As ratazanas querem comer-me, acreditava eu, a cada
segundo de ponteiro que o velho relógio descrevia nas clandestinas
terras assombradas pelo capim desnorteado, estonteante, doente, e
afinal as ditas ainda tinham mais medo do que os palhaços do circo
junto ao átrio da igreja protestante, e mentalmente ela queria
dizer-me
Amor, falta-nos tudo,
E ele respondia-lhe
Se a casa tiver livros já tem tudo,
Vai fazer-te bem, amor,
Acordavas-me, erguias-me, a ténue luz desenhava na
parede lateral um menino de sombra, e ela obrigava-me a beber o leite
com mel, queimava a boca, torcia-me na cama como se estivesse no
interior de uma tempestade de areia, e nunca percebi o infernal
trânsito
chegavas tardíssimo a casa, inventavas trânsito
que todos os dias antes partires, deixavas colado no frigorífico,
regressavas, descolavas o post-it e a cidade retomava o ritmo
solitário que as noites trazem, constroem dentro das imensas dores
frágeis que os ossos das tuas mãos carregavam caminho abaixo até
chegares à ribeira, e mentalmente ela queria dizer-me
Amor, falta-nos tudo, e afinal, as ratazanas queriam
comer-me, acreditava eu, a cada segundo de ponteiro que o velho
relógio descrevia nas clandestinas terras assombradas pelo capim
desnorteado, estonteante, doente, e afinal as ditas ainda tinham mais
medo do que os palhaços do circo junto ao átrio da igreja
protestante, e mentalmente ela queria dizer-me,
Se a casa tiver livros já tem tudo,
O trigo deixou de crescer após a tua partida, os
pássaros, hoje, tal como os aviões, não voam, morrem, às vezes
morrem, sem nada a casa, hoje não, se a casa tiver livros já tem
tudo, o post-it e a cidade retomava o ritmo solitário que as noites
trazem, constroem dentro das imensas dores frágeis que os ossos das
tuas mãos carregavam caminho abaixo até chegares à ribeira, e
mentalmente ela queria dizer-me
Falta-nos tudo,
E mentalmente ela queria dizer-me que o trigo deixou
de crescer após a tua partida, os pássaros, hoje, tal como os
aviões, não voam, morrem, às vezes morrem, sem nada a casa, hoje
não, se a casa tiver livros já tem tudo,
E tu
Assassina-me como se eu fosse um grito de luz, e não
deixes que as cores do arco-íris murchem, se extingam, morram,
quando acorda a noite no pólo da saudade, chegavas tardíssimo a
casa, inventavas trânsito que todos os dias antes partires, os
pássaros, os aviões, e eu
E eu sempre que podia, quase sempre, antes de
começar a noite, inventava trânsito, que cobriam as cores do
arco-íris, e tu
E eu
Com o leite, o mel, à espera que regressasses das
tuas longínquas viagens ao além, e afinal as ditas ainda tinham
mais medo do que os palhaços do circo junto ao átrio da igreja
protestante.
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó