foto de: A&M ART and Photos
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Incansáveis, inanimados, desiludidas, porquê
tantos e tantas ou sem sabermos, de ti, quando sobes as escadas,
bates-me à porta, e em palavras acabadas de mastigadas pelo vento,
dizes-me
amor, tens um pedacinho de salsa que me emprestes?
Não, respondo-te intransigentemente, claro que não, porque não sei
o que é salsa, porque se soubesse, não, não te emprestava salsa, e
também...
E depois, não sou, nuca o fui, o teu amor,
provavelmente, outro o é, outro que tem salsa, hortelã e pimenta, é
calvo, tem olhos escuros e orelhas pontiagudas, é lindo, e vive num
rés-do-chão com vista para o cemitério da aldeia, é aparvalhado,
como eu, em imaginar-te um dia sobre as nuvens vestida de cinzento
prateado, usavas um vestido desenhado por mim, calçavas uma
sandálias também elas, desenhadas por mim, e nos lábios, nos
lábios era suposto trazeres palavras açucaradas, em ponto de
rebuçado, e no entanto, apenas te imaginava, e tu, sem saberes que
eras apenas um sonho, que não passavas de desenhos, riscos, palavras
mortíferas na boca de uma serpente, e de nada serviam as clarabóias
despidas, nuas, nuas as duas, o tecto, o sol, e as noites depois das
tempestades de areia sobre a tenda lona com estrelas aqui, ali... e
acolá, sei lá, enfim, a vida a retalhos, em movimentos tortos,
inclinados sobre o silêncio,
subsidiado, tu, sobre as grades de um paquete em
movimento,
“Incansáveis, inanimados, desiludidas, porquê
tantos e tantas ou sem sabermos, de ti, quando sobes as escadas,
bates-me à porta, e em palavras acabadas de mastigadas pelo vento,
dizes-me”, Resolvi esquecer as palavras que todos os livros
entranharam no meu corpo antes de ele ser dilacerado pelo bisturi
plastificado, mumificado, desaparentado, que os pregos de aço deixam
nas searas de trigo, de cá até lá, meia dúzia de pássaros,
algumas espigas de milho, rosas, poucas, poucos, os alimentos
desventrados das paredes em gesso envenenado, desobediente, vai
prisioneiro por se revoltar, ou por fazer outros revoltarem-se, luta
de galos, lutas de burros, e depois, às vezes, os sexos
entranharam-se-lhe nas mãos coloridas pelos cartazes que dois ou
três jovens colavam nas paredes envelhecidas de um prédio em
decomposição, cheirava mal, cheirava a
Puré de batata, a cebola, ou a alho,
caraças, nada disto está nos livros, e
Amor?
amor, qual, eu, ou os esqueletos que dormem dentro
do meu guarda-fato?
Só precisava de um raminho de salsa...
e claro que fico chateado, furiosíssimo, quando me
chamam de amor só quando precisam de mim!
Só precisava de um raminho de salsa..., que desses
olhos lágrimas têm em demasia, como elas, que inventam noites sem
estrelas para adormecerem mais cedo, desequilibrados, equilibrados,
falhados, furiosos, como todos, todas, insignificantes envergonhados
torrões de açúcar depois de partirem das esplanadas as gaivotas
embriagadas, voam, caiem, levantam-se, e tropeçam na calçada...
(não revisto, ficção)
@Francisco Luís Fontinha