome dos dias,

Pintávamos minutos dos relógios procurando braços
para aportarem âncoras de iodo e laboratórios de análises clínicas
as palavras com teores de açúcar bastante elevados
e dos poemas havia uma pequena alteração no níveis de colesterol...
comíamos livros e nem assim conseguíamos sobreviver aos anzóis do amanhecer,

Se nos amávamos deixei de perceber
que na tua boca de Primavera envergonhada
habitavam calçadas como rios fundeados nos alicerces da tuas palavras
as mesmas e aqueles que as drageias apenas
elas as palavras eram pedaços de papel envenenado pela escuridão do prazer...

(não revisto)
Francisco Luís Fontinha

sábado, 8 de junho de 2013

Como todos os versos dele...

foto: A&M ART and Photos

Tinha medo do escuro e das mãos não tuas, cresciam em mim desejos imprimidos no papel grosso e quase cartão onde embrulhávamos os demais objectos não utilizados, tínhamos apenas uma cama para as duas, e éramos uma lágrima antes de romper a madrugada janela adentro, ouvíamos ranger a cidade, ouvíamos os rosnar dos autocarros dando os primeiros passos avenida abaixo, ouvíamos o estender de braços, sobre a cabeça, do rio que ficava a meia dúzia de metros dos nossos encontros secretos, depois, abríamos a janela, dávamos as mãos, e fumávamos os primeiros cigarros de nós, e éramos felizes assim
Poemas que vão integrar esta colectânea,
Horríveis, sangrentos, húmidos às vezes, como esponjas derramando películas de suor que vogais e sílabas alimentam depois de nascer o poema, e morrer o texto, sulcos salivais, vaginais, vagabundos escondendo-se em folhas velhas de jornais, a cama, delírios imaginados por um transeunte camuflado num sobretudo castanho, havíamos combinado escondermos-nos no sótão enquanto nos acariciávamos olhando-nos num espelho magro, esquelético, voraz, volátil como alguns fluidos dentro de pequenas caixas de fósforos, e ardíamos como cachimbos na boca desespero do senhor António Emagrecido com voz penumbra soletrando as pequenas letras no cardápio do prazer,
Poemas que vão integrar esta colectânea, poemas de “merda” e textos de “merda” percorrendo socalcos e avenidas entre arbustos e automóveis de luxo, por favor – Mesa para duas – e depois despedíamos-nos após transcrevermos na palma da mão os poemas envenenados e moribundos, alguns, nem sobreviviam e na primeira carícia acabavam por despenharem-se-me nos seios circunflexos das paixões em marés de Primavera, éramos novas e queríamos – Queremos um quarto de casal se faz favor – e a pergunta parva de sempre
(as meninas vão dormir juntas)
Respondíamos que não, claro que não – Eu durmo no chão e ela dorme com o gato Jerónimo – PARVALHÕES...
Horríveis, percebem?
Os poemas, as noites em claro olhando uma lâmpada embrulhada em papel celofane, encarnada, e pela segunda vez sinto o meu corpo possuído pelo maldito sarampo, eu parecia um forno depois de aquecido e esperando a entrada em mim da massa, que posteriormente, como os poemas, renasce o saboroso pão, e trazias-me a manteiga de amendoim, e quando acordava, sentia-me embalsamada nas tuas mãos..., “tinha medo do escuro e das mãos não tuas, cresciam em mim desejos imprimidos no papel grosso e quase cartão onde embrulhávamos os demais objectos não utilizados, tínhamos apenas uma cama para as duas, e éramos uma lágrima antes de romper a madrugada janela adentro, ouvíamos ranger a cidade, ouvíamos os rosnar dos autocarros dando os primeiros passos avenida abaixo, ouvíamos o estender de braços, sobre a cabeça, do rio que ficava a meia dúzia de metros dos nossos encontros secretos, depois, abríamos a janela, dávamos as mãos, e fumávamos os primeiros cigarros de nós, e éramos felizes assim, assim, assim como hoje, poisando os cotovelos no peitoril de verniz sobre a Avenida Almirante Reis, e comíamos Sábados à noite, depois de acordarmos com hálito a chocolate e a beijos de açúcar”, mãos, as mãos tuas em mim, depois, depois a penúria de vivermos sobre um mar de areia branca, sem barcos...
Horríveis, percebem?
Como todos os versos dele...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Rosas de amor

foto: A&M ART and Photos

Tinhas na mão as palavras minhas
em ausências mergulhadas nos carris da insónia
trazias-me ao jantar os sabores do mar
com pequenas algas e pedaços de luar
tinhas nas mão as palavras minhas
dementes como esqueletos ósseos suspensos no estendal da noite
como acontecia aos orgasmos nocturnos nas miseras coxas em granito
tínhamos corações de xisto
e janelas com imagens encarnadas entre flores e pétalas às pálpebras quebradas
dos vidros restou nada
e da casa com cortinados de papel...
sobraram saudosos beijos embrulhados em simples abraços,

Tinhas na mão a pele silenciosa da madrugada
como pingos de chuva
em cansados versos por mim declamados
tínhamos os rios e as pontes e gaivotas embriagadas
nos confins voos em siderais mistelas de açúcar e canela
e demais minhas desérticas palavras
por ti
e de mim
abandonadas
tinhas
na mão minhas
corpos dispersos teu desejo travestido entre plumas e rosas de amor.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Pedras contra as palavras que poisam no estendal do quintal

foto: A&M ART and Photos

É sexta-feira, atiram-se pedras contra as palavras que poisam no estendal do quintal onde juntamente com demais roupa, de homem e senhora, uma criança grita pelos patos que brincam no lago, são três, podiam ser quatro, o ideal seriam cinco, mas é o que eles têm, e já não é pouco, de essa criança existem alguns brinquedos espalhados ao redor das mortas árvores de papel grosso, pouco maneável, não chove, o tempo seco ressaca-lhe os pulmões desabituados ao fumo do cigarro, e hoje, não sente saudades de fumar, mas não se cansa de recordar o cheiro, as imagens inventadas pelo fumo esbranquiçado, penumbro, arrancando bonecos de palha do campo de milho da tapada do avô Domingos, Carvalhais existe, S. Pedro do Sul padece das minhas mãos quando me sentava no jardim junto ao Município, ou ficava horas a imaginar o rio Sul em círculos enquanto do meu corpo uma sombra de planaltos deambulava pelas encostas em frente às Termas, queria atravessar o rio, voando, como pássaros, os melros invadiam-se da gaiola do senhor Joaquim, tio,
(o tio Joaquim não percebe porque chamam ao grande José Eduardo Agualusa, falso escritor, não percebe, não entende, talvez porque o tio Joaquim já tenha morrido, talvez porque o tio Joaquim só tinha a quarta classe, ou, porque apenas e só, quem o afirma, o escreve por inveja, ou pior, por ignorância, ou porque não lhe interessa ou interessam os temas dos livros de Agualusa, é verdade que todos têm direito à opinião, livre, mas dizer falso escritor... porquê? Tínhamos três patos, eu passeava-me em volta do lago imaginário onde perto do lago existia um canastro, atulhado de milho, a eira ao lado do canastro, ambos, pertenciam ao outro tio, o artista, Serafim, grande homem, este, e o outro também, o Joaquim, mas tinha um defeito, um grande defeito, não percebia a razão de escreverem que Agualusa é uma falso escritor..., tantas falsas coisas, e os livros, são todos eles verdadeiros, e aquele que escreve, será ele um falso homem? Só não percebo, querido tio Joaquim, questiona-se a possível fortuna de Agualusa, e não se questiona a fortuna de certas pessoas que em Angola vivem sem que se perceba como conseguiram tão grandes fortunas, essas sim, colossais, quando não ainda há muito tempo, alguns, mal sabiam ler e escrever e andavam de G3 no mato... e agora, alguns deles, passeiam-se de avião e vêm às compras a Lisboa)
O tio, o outro, o artista, cantava fado e declamava poesia na sua adega, rodeava-se de amigos, alguns de simplicidade invejável, outros, que deixavam o respectivo canudo à porta da adega e madrugada depois, saiam, felizmente o conseguiam fazer, alguns de gatas, outros, outros cambaleando sobre rodas de incenso e lápis de cor,
(hoje percebo que não nasci em Angola, que jamais regressarei porque felizmente não compactuo com determinados comportamentos, sempre o fui e sou, a favor do livre pensamento, recuso-me a aceitar o insulto apenas pelas diferenças de opinião, não concordo que José Eduardo Agualusa seja um falso escritor, e para terminar, percebi hoje que os destaques do meu blogue Cachimbo de Água no Sapo Angola, de hoje em diante, terminaram; paciência, sou e sempre fui assim, mesmo sabendo que posso perder tudo, o pouco que tenho, e não te preocupes tio Joaquim, um dia, um dia vamos ver o Mussulo, e depois, levamos duas cadeiras de vime, sentamos-nos junto à Baía e esperamos pelo regresso da...)
E dos lápis de cor, ele, o tio, o Joaquim, deitou fora o de cor azul.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

As gaivotas embriagadas

foto: A&M ART and Photos

Esqueço abismos e inglórias
acordo sabendo que deixaste de me esperar no banco granítico
do jardim invisível
o nosso pequeno quarto sobre as rochas viradas a Norte,

Esqueço palavras e sonhos
imagens
esqueço os sofrimentos das nocturnas esplanadas que a escuridão engole
e transcreve para o muro em betão que divide os nossos corpos separáveis hoje,

Acorrentados ontem
(lembras-te – querida solidão de areia?)
como barcos prisioneiros em pilares de sombra
e esperando que o luar desça as escadas dos cais desassossegados,

Esqueço a ti
como as serpentes envenenadas debaixo do divã
esqueço a ti embrulhada no capim húmido dos lençóis da madrugada
e sei que deixaste de me esperar,

E nunca mais te vi na janela da manhã
como o fazias ontem
antes de ontem...
quando regressávamos dos corredores de aço com sulcos finos em papel de parede,

Rosas em decomposição
corpos de poemas em putrefacção não sabendo eles que deixaste de olhar o sol
e começaste a caminhar mar adentro
como um paquete sem rumo,

Descendo calçadas de vidro
versos cansados
palavras e palavras e palavras
para quê?

Versos malvados
esqueço abismos e inglórias
acordo sabendo que deixaste de me esperar no banco granítico
do jardim invisível...

Tristes
estas noites quando os relógios morrem
e o tempo cessa as suas garras
no pescoço teu onde dormem as gaivotas embriagadas.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Camas de solidão em almofadas de listras

foto: A&M ART and Photos

Viajo entre curvas ínfimas que me transportam às sílabas papel dos lábios jardins camuflados dentro da cidade, tenho ruas só minhas, casas desabitadas, onde, só, adormeço, passos algumas horas, porque tenho a poder de transformar horas em dias, recheios de apartamentos sujeitos a vandalismos proliferam escadas abaixo, e entre mim e o corrimão, penso-o, possivelmente nem uma mosca, daquelas esqueléticas, conseguem colocar-se a meu lado, subo só, e desço descalço, como se não existissem espelhos e cobertores, apenas uma rampa inclinada, voando eu, até encontrar a porta do prédio ao lado, uma velha pastelaria, moscas, estas não esqueléticas, coabitam com os croissants e os restantes bolos, lâminas de barbear, pilhas, jornais e revistas, mulheres nuas dentro de papel que acabará numa casa de banho pública, peço um café curto, e sobre a mesa onde esqueço os cotovelos, vejo uma chávena quase a abarrotar de café, procuro na algibeira sessenta cêntimos de euros e despeço até sempre desta horrível pastelaria perdida numa avenida incógnita, como as pedras da Ajuda, caminhadas com milhões de pés, às vezes, com o vento, tombávamos no chão, havia desníveis, ora subia, ora descia, e claro, o chão sempre foi a nossa melhor cama, depois do sono, acordavam os enjoos, o fígado inchado, a dor no estômago, e
Tonturas,
E os cigarros esquecidos na prateleira junto ao uísque e a migalhas de haxixe que de um caixote em chapa, de nome armário, ficavam o santo dia acorrentados, até que vinha a noite, abríamos a porta, e seguíamos viagem pelas ruas mais escuras que habitavam junto ao rio, corríamos, corríamos... e quando nos sentávamos nas margens do rio, apenas sós, cruzávamos as pernas, eu, os cigarros e as migalhas de haxixe, e
Tonturas, pernas torneadas por um verdadeiro artista plástico, bela, o corpo parecia um Stradivarius, e o som, o som escorria um líquido a que os humanos chamam de suor, pequenas gotinhas com sabor a incenso, ou a doçura, ou... a música,
E uma almofada amarela com bolinhas encarnadas, brancas ou negras, mergulhava nos lençóis desejo da noite, listras, brancas, intercaladas com o silêncio do capim, e nas paredes do sono, quadros, pinturas abstractas com mãos de alicerce, uma ponte despedia-se do rio, e no rés-do-chão da rua onde dormíamos quando fingíamos desgostos e dores de cabeça, havia sempre uma mosca, esquelética, não esquelética, e que às vezes era tão amorosa que dormíamos os três juntos...
(os cigarros, o sono, as migalhas de haxixe, duas moscas, uma esquelética e outra não esquelética, e claro, eu)
… amarrados à almofada, com o medo de perdermos as listras brancas, porque as negras não corriam esse risco, visto ser noite, e o negro dilui-se na escuridão, como os beijos de duas pessoas que se desejam,
Um homem e uma mulher, dois homens ou duas mulheres, porque o importante é não perdermos as moscas, as esqueléticas e não esqueléticas, os cigarros, as migalhas de haxixe, as mãos quando se entranham nas tuas coxas, e sempre, o todo, o inesquecível abraço, os sexos imprimidos nos espelhos das janelas, e feliz Stradivarius voando sobre dois corpos nus sobre lençóis invisíveis, e almofadas com listras, coitadas, acorrentadas à solidão...
E esqueci-me do uísque.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Eras quase noite

foto: A&M ART and Photos

Havia uma louca paisagem
acorrentada à Cinderela manhã com sorrisos de nada
um pedaço de ti mergulhava em sombras com braços despidos
proibidas as melodias teu cansaço...
havia uma tal de Josefina... inventava tigelas de marmelada
que à janela secavam e às vezes dos vorazes sons do papel vegetal
voavam neblinas de insónia e projecteis de orvalho no final do dia
como acontece aos meninos que brincam debaixo das madalenas árvores de sonhar...

Eras quase noite
trazias-me os sonhos embrulhados em finas toalhas bordadas pela mãe Arminda
(às vezes zango-a dizendo-lhe que são trapos)
velharias em exposição que um vendedor ambulante tentava impingir-nos a todo o custo
cachimbos e bonés de militar da ex-URSS... livros velhos com presença de dores musculares
havíamos embainhado os relógios nossos pulsos em pequenos cabelos ramificados
como cabos de aço a prenderem petroleiros no corredor desgosto do ser
o papel de embrulho sempre deitado sobre o velho balcão em madeira apodrecida,

O cheiro da roupa depois do sexo
o perfume do sémen impregnado nas oliveiras além socalcos
como ventoinhas em suspenso no tecto da cubata esquecida sobre o Tejo
tínhamos medo da ponte de ferro
e dormíamos nos bancos de jardim porque queríamos escrever sobre os joelhos cansados da madrugada
havia uma louca paisagem com uma louca casa e uma louca varanda
dos teus loucos beijos
em tuas grandes loucas mamas de amanhecer violento depois das tempestades palavras...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha