foto: A&M ART and Photos
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Tinha medo do escuro e das mãos não tuas, cresciam
em mim desejos imprimidos no papel grosso e quase cartão onde
embrulhávamos os demais objectos não utilizados, tínhamos apenas
uma cama para as duas, e éramos uma lágrima antes de romper a
madrugada janela adentro, ouvíamos ranger a cidade, ouvíamos os
rosnar dos autocarros dando os primeiros passos avenida abaixo,
ouvíamos o estender de braços, sobre a cabeça, do rio que ficava a
meia dúzia de metros dos nossos encontros secretos, depois, abríamos
a janela, dávamos as mãos, e fumávamos os primeiros cigarros de
nós, e éramos felizes assim
Poemas que vão integrar esta colectânea,
Horríveis, sangrentos, húmidos às vezes, como
esponjas derramando películas de suor que vogais e sílabas
alimentam depois de nascer o poema, e morrer o texto, sulcos
salivais, vaginais, vagabundos escondendo-se em folhas velhas de
jornais, a cama, delírios imaginados por um transeunte camuflado num
sobretudo castanho, havíamos combinado escondermos-nos no sótão
enquanto nos acariciávamos olhando-nos num espelho magro,
esquelético, voraz, volátil como alguns fluidos dentro de pequenas
caixas de fósforos, e ardíamos como cachimbos na boca desespero do
senhor António Emagrecido com voz penumbra soletrando as pequenas
letras no cardápio do prazer,
Poemas que vão integrar esta colectânea, poemas de
“merda” e textos de “merda” percorrendo socalcos e avenidas
entre arbustos e automóveis de luxo, por favor – Mesa para duas –
e depois despedíamos-nos após transcrevermos na palma da mão os
poemas envenenados e moribundos, alguns, nem sobreviviam e na
primeira carícia acabavam por despenharem-se-me nos seios
circunflexos das paixões em marés de Primavera, éramos novas e
queríamos – Queremos um quarto de casal se faz favor – e a
pergunta parva de sempre
(as meninas vão dormir juntas)
Respondíamos que não, claro que não – Eu durmo
no chão e ela dorme com o gato Jerónimo – PARVALHÕES...
Horríveis, percebem?
Os poemas, as noites em claro olhando uma lâmpada
embrulhada em papel celofane, encarnada, e pela segunda vez sinto o
meu corpo possuído pelo maldito sarampo, eu parecia um forno depois
de aquecido e esperando a entrada em mim da massa, que
posteriormente, como os poemas, renasce o saboroso pão, e trazias-me
a manteiga de amendoim, e quando acordava, sentia-me embalsamada nas
tuas mãos..., “tinha medo do escuro e das mãos não tuas,
cresciam em mim desejos imprimidos no papel grosso e quase cartão
onde embrulhávamos os demais objectos não utilizados, tínhamos
apenas uma cama para as duas, e éramos uma lágrima antes de romper
a madrugada janela adentro, ouvíamos ranger a cidade, ouvíamos os
rosnar dos autocarros dando os primeiros passos avenida abaixo,
ouvíamos o estender de braços, sobre a cabeça, do rio que ficava a
meia dúzia de metros dos nossos encontros secretos, depois, abríamos
a janela, dávamos as mãos, e fumávamos os primeiros cigarros de
nós, e éramos felizes assim, assim, assim como hoje, poisando os
cotovelos no peitoril de verniz sobre a Avenida Almirante Reis, e
comíamos Sábados à noite, depois de acordarmos com hálito a
chocolate e a beijos de açúcar”, mãos, as mãos tuas em mim,
depois, depois a penúria de vivermos sobre um mar de areia branca,
sem barcos...
Horríveis, percebem?
Como todos os versos dele...
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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