Desenho de Francisco Luís Fontinha
|
quinta-feira, 25 de abril de 2013
Encarnadas lágrimas que o silêncio inventa
foto; A&M ART and Photos
|
Da caverna envergonhada onde se esconde a saudade,
oiço as encarnadas lágrimas que o silêncio inventa no rosto da
menina sentada no banquinho de madeira junto às roseiras brancas, e
bravias, e do teu corpo nublado desenham-se sobre as mesas de granito
os carris ilimitados, alguns, que me transportarão até ao Douro,
outros, vão deixar-me a meio-caminho, o dúctil, a escancarada
melodia sobre as marés de sémen pensando serem as vozes do destino
em revolução, havia greve dos poetas e ficcionistas, havia músicas
com palavras, e palavras sem músicas, e comboios que fingiam
caminhar sobre os carris de aço, os próprios e verdadeiros carris
do iluminado jardim das agonizantes bolhas de bolor que se faziam
crescer nas dobradiças dos pilares embainhados que se ouviam das
cavernas
Das tuas nádegas, também elas, em greve, de fome,
de zelo, de palavras,
hoje não se escrevem palavras, pedimos desculpa
pelo incómodo,
“Por motivos de greve, hoje fechados”
Uma escarpa com lençóis de purpura fina sobre uma
mesa de vidro, um pequeno livro, aberto, numa página sem numeração,
sem significado nenhum, um beijo surge da capa do livro, aberto,
sobre a mesa de vidro, um beijo com três cores, um beijo que
iluminará a caverna envergonhada, aquela, de há pouco, onde se
esconde a saudade,
a minha saudade,
A voz que precisa de alimento, as coxas do vento que
precisam de uma vela, um mastro, ou
a gaivota do tio Joaquim,
Ou uma velha Caravela, só, só e só, e companhia
limitada, nenhuma, só e falida, falida como os porcos bravos das
pocilgas nocturnas, invisíveis, quando das viagens a S. Pedro do
Sul, e chegava lá, não cansado, não triste, desiludido, chegava lá
feliz, contente, como se o ar que se respirava em Carvalhais fosse
mais leve do que o ar respirado em Alijó, e mais pesado, do ar que
eu estava habituado a respirar em Luanda, e mesmo assim, mal saía do
carro, beijava os meus avós, e corria loucamente para a eira, abria
a porta do espigueiro ou canastro, e com a paciência de um
desiludido com as nuvens destes longínquos Oceanos, começava a
contabilizar as espigas loiras do milho, desistia, e sentava-me sobre
o granito da entrada, e ao longe, conversava com dois espantalhos que
o meu tio Serafim tinha construído para afastar os pássaros do
cereal, e na altura, eu
não percebo porque fazem isto aos coitados dos
pássaros,
E coitados uma ova, são espertos, e começaram a
aprender a viverem com os espantalhos, e quando me apercebia, via-os
sobre eles, ia até lá, e todos “cagados”, como as estátuas, ou
como os homens iguais a mim, que quando se passeiam pela rua, debaixo
de árvores, e
com tanto metros quadrados de superfície tinham
logo de “cagar-me em cima de mim estes filhos da puta” mas é
este o meu destino, há pessoas que nascem para serem doutores em
seis semanas, há pessoas que nascem para serem ricos em apenas cinco
lições, e há pessoas, como eu, que nasceram para servirem de
sanita aos pássaros, e mesmo assim, confesso-te que gosto deles e
que me fascinam,
Da caverna envergonhada onde se esconde a saudade,
oiço as encarnadas lágrimas que o silêncio inventa no rosto da
menina sentada no banquinho de madeira junto às roseiras brancas, e
bravias, e do teu corpo nublado desenham-se sobre as mesas de granito
os carris ilimitados, alguns, que me transportarão até ao Douro, e
só agora percebo que a menina sentada no banquinho de madeira, és
tu...
mas... afinal quem tu és?
E talvez sejas apenas um desenho mergulhada em
palavras e copos com vodka como aqueles que deixamos sobre uma mesa
num bar em cais do Sodré, claro
ainda tu eras menina, e ainda eu, não sabia que era
eu,
Assim éramos nós antes de inventarem estas coisas
todas que nãos nos servem de anda.
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Labels:
Alijó,
Angola,
Cais do Sodré,
Carvalhais,
cavernas,
ficção,
Lisboa,
livros,
Luanda,
oceanos,
palavras,
S. Pedro do Sul,
Texto
Location:
5070 Alijó, Portugal
A Floresta do Medo
foto: A&M ART and Photos
|
As palavras estonteantes que
prenunciavas na minha ausência
e eu sem o saber acreditava em sonhos
de infância
e cidades de vidro
e noites com lâmpadas mágicas
vestidas com livros de poesia
e manhãs de quinta-feira pobres ou
doentes ou quase nada,
De mim
quando sinto o meu corpo rolar sobre as
rochas de insónia
e mergulhar no líquido viscoso dentro
de uma conduta de cerâmica
oiço-os e sei que me perseguem
como cães raivosos provenientes das
catacumbas do prazer,
Às palavras sem o destino perfume dos
cinzentos fetos despidos como as ervas daninhas
quando caminham pela floresta do medo
sei que eles me perseguem
e que nunca me encontrarão porque há
muito me sinto morto
longe deste silêncio disfarçado de
felicidade...
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
quarta-feira, 24 de abril de 2013
As cubatas da saudade e os musseques com homens de pano, com mulheres de palha...
foto: A&M ART and Photos
|
Eu pensava que os dias eram pequenos aeroplanos
sobrevoando as cubatas da saudade e os musseques com homens de pano,
com mulheres de palha, com meninos em forma de triciclo, e sempre que
me erguia, ouvia, sentia, vinha até mim uma nuvem encarnada com
olhos verdes, sobre ela, brincava um menino com um papagaio de papel
e de cor amarelo, e eu sem saber o que fazer, puxava o cordel, e caía
o céu sobre nós, as estrelas transformaram-se em papeis tão finos
e pequenos que,
mal se conseguiam observar quando atingiam o
pavimento térreo do largo dos morcegos nocturnos, havia mãos
entrelaçadas, havia suspiros misturados em suor e lábios diluídos
em pequenas bocas de sobremesa, depois do jantar, o cigarro
perfumado, construído devidamente para o efeito, e uma borboleta em
batimentos de asa fazia com que no terceiro andar direito, onde
apenas dormia a minha vizinha Amélia, caíssem todos os objectos que
jaziam sobre a cristaleira, coisa estranha, a minha, a vida de mim,
como as mãos de ti penduradas nas mãos de ela, e claro que nas mãos
dela, mas hoje, a mim, apetece-me escrever “nas mãos de ela”, e
das mãos de ela
Nasceram pássaros, pequenos objectos em puro
cristal, pratos em porcelana, barrigas de aluguer, flores de papel e
janelas com cortinados de vidro e no lugar dos vidros, pequenos
quadrados de tecido, de preferência, escuro, preto, assim, quase
nunca se nota a sujidade, e nas tascas perdidas pela cidade, uma
finíssima toalha em plástico ornamentava uma mesa caquética, que
quando se pegava nos talheres, e como às vezes, estes, eram tão
finos que se dobravam sobre o próprio estômago de aço, e tínhamos
de recorrer às nossas mãos para dilacerar meio frango no churrasco
em menos de quinze minutos, e era nessas alturas que sentíamos a
mesa em pequenos tremores de terra, depois iam aumentando... até o
líquido dos copos do jarro de alumínio, se derramar, e aos poucos,
caminhar sobre a horrenda decoração estampada na toalha de
plástico, e era quando vinha a menina Joana, trazia sempre um pano
entalado entre a cintura e o cinto que segurava-lhe as calças de
ganga, que nós fazíamos apostas para adivinharmos de que cor era, e
como sempre, eu perdia, porque nunca acreditei que ela tivesse a
cintura esbranquiçada, como eu tenho todo o meu corpo, e o restante,
fosse num tom castanho com sílabas de madrugada, e o frango, como
sempre, uma delícia...
e de mãos dadas lá íamos caminhando solenemente
junto ao mar, nuas, sem pudor ou medo que o feitiço da paixão e do
prazer provoca nas pessoas, nas flores, ou mesmo nos pássaros, e um
dia pensei como seria uma cena de amor entre duas moscas, num sótão,
apenas com uma divisão, a um dos cantos, um pequeno divã, e em toda
a volta do compartimento uma longa estante recheada de livros, onde
apenas havia o vazio da clarabóia, imaginava as moscas como nós,
nuas, dávamos as mãos, e eu poisava-lhe a minha mão sobre o ombro
dela, ela a princípio, em pequenos movimentos de asas, como a
borboleta, olhava-lhe nos olhos, como tu, olhas-me e desejas-me, e
gemidos de silêncio rompiam a escuridão da pequena solidão de
vidro, deitava-me de barriga para o ar, às vezes, sentia as asas
dobradas como pequenas folhas de cartolina, tu, docemente,
colocavas-me a mão debaixo de mim, e voltavas a fazer com que as
minhas asas, fossem novamente asas, e não papel grosso amarrotado,
como os dias que não saíamos, como as noites que nos amávamos sem
percebermos que do outro lado do telhado, um parvalhão com um
mata-moscas na mão, perseguia-nos, sem perceber
Que o amor
quando quer,
Acontece.
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
terça-feira, 23 de abril de 2013
O senhor Amanhecer
foto: A&M ART and Photos
|
Não consigo diferenciar-te na paisagem do
misterioso senhor amanhecer, és uma sombra, uma pequena janela de
iodo misturada dentro de um copo com água-mineral, não cruzo os
braços, encerro os olhos com a ajuda do punho de ferro em pulsações
ritmadas, pegavas nas vitaminas, tomavas-as diluídas em água da
chuva, quando acordava a seca, não vitaminas, não árvores com
pequenas migalhas de flores miseráveis onde brotavam sílabas com
lágrimas de incenso, olhava-te e sentia-te perdida na margem direita
do rio sem destino, perguntavas-me como se escrevia um poema, e eu,
respondia-te inventando histórias com palavra zincadas em molho
alicerçado nos paralelos antes do patamar com acesso a uma porta de
entrada, um vazio com paredes de vidro, húmidas nos cantos devido às
uniões em borracha,
(hoje precisava-te)
Inventas palavras, mentiras secretas, coisas
estranhas sempre a acontecerem em teu redor, uma árvore que cai, uma
casa que fica doente, vómitos e diarreia, ou
(a calçada com o braço esquerdo suspenso no peito,
provavelmente, uma entorse, ou)
A próstata, ou a diabetes, os olhos a diminuírem
de tamanho, cor, como diminuíam os dias até vinte e um de Dezembro,
depois, as dobradiças a necessitarem de um simples banho com óleo,
o reumatismo, as artroses, lá fora, amanhã, uma voz ensurdecedora –
Cinco Euros, meus amigos e amigas, apenas Cinco Euros pelo chá e
ofereço este magnifico relógio de pulso, para a diabetes, para o
reumatismo, para a próstata... Cinco Euros – e eu, tentado, e ela
(parvalhão, ainda acreditas nisso?)
E ela quase engolida pela paisagem do misterioso
senhor amanhecer, és uma sombra, uma pequena janela de iodo
misturada dentro de um copo com água-mineral, não cruzo os braços,
encerro os olhos com a ajuda do punho de ferro em pulsações
ritmadas, pegavas nas vitaminas, tomavas-as diluídas em água da
chuva, quando acordava a seca, não vitaminas, não árvores com
pequenas migalhas de flores miseráveis onde brotavam sílabas com
lágrimas de incenso, e um silêncio de espuma saía-lhe de dentro,
como se habitasse no ventre embalsamado pelo gesso das paredes
obliquas até chegarmos ao tecto das ressacas ambíguas, dormentes,
ferozes, como o exercito de abelhas do senhor amanhecer,
(diziam-me que foste a mais bela que alguma vez
apareceu junto à margem direita do rio sem destino, hoje acredito
que sim, ontem, pensava que eras a mentiras de mim voando entre dois
ponteiros de um relógio, este, não de pulso, este algures pendurado
na parede da sala, dia sim, anda, dia não, dorme, não o oiço, não
telinta as horas, os quatros-de-horas e as meias-horas, levo-o às
urgências dizem-me que é
(tristeza, saudades e afins)
É louco, e que com umas drageias nunca mais se
lembra da tristeza nem da saudade... nem da paixão, do amor, do
prazer e da fome, felizes aqueles que podem tomar estas drageias,
felizes aqueles
(parvalhão, ainda acreditas nisso?)
Aqueles, felizes, os que vivem sonhando com sombras
misturadas com trincos de madeira, cadáveres de sorrisos balançando
nos gonzos empenados quando descem dos algerozes as coisas estranhas
que acompanham a noite, vivem nela, são ela, são... direito,
esquerdo, levante o braço – Eu? - sim, o senhor, o senhor
amanhecer, quarenta e sete anos, profissão desempregado, não dorme,
deixou de sonhar, come pouco para prevenir enfartes e outras doenças,
e vive, fingindo que vive à beira de um rio com o nome de
(sem destino)
De princípio acreditava nas amendoeiras em flore,
nos socalcos e nas videiras, hoje, hoje apenas emagrece lâmpadas
incandescentes para reciclagem, vive com duzentos e vinte volts e
anda uma gaja baixinha, magra, de cabelo entrelaçado como faz o
vento aos pinheiros desgovernados, na peugada dele,
(não acredito)
Coitada dela, da infeliz
(diz-se apaixonada por ele, loucamente apaixonada).
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
segunda-feira, 22 de abril de 2013
A mão inclinada
foto: A&M ART and Photos
|
O cubo corporal suspenso numa árvore de papel, a
pele mistura-se dentro da sombra desenhada com as lâminas de
barbear, escrevo folhetos, folhetins, panfletos, em promoção
conseguia-se uns descontos confortáveis, três panfletos por cinco
contos, barato, fazíamos sempre uma excelente compra, e se algo
corresse mal, claro, sempre por culpa dos ciganos – A quem
compraste, pá? - claro, a um cigano que andava a passear pela rua –
Qual rua? - uma, qualquer, uma rua sem asas, em voos de liberdade
condicionada, uma corrente de aço prendia-nos aos ventos do deserto,
os barcos, havia, folhas de alumínio, tão grandes, grandes,
enormesss, do tamanho da noite
(sem estrelas, e faço-o propositadamente para que
os corpos mergulhados no cubo invisível, a carne embalada no berço
das poucas coisas possíveis e imaginárias, ripas de madeira, sem
pintura, quatro pregos, pregos em aço, não dos outros, em carne e
osso, na moldura a fotografia dos teus olhos, apenas, negros, negros
olhos, penumbra de ti quando descem as calçadas de Lisboa pelo teu
corpo travestido, e antes de caírem no pavimento abriam-se-lhe das
cabeças ocas com pilares de areia, o cubo, e o rio...)
Do tamanho do homem com braços de noite, com pernas
de noite, com um esqueleto de noite, abraçados, apaixonados, dentro,
fora, encarcerados, com grades de madeira, lá fora as crianças da
escola pintavam o mar no tronco das árvores, e cá dentro, havia
entre nós uma mistura fria, havia um líquido esbranquiçado que nos
untava, oleava, e depois, depois vinham os dias, primos das calçadas
de Lisboa, primeiro a Ajuda, depois uma outra qualquer, não
interessa, e depois via-se o rio a sair da algibeira de uma mulher
com cabelo preto, olhos castanhos e corpo esguio, como uma enguia
saltitando as margens junto a Cais do Sodré – Amor, estou quase a
chegar – e
(sem estrelas, e faço-o propositadamente para que
os corpos mergulhados no cubo invisível, a carne embalada no berço
das poucas coisas possíveis e imaginárias, ripas de madeira, sem
pintura, quatro pregos, - Sim, meu amor, sim! - o inacreditável
parvalhão esperava pacientemente pelo reencontro das fotografias de
Lisboa com as fotografias de um local esquisito, distante, e quando
lhe perguntavam – Onde fica isto? - ele apenas encolhia os ombros,
silenciava-se e acreditava que ela um dia regressaria do vazio sonho
sem almofadas, subia-se uma escada íngreme, apertadinha, e quando
chegávamos ao sótão, a senhora teia de aranha – Noites de
insónia, terceiro andar frente – e de mão dada, descíamos,
descíamos, e acabávamos por ultrapassarmos as paredes velhas em
gesso e quando acordávamos, estávamos num jardim público, e junto
a nós o nicho de Nossa Senhora de Fátima, perguntavas-me – Amor,
o que fazemos aqui – e como sempre, não respondi, ou não sabia
responder)
E uma mão inclinada, provavelmente com uma
inclinação de dezassete graus, e pacientemente, poisava no meu
rosto,
(extraias-me a raiz quadrada, calculavas-me a
integral tripla do meu coração, depois, traçavas aleatoriamente
rectas sobre o meu corpo, até que
“O cubo corporal suspenso numa árvore de papel, a
pele mistura-se dentro da sombra desenhada com as lâminas de
barbear, escrevo folhetos, folhetins, panfletos, em promoção
conseguia-se uns descontos confortáveis, três panfletos por cinco
contos, barato, fazíamos sempre uma excelente compra, e se algo
corresse mal, claro, sempre por culpa dos ciganos – A quem
compraste, pá? - claro, a um cigano que andava a passear pela rua –
Qual rua? - uma, qualquer, uma rua sem asas, em voos de liberdade
condicionada”
até que nos deitávamos sobre um cobertor
almofadado, um tanto preguiçoso, e em conjunto, resolvíamos todos
os problemas de matrizes, e em conjunto calculávamos a massa dos
corpos em repouso, pegávamos no peso quase sempre nos esquecíamos
da força gravítica, e eu poisava em silêncio a minha mão sobre os
teus castanhos olhos e – Pede um desejo! - ao que tu respondias –
Quero-te a ti! - e claro, nem a raiz quadrada, nem as matrizes, e
claro, nem as integrais triplas, faziam sentido nas nossas vidas)
E uma mão inclinada, provavelmente com uma
inclinação de dezassete graus, e pacientemente, poisava no meu
rosto, era a tua dúctil mão com sabor a cereja embrulhada em papal
de chocolate, havia palavras no interior do papel
(eu amar-te-ei sempre)
E com o tempo,
Há muito tempo,
O papel derreteu com as temperaturas elevadas da
cidade, e as palavras, elas, diluíram-se com a chuva miúda do
último Outono ausentado do cubo empanturrado de corpos, nus,
brancos, liquefeitos... como a terra molhada depois das chuvas, e o
capim balançava dentro de um pedaço de saudade...
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Labels:
Belém,
Cais do Sodré,
calçada da ajuda,
calçadas,
cidade,
corpos,
cubos,
ficção,
Lisboa,
palavras,
rio,
Tejo,
Texto
Location:
5070 Alijó, Portugal
domingo, 21 de abril de 2013
A cidade de Deus
foto: A&M ART and Photos
|
Esta é a minha cidade inventada por
Deus
que me esconde quando acordam as
tempestades
e o mar sobe até ao quinto andar
e há uma porta em forma de cacimbo
com o cheiro a capim doce e a terra
húmida,
Há em mim esta cidade
preenchida nas telas brancas
com espaços vazios
sombrias depois dos alicerces teus
cabelos
mergulharem na penumbra do feitiço da
noite,
Procuro a saída e percebo que nesta
cidade
na rua onde habito desta cidade
não tem portas de emergência
não tem escadas de incêndio...
nem as palavras poéticas das melodias
dos cigarros em festa,
Esta cidade é uma “merda” de
cidade inventada
tem muitas portas
tem muitas janelas
mas nenhuma delas
me dão acesso ao amor dos jardins
junto ao rio,
Nesta cidade perdido ando como um
vampiro
ou um ramo de árvore depois do
pequeno-almoço
quando a sorte desaparece e as pequenas
lâmpadas do estômago fingem-se apagadas
esta cidade com esqueleto de vidro e
aço e granito
e pingos de silêncio dos suicídios
das gaivotas cinzentas...
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Quadradinhos de vidro
foto: A&M ART and Photos
|
Janelas, quadradinhos de vidro, sobre a rua míngua,
deserta, húmida, janelas com flores e cubos de chocolate, janelas de
solidão que pacientemente, esperam, que desça a noite sobre os
automóveis abandonados, tristes, alegres, cansados, janelas sem
vidros, buracos, vazios, vácuo, janelas em frenesim comendo amêndoas
e bebendo vinho,
(janelas com grandes de ferro, havia um quintal com
árvores e arbustos, havia pássaros, abríamos as janelas, sentíamos
os cheiros, os sons, os batimentos sôfregos dos pássaros
envenenados com drageias que faziam-nos dormir sem sonhar, janelas
com grades, abertas, caía a chuva sobre os primeiros dias de Maio, e
alguém em círculos, no longínquo corredor da morte – Tem horas?
- e eu, timidamente, com medo, desaperto a bracelete do meu relógio
de pulso, tiro-o cuidadosamente e ofereço-lho, dizendo-lhe
Que seja a última vez que me perguntas as horas,
e até hoje nunca mais usei relógio, confesso que a
princípio não foi fácil, mas depois, depois habituei-me a ser um
dos tantos desorientados, que se regula pelo sol, e quando não há
sol, vivo normalmente como vivia, olhando para as janelas,
verificando se faltam vidros, procuro as formas, os feitios, os
sentidos, e às vezes, perco-me, perco-me no centro das rochas como
as grainhas esquecidas sobre os muros de xisto que acompanham a
estrade encurvada até ao cais onde partem, chegam, não um, não
dois, não barcos, mas mais do que cinco autocarros da carreira com
destino indefinido, onde numa placa está escrito “Serviço
Ocasional”, e até hoje
percebi,
Que seja a última vez que me perguntas as horas)
Janelas quadradas, janelas triangulares, janelas
rectangulares, janelas circulares, e simples janelas como olhos de
diamante, imagens, pensamentos, sonhos e omissões, janelas, janelas
(janelas sem corações)
Janelas delas, e deles, abraços e janelas, e
prazeres, e janelas que procuram uma cidade para viver, e uma rua
para brincar, janelas com seios e púbis, janelas em gemidos quando
acorda o dia... e o raio do cortinado ficou preso no fecho éclair da
claridade que se abate sobre a mesa-de-cabeceira, - Andas tão
estranho, meu querido! - anda, anda
(é por culpa das janelas)
Anda ele e ando eu, andamos, e tínhamos um quarto
que felizmente, interiormente, não tinha janela, não havia imagens,
nem sonhos, nem brincadeiras de miúdos, um quarto onde resolvemos
desenhar e pintar
(janela)
E um crucifixo, que por ora está só, sem ninguém,
mas logo que possível, mas logo que seque a tinta e nos seja
possível abrir a janela, talvez, alguém para preencher o vazio do
crucifixo com cheiro a verniz,
(culpa das janelas invisíveis, janelas que
constroem a solidão a partir de pedaços de sombra, e dos autocarros
da carreira que antes chamavam-lhes machimbombos, e hoje, apenas
imagens, fotografias aprisionadas dentro de compartimentos sem
janelas, buracos, vazios, infelizes, entradas para o infinito céu de
compartimentos com grades de insónia, e sobre a dita
mesa-de-cabeceira o fecho éclair liberto do cortinado, a liberdade,
de ter uma janelas, com vidros, sem vidros, apenas um vazio, para
olhar, pensar, sofrer, ou sonhar..., ou claro, simplesmente... para
te sentares)
O cheiro da madeira, e o hálito de vinho que o
homem da esquina encarnada usava e às vezes sobejava, o silêncio de
um cheiro, a saudade de uma janela com mil sabores, com mil e
novecentos caracteres, com um espaço e meio, cerca de trinta
páginas, que depois do vento, foram-se como foram os vidros, as
teias de aranha e toda a mobília, e ficaste tu, a construir a
cidade, trouxeste as árvores, fizeste os pássaros, e colocaste,
cuidadosamente... todos os vidros das janelas em paixões de areia
molhada, que o mar deixa ficar no pavimento ensonado dos fins de
tarde
(percebi)
Antes de acordar a noite.
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Loucas imagens da fina areia mergulhar
foto: A&M ART and Photos
|
Estranhas imagens que o corpo absorve
depois de regressar a tempestade
e a fina areia mergulhar
nas profundezas mãos de sabão,
Estávamos loucos quando imaginámos
sombras nas janelas do amanhecer
e via-se perfeitamente um cortinado de
amargura
rompido e ensanguentado
desértico do amor apodrecido,
Descia a noite
e as imagens negras voltavam às tuas
mãos
havia uma ressonância de cigarros
embainhados debaixo do tecto das
gaivotas que diziam-se perdidamente apaixonadas,
Perdidamente
perdidas entre vãos de escadas
e portas emagrecidas
… portas com corações de oiro e
olhos madrugadas.
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Subscrever:
Mensagens (Atom)