quinta-feira, 6 de junho de 2013

Camas de solidão em almofadas de listras

foto: A&M ART and Photos

Viajo entre curvas ínfimas que me transportam às sílabas papel dos lábios jardins camuflados dentro da cidade, tenho ruas só minhas, casas desabitadas, onde, só, adormeço, passos algumas horas, porque tenho a poder de transformar horas em dias, recheios de apartamentos sujeitos a vandalismos proliferam escadas abaixo, e entre mim e o corrimão, penso-o, possivelmente nem uma mosca, daquelas esqueléticas, conseguem colocar-se a meu lado, subo só, e desço descalço, como se não existissem espelhos e cobertores, apenas uma rampa inclinada, voando eu, até encontrar a porta do prédio ao lado, uma velha pastelaria, moscas, estas não esqueléticas, coabitam com os croissants e os restantes bolos, lâminas de barbear, pilhas, jornais e revistas, mulheres nuas dentro de papel que acabará numa casa de banho pública, peço um café curto, e sobre a mesa onde esqueço os cotovelos, vejo uma chávena quase a abarrotar de café, procuro na algibeira sessenta cêntimos de euros e despeço até sempre desta horrível pastelaria perdida numa avenida incógnita, como as pedras da Ajuda, caminhadas com milhões de pés, às vezes, com o vento, tombávamos no chão, havia desníveis, ora subia, ora descia, e claro, o chão sempre foi a nossa melhor cama, depois do sono, acordavam os enjoos, o fígado inchado, a dor no estômago, e
Tonturas,
E os cigarros esquecidos na prateleira junto ao uísque e a migalhas de haxixe que de um caixote em chapa, de nome armário, ficavam o santo dia acorrentados, até que vinha a noite, abríamos a porta, e seguíamos viagem pelas ruas mais escuras que habitavam junto ao rio, corríamos, corríamos... e quando nos sentávamos nas margens do rio, apenas sós, cruzávamos as pernas, eu, os cigarros e as migalhas de haxixe, e
Tonturas, pernas torneadas por um verdadeiro artista plástico, bela, o corpo parecia um Stradivarius, e o som, o som escorria um líquido a que os humanos chamam de suor, pequenas gotinhas com sabor a incenso, ou a doçura, ou... a música,
E uma almofada amarela com bolinhas encarnadas, brancas ou negras, mergulhava nos lençóis desejo da noite, listras, brancas, intercaladas com o silêncio do capim, e nas paredes do sono, quadros, pinturas abstractas com mãos de alicerce, uma ponte despedia-se do rio, e no rés-do-chão da rua onde dormíamos quando fingíamos desgostos e dores de cabeça, havia sempre uma mosca, esquelética, não esquelética, e que às vezes era tão amorosa que dormíamos os três juntos...
(os cigarros, o sono, as migalhas de haxixe, duas moscas, uma esquelética e outra não esquelética, e claro, eu)
… amarrados à almofada, com o medo de perdermos as listras brancas, porque as negras não corriam esse risco, visto ser noite, e o negro dilui-se na escuridão, como os beijos de duas pessoas que se desejam,
Um homem e uma mulher, dois homens ou duas mulheres, porque o importante é não perdermos as moscas, as esqueléticas e não esqueléticas, os cigarros, as migalhas de haxixe, as mãos quando se entranham nas tuas coxas, e sempre, o todo, o inesquecível abraço, os sexos imprimidos nos espelhos das janelas, e feliz Stradivarius voando sobre dois corpos nus sobre lençóis invisíveis, e almofadas com listras, coitadas, acorrentadas à solidão...
E esqueci-me do uísque.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Eras quase noite

foto: A&M ART and Photos

Havia uma louca paisagem
acorrentada à Cinderela manhã com sorrisos de nada
um pedaço de ti mergulhava em sombras com braços despidos
proibidas as melodias teu cansaço...
havia uma tal de Josefina... inventava tigelas de marmelada
que à janela secavam e às vezes dos vorazes sons do papel vegetal
voavam neblinas de insónia e projecteis de orvalho no final do dia
como acontece aos meninos que brincam debaixo das madalenas árvores de sonhar...

Eras quase noite
trazias-me os sonhos embrulhados em finas toalhas bordadas pela mãe Arminda
(às vezes zango-a dizendo-lhe que são trapos)
velharias em exposição que um vendedor ambulante tentava impingir-nos a todo o custo
cachimbos e bonés de militar da ex-URSS... livros velhos com presença de dores musculares
havíamos embainhado os relógios nossos pulsos em pequenos cabelos ramificados
como cabos de aço a prenderem petroleiros no corredor desgosto do ser
o papel de embrulho sempre deitado sobre o velho balcão em madeira apodrecida,

O cheiro da roupa depois do sexo
o perfume do sémen impregnado nas oliveiras além socalcos
como ventoinhas em suspenso no tecto da cubata esquecida sobre o Tejo
tínhamos medo da ponte de ferro
e dormíamos nos bancos de jardim porque queríamos escrever sobre os joelhos cansados da madrugada
havia uma louca paisagem com uma louca casa e uma louca varanda
dos teus loucos beijos
em tuas grandes loucas mamas de amanhecer violento depois das tempestades palavras...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Pétalas de pergaminho púbis

foto: A&M ART and Photos

Comíamos as tristes noites de insónia
e acompanhávamos-nos como serpentes de dor
enroladas em nuvens de cor
e papel celofane suspenso dos lábios moliceiros em desejados sonos nocturnos
que a mão teu corpo envergonhado deixava cair sobre os geométricos alicerces clandestinos da luz,

Traços uniformes
seixos de mágoa que transparentes imagens de sons desconformes
voavam entre a madrugada
e a pele simétrica que cobre o sufoco jardim das clarabóias de cetim
às primeiras horas dos minguados sopros beijos,

Tínhamos na fome
o prazer de olharmos as árvores em descansos imaginários
como marés invisíveis
quando o vento as levava...
e a faca penumbra circunferência dos teus seios poéticos e melódicos ficavam esquecidos no interior de um livro de poemas,

(sinto-os endoidecer nas minhas mãos)
como a saliva e o folhear de páginas sem palavras
folhas tristes e brancas
como as janelas sem cortinados
como os olhos sem pálpebras,

Com o céu despido nu nas estrelas tuas mãos
fictícias manhãs desenhadas numa ardósia que um recreio escondeu
como as flácidas enguias que o prazer transformava em delírios moribundos
e de um pinheiro envelhecido
desciam margaridas flores com pétalas de pergaminho púbis...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Resgatava-a da noite e das minhas garras de menino apaixonado

foto: A&M ART and Photos

Eras transparente como o vento, à procura de ti transversalmente sobre as placas tectónicas do magma silêncio onde poisavas os ombros, descansavas os braços, de ti, quando a pele se ausentava do teu corpo, e fingia mergulhos secos em poços de ninguém, víamos a maré através de uma janela, e dávamos as mãos, porque éramos apenas crianças perdidas nas planícies das bananeiras, ouvíamos ao longe os semáforos uivos dos pescadores envergonhados quando das ondas chegavam até eles objectos cúbicos, círculos de luz e lápides de mármore, dois gajos, um de cada lado e ao cento um emaranhado de palavras, os gajos, salvo seja, feios, imundos, e das palavras apenas
(do saudoso saudades de vós, perdedores insensíveis das noites de luar, isto é um jogo, diziam eles, e nós vamos ganhar, diziam eles..., dos filhos das filhas e das esposas e dos esposos, e dos afilhados, ex-afilhados, novos, velhos transparentes apressados para encontrarem lugar sentado na cadeira do senhor, à direita, depois à esquerda, depois ao centro, e quem sabe, um dia, os dois em lápides de ternura da comunhão solene apressadamente em frio inverno, diziam-me eles, que, talvez, um dia, um dia vamos ganhar, vamos, claro que sim Doutor... a vitória é sua; Ora porra... será a águia... ou... a lápide com dois gajos, feios, muito feios, perdidamente apaixonados pelo desespero, uivos)
Apenas sentia o calor dos teus dedos, percebia-se pela chegada da noite que do teu castanho cabelo uma flor crescia, e quando já noite cerrada, ela emergia-se-me e dirigia-se-me, acredito que gostasse de mim, como acreditei em tantas parvoíces que hoje, hoje não acredito em nada, nem no que vejo, hoje só sentindo,
Uma mãe chamava a sua querida filha, resgatava-a da noite e das minhas garras de menino apaixonado por triciclos e papagaios de papel, um menino que da sombra das mangueiras, apenas e só, construía edifícios de muitos andares, que alguns deles, tocavam o céu, e os beijos teus que me oferecias quando te despedias da noite, brincávamos dentro de uma caverna forrada com pedaços de cartão, e mais tarde, tive medo dos caixotes de madeira
(cuidado – frágil)
Um guindaste enferrujado vomitava sulcos de fumo, havia no ar um enorme rosnar de um motor envelhecido, doente, cansado, carregava, descarregava, imaginava-o suspenso nos teus sonhos, e quando me deitava, e quando não dormia, acreditava, fazia contas, imaginava quantos caixotes de madeira ele tinha carregado/descarregado, até que desisti quando regressou a Primavera, fiquei em liberdade condicional, libertei-me do enfadado Inverno, chorei, sorri, gritei, pesadíssimas as minhas primeiras botas calçadas num dia de geada, porra... que vida esta, diziam-me eles
(do saudoso saudades de vós, perdedores insensíveis das noites de luar, isto é um jogo, diziam eles, e nós vamos ganhar, diziam eles..., dos filhos das filhas e das esposas e dos esposos, e dos afilhados, ex-afilhados, novos, velhos transparentes apressados para encontrarem lugar sentado na cadeira do senhor, à direita, depois à esquerda, depois ao centro, e quem sabe, um dia, os dois em lápides de ternura da comunhão solene apressadamente em frio inverno, diziam-me eles, que, talvez, um dia, um dia vamos ganhar, vamos, claro que sim Doutor... a vitória é sua; Ora porra... será a águia... ou... a lápide com dois gajos, feios, muito feios, perdidamente apaixonados pelo desespero, uivos, o desterro, os dois mosqueteiros sem espada, cordas, enforcados num simples plátano macho, uma lápide, duas fotografias a preto-e-branco, de uma lado, o avô Domingos, e do outro, a saudosa e querida avó Silvina, ao centro, o palavreado de sempre, datas de nascimento, o dia em que partiram, e claro, nunca esquecer o dia da derrota final, aquele da libertação, quando os prometidos soldados, comandados por um General imune a corrupção, ao banditismo, e ao trágico silêncio embarcadoiro por mares encastrados num castanheiro como símbolo de armas, que coisa, loisa, loiça espalhada pelo chão, e sempre esperando que o dito vento, aquele que como tu, também ele transparente, um dia regresse e todos sejamos livres, livres como os pássaros da casa de Favarrel – Carvalhais...)
E diziam-me eles que tudo seria temporário, as botas, temporárias, a casa com divisões em panos de chita, temporárias, e os sonhos não realizados, também eles temporários..., “eras transparente como o vento, à procura de ti transversalmente sobre as placas tectónicas do magma silêncio onde poisavas os ombros, descansavas os braços, de ti, quando a pele se ausentava do teu corpo, e fingia mergulhos secos em poços de ninguém, víamos a maré através de uma janela, e dávamos as mãos, porque éramos apenas crianças perdidas nas planícies das bananeiras, ouvíamos ao longe os semáforos uivos dos pescadores envergonhados quando das ondas chegavam até eles objectos cúbicos, círculos de luz e lápides de mármore, dois gajos, um de cada lado e ao cento um emaranhado de palavras, os gajos, salvo seja, feios, imundos, e das palavras apenas, apenas? Apenas se os velhos marginais de areia, conchas, moluscos, quitetas, deliciava-me, e no entanto, sentia a tua falta, o teu sofrimento quando te levavam para longe, dentro de um barco, e...”, dois, dois parvos embrulhados numa lápide de papel, como carneiros vagueando debaixo do tecto do medo,
(cuidado – frágil, e percebi que estes comboios não eram de brincar)
E eras transparente como o vento, e quando gritavas o meu nome..., apenas sentia o vento enrolado nos tornozelos de um embondeiro, e a tua voz, aos poucos, mergulhava-se-me como gotinhas de água que desciam solenemente dos céu... até caírem inocentemente sobre as placas tectónicas do magma dos teus lábios; e sim, eras tu, nunca o duvidei.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 4 de junho de 2013

Em busca da saudade

foto: A&M ART and Photos

Ouves as mãos de chocolate vagueando sobre a tempestade de cereal em forma de palavra
escreves-me dos tentáculos silêncios dos vulcões entranhados na montanha teus seios
e um arbusto chora a tua ausência
como se o vento adormecesse nas melancólicas mesas de granito
que um buraco de minhoca alimenta em pedaços de paixão
e tristes casas de areia com vista para a cidade dos barcos amargurados,

Ouves tuas minhas cansadas desilusões que o mar engole como Sereias de papel
e nada fica eterno
oiço-os fingindo escadas de acesso ao tecto da insónia história
não existo
desisto
de procurar palavras numa calçada sem nome num bairro esquecido no altímetro do Mussulo,

Vagabundeio semi-nu procurando terrenos para aportar
meus alicerces de tristezas manhãs de Primavera
a astronomia minha amiga inventa-me estrelas com pequenos torrões de açúcar
goiabada e mandioca
habitávamos em corpos sonâmbulos pela infinita distância sem que o universo nos informasse
dos projectos para ultrapassarmos as difíceis tardes abraçados a um rio imaginário,

Doente
sem nome dizendo-se filho das grandes palavras esquecidas nas cúbicas coxas cinzentas
que deixam os pássaros embriagados em penumbras cristas de azoto
finíssimas peles bronzeadas como noites escurecidas num qualquer confim de África...
e invento a felicidade com pedaços de capim e uivos de mabecos
enquanto um velho papagaio de papel circula no céu como uma ventosa em busca da saudade...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Coloridas madrugadas em bolhas de insónia

foto: A&M ART and Photos

Sou um corpo de tinta em movimento circular uniformemente acelerado, voo como os pássaros e sonho como os homens, sinto o prazer do vento no meu rosto como as mulheres, tenho desejos, tenho palavras crispadas nas planícies do meu silêncio, trago em mim o sorriso do mar que me abraçou quando eu criança, sem saber que a distância se iria um dia entranhar no meu cansado peito de rocha granítica, tinha nas mãos o invisível sossego das tarde de Domingo, ouvíamos o relato de futebol, confesso que nunca fui fã, mas entretinha-me a desenhar vestidos em papel vegetal, utilizava lápis de cor, todos, menos o azul, na altura era proibido, depois escolhia os tecidos, as linhas e as agulhas, e de dedal no dedo, construía... destruía, cosia, descosia, e quando a noite se preparava para nos invadir o quintal, eis que o vestido estava prontíssimo a ser utilizado pelo meu amigo chapelhudo,
Um corpo submerso na tinta transparente do solstício de verão, nuvens de algodão saboreavam a boca das crianças depois do espectáculo de circo, sentávamos-nos no Baleizão, havia frescura como se cada noite fosse diferente da interior, como se cada noite fosse única, una, cancelas de palhaços voando entre as cadeiras da esplanada, eu sonhava como uma gaivota à espera de sossego para me erguer das ventosas linhas ínfimas dos paralelos da calçada em direcção à cidade adormecida, todos dormiam, uns snifavam coca, outros, fumavam heroína, outros... brincavam na areia imaginária do largo dos aflitos corações de ardósia,
Coisas, ruins, coisas de homens e coisas de mulheres, não coisas minhas, porque eu mergulhava em pedaços de tinta, transformavam-me em tela, e um gajo sobejava-me traços a carvão, ao poucos crescia em mim uma cidade de Inverno, frio, o corpo transpirava, havia vómitos como havia flores nos jardins por onde passava, olhava, e vinham-me as saudades dos livros de poemas que deixei sobre a casa de penhores, uma máquina de calcular, uma máquina fotográfica, tudo, pouco
Quanto me dá por tudo?
Nada, três contos de reis, ninharia, dois pacotes por três, promoção, comprem meninas, meia, calcinhas, vestidos decotados, tecido estampado, última moda em Paris, nada, três contos, e um texto em ficção, dois poemas por três frases sonhadas e pensadas na casa de banho do café, dançavam estradas de alumínio entre mãos, estradas sem portagens, livres, gotas em bolhas, castanhas, os olhos vidrados, e começava a cair sobre nós uma penumbra chuva miudinha de sono,
Quanto? Só?
Dormíamos sobre os joelhos, e quando acordávamos... uma flor sorria-me, e em lábios carnudos, dizia-me simplesmente
Bom dia, meu amor,
Dizia-me simplesmente... porquê, Francisco...
Porquê.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Navegantes sorrisos

foto: A&M ART and Photos

Os desencontros dos navegantes sorrisos
da sua boca o desassossego em preguiça
os meus teus lábios voando sobre as calçadas do silêncio
entre medos
degredos
teus luxos segredos
quando um cortinado se esbanja à janela da solidão
e a tempestade avança contra nós e nos tomba no chão,

Os espelhos dos teus seios como coloridas manhãs de Primavera
havíamos plantado árvores de brincar
tínhamos bancos de sentar
como inventada madeira
saltitando nervos dos horóscopos aquários
eu vagabundo
eu imundo... sorrindo cansaços marasmáticos em saliva amanhecer
e oiço a tua sóbria voz no meu peito de xisto,

Tinhas na boca a minha boca em papel cremado
sentia a tua língua em poesia escrevendo versos no meu pescoço...
pegava-te na mão dilacerada e esperava pelas tuas doçuras coxas
inventávamos areia sobre os lençóis de linho
e desciam as estrelas sobre os nossos corpos em delírio
coisas em coisas como tinta numa tela encarcerada dentro da prisão dos húmidos desejos
e havíamos esgotado todos os livros e marés de ninguém
e tínhamos um cubículo de fome só nosso... como flores esquecidas na jarra sobre a mesa-de-cabeceira....

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha