domingo, 9 de junho de 2013

O que são desajeitados beijos, meu querido?

foto: A&M ART and Photos

Começo a ter medo das cores, telas e do amor, começo a ter medo dos dias sem a presença de pessoas, o medo às mortas assassinas horas, medo da noite quando todas as luzes dormem, ou fingem dormir
Pergunto-lhes
Já dormem, meus amores,
E nenhuma delas me responde, e depreendo que dormem ou fingem dormir, ou apenas não me ouvem, eu ainda as oiço, quando em pequenos passos vão descendo das janelas com acesso ao pátio de pequenas lajes em granito como pavimento, entre ranhuras, pequenas ervas, flores minúsculas, sonhos, e desajeitados beijos
Perguntam-me elas
O que são desajeitados beijos, meu querido?
Respondo-lhes que são beijos com defeito, que na fábrica dos beijos não passam no controle de qualidade, são colocados numa caixa de porcelana, embalados e devidamente embalsamados, para mais tarde, pela madrugada, entrarem em vós, e posteriormente, em mim
Perceberam, meninas?
Que não, que apenas percebem de luz, de estrelas, da noite quando a noite é uma verdadeira noite, quando os corpos, misturados em óleo de cedro e untados com palavras dispersas, eles, mergulham como lâminas de areia na sepultura dos cadernos com capa preta, onde vivem as palavras proibidas, as palavras cansadas, as palavras
Amas-nos?
De que vale o amor se as luzes da noite ficaram eternamente negras, penumbra como a morte, de que me servem palavras se sei que ninguém as lê, eu próprio não as leio, tenho-lhes medo, odeio-as, mesmo sabendo que são minhas, envergonham-me, como as cores e as telas e os beijos,
Raios... me partam para as palavras...
A vossa nudez mistura-se com a minha timidez, oiço de dentro de mim os ouriços dos tentáculos vidros da minha gaguez disfarçada de ventoinha a pilhas, há vozes que teimo em não ouvir, há imagens que teimo em não recordar, há palavras secretas e escondidas nos caixotes de cartão entre o tecto e o cimo da prateleira da minha triste e pobre biblioteca, há tanta coisa em mim que eu mesmo deixe de perceber se ainda estou vivo, se ainda é-me possível sonhar
Sabereis dizer-me, minhas queridas luzes nocturnas o que são sonhos?
Sonhos são... deixai, deixai-me sossegado,
Depois veio o desemprego, a miséria, e tudo porque chove, digo eu, maldita chuva, fartei-me de água e gotinhas de água, e de poesia, porque
Amas-nos?
Porque será que tudo de ruim é culpa do tempo? Perdi o amor da minha vida, claro, por culpa da geada, esta foi devido à geada..., sou um parvalhão inconformado, claro, culpa do sol, quando queimei todos os meus desenhos e textos e poemas nos anos 90, claro, por culpa da droga
Que tem a droga relacionada com a meteorologia... não sei, minhas queridas luzes e lâmpadas, não sei, mas certamente e quase de certeza que a culpa foi do céu pouco nublado, não tenho dúvidas, ah..., ah e ah, às vezes há,
Parvalhão, tu, que acreditas nas coisas inventadas por um louco malabarista (começo a ter medo das cores, telas e do amor, começo a ter medo dos dias sem a presença de pessoas, o medo às mortas assassinas horas, medo da noite quando todas as luzes dormem, ou fingem dormir
Pergunto-lhes
Já dormem, meus amores), e acredito que um dia vou ser crucificado pelas luzes que eternamente cessaram a luminosidade, como a vida cessa e dá lugar à morte,
Ou falta de sorte, como eu, desde que nasci.

(não revisto)
Francisco Luís Fontinha

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