terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Fodi-me, foda-se… está um frio de rachar a peida, pego no cachimbo, manuseio-o melancolicamente, e não me apetece fumar cachimbo, apenas o acaricio, nada mais, apenas e só,


Os lobos dormem à minha porta, lá fora apenas o silêncio do cio, alguns gemidos, e a entrada do rio casa dentro, fodi-me

Os lobos querem comer-me, alguns ossos insignificantes, duas bonecas de trapos e uma espingarda de brincar, Pum…

Fodi-me, pensava eu, quando percebi que estava aprisionado às garras das sombras inanimadas do Inverno, acordo, levanto-me, abro a janela…

Fodi-me, foda-se… está um frio de rachar a peida, pego no cachimbo, manuseio-o melancolicamente, e não me apetece fumar cachimbo, apenas o acaricio, nada mais, apenas e só,

Os lobos querem-me, nem que seja apenas para troféu, um ganho, um dia feliz quando percebi que no teu olhar habitavam magnólias cinzentas, tão lindas…

Fodi-me

Tão lindas como são lindas as estrelas em Luanda, como são lindas as estrelas em Lisboa…, e fodi-me

Comi de tudo, inventei sofrimentos de nada só porque me apetecia criar sofrimentos de nada, abracei a pior noite da minha vida, fodi-me, ela não acredita que sou palhaço e trabalho num circo ambulante

Senhor Doutor…, o caranho, Senhor Doutor o caralho, apenas uns miúdos em troca de alguns cêntimos, lá dentro os cânticos Natalícios de sempre,

Fodi-me,

Que se foda o Natal (é triste, aborrecido, jantamos e a pessoa que amamos está longe…, uma merda, uma merda, senhor Doutor),

Fodi-me, os lobos dormem à minha porta, lá fora apenas o silêncio do cio, alguns gemidos, e a entrada do rio casa dentro, fodi-me

Os lobos querem comer-me, alguns ossos insignificantes, duas bonecas de trapos e uma espingarda de brincar, Pum…

Caiu, tombou sobre o sobreiro da geia do meio, PLUF… o grito dela quando vê o desmaiar do sobreiro mais antigo da aldeia dos tristes.

 

(ficção)

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 22 de Dezembro de 2015

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Os teus lábios são doces de amêndoa sibilado


Os teus lábios são doces de amêndoa sibilado

Em translação à volta do desejo

Nos teus lábios nasce o beijo

Do corpo degolado,

Há palavras infinitas que só a tua boca conhece

Madrugadas famintas das janelas cremadas

O poeta nunca esquece

As tuas mãos em mim alicerçadas,

Os teus lábios são doces de amêndoa sibilado

Galgando a montanha do silêncio anoitecer

Os teus lábios, meu amor, são pergaminho cansado

De tanto eu nele escrever…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

segunda-feira, 21 de Dezembro de 2015

domingo, 20 de dezembro de 2015

O infeliz destino de ser menino


Neste porto onde me encontro fundeado pareço um pergaminho desgovernado,

As palavras fugindo para o Cais dos Afogados

Como se houvesse um silêncio em cada palavra escrita,

Deixei de pertencer ao meu corpo,

Deixei de ter corpo,

Para alimentar o desassossego da solidão,

Neste porto

Um infeliz marinheiro sem Pátria,

Em busca da sua embarcação…

Fundeada nos meus braços,

Carrego nos ombros a morte,

O infeliz destino de ser menino,

 

Carrego nos ombros a forca

Dos telhados de vidro…

E o triste destino.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

domingo, 20 de Dezembro de 2015

sábado, 19 de dezembro de 2015

Um par de cornos, um avental e uma faca do tamanho de um beijo, uma merda, a minha vida, a dela e a vida de quem não dorme…


Conhecia-a numa noite de Inverno, no planalto do desassossego habitavam as planícies da solidão, dias a fio encurralado numa jaula, à janela tinha a companhia da Gaivota Desejo, conheci-a numa noite de Inverno enquanto acendia a lareia, confesso, nunca tive, não tenho… apetências para lareiras, o meu caso é mais de insónias, tardes confusas

Confusas?

Sim, confundo o triste olhar do céu com os beijos da geada, sim, confundo os plátanos nus com a tua nudez… e que desperdício, o desgosto de acordar tarde, e tu

Sofrias de sinusite aguda, durante a noite não dormias, já dormes, meu querido? Não, não durmo, e de sinusite aguda transformou-se numa loba, tinha asas e voava sobre o Tejo,

E tu, e tu acreditavas que eu era marinheiro de profissão, tinha dois filhos e morava num cubículo recheado de velharias, alguns livros, dois ou três pratos e uma colher, a sopa infestada de sono, a sopa entranhada entre o ontem e o amanhã, não, não meu querido, não acredito numa só palavra tua,

Confusas?

Distantes e abstractas todas as minhas manhãs, conheci-a numa noite de Inverno, algas mortas, as profundezas da palavra acorrentada à lareira, bêbado, sou bêbado… cambaleava sobre a areia fina do destino, tinha dois filhos e morava num cubículo recheado de velharias, alguns livros, dois ou três pratos e uma colher, a sopa infestada de sono, o sono enfestado de sopa, e nunca vi o mar, meu querido, o mar…

Durmo!

À meia-noite regressava o eléctrico, descalça com os sapatos de salto alto suspensos no cansaço, vomitavas as dores do teu camuflado esqueleto pela manhã, vomitavas

Ela já foi dormir…

Vomitavas todos os gemidos da Sinfonia da paixão, acreditas, meu querido?

Fui despedido

Durmo! Ela foi dormir, ela quase nem me olhou

Boa noite…

Fui despedido e agora vou viver de esmolas e serviçais serviços, boa noite, ela já foi dormir, fui despedido como são despedidos todos os poetas, dizem que as mulheres têm o prazer de despedir poetas,

Foda-se o poema,

Boa noite…, nada mais, boa noite e partiu sem deixar rasto, algumas roupas, uma pequena pasta com alguns papeis e uma esferográfica, talvez comece a escrever, escrever-me definitivamente com o meu nome, endereço e rua,

Ela partiu, boa noite, cansaço o caraças…,

Um par de cornos

O caraças, tu andas é com algum Mânio, iletrado, dormir, fui despedido acreditando que levaria a vida de escritor,

Uma merda, escrevo uma merda e merda

Um par de cornos, um avental e uma faca do tamanho de um beijo, uma merda, a minha vida, a dela e a vida de quem não dorme…

 

(ficção)

Francisco Luís Fontinha – Alijó

sábado, 19 de Dezembro de 2015

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

A espuma do teu olhar


Sinto a espuma do teu olhar

Dentro das paredes do meu corpo

Eleva-se e evapora-se

Como farrapos de poesia poisados nas pálpebras da solidão

Este corpo que nunca me pertenceu

Foi alugado ainda eu criança…

Numa rua sem nome de uma cidade sem idade

Num País sem destino,

 

Sinto-a

Como sinto as tuas mãos de porcelana

No meu rosto

Às vezes invisíveis

Outras… tristes e obscenas

Como um livro

Que dorme numa prateleira de cetim

E que habita num qualquer jardim.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

sexta-feira, 18 de Dezembro de 2015

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Acreditas nas gaivotas em papel?


Encontramo-nos no infinito,

Só os dois,

Como as velhas espigas de milho em Carvalhais,

Sentávamo-nos na eira

E ouvia as tuas estórias…

Dizias-me que um dia o rio acordaria no meu leito,

Até hoje, ainda não vi esse rio,

Talvez te tenhas enganado,

Talvez esse rio já tenha adormecido no meu leito…

E eu, e eu sem dar por ele,

Acreditas?

Acreditas nas gaivotas em papel?

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

quinta-feira, 17 de Dezembro de 2015

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

A lareira das estrelas


Esta sinfonia estonteante

Que me obriga a esconder

Dentro do rochedo da solidão…

Não termina nunca,

Parece abstracta,

Silenciosa,

Amarga

E disfuncional,

Sou obrigado a ver as estrelas

Que construíste em papel,

E eu, acredita, apetecia-me colocá-las na lareira

E espalhar as cinzas ravina abaixo…

 

Até ao rio!

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

quarta-feira, 16 de Dezembro de 2015

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

O dia recheado de panos brancos (trapos)


Confuso

No cansaço da tristeza

Difuso

Insolente

Confuso e doente

No cansaço da beleza

O dia parte

Sem se despedir de mim

Como sempre

Todos partem…

E ninguém… até amanhã camarada

Ou amigo

Esta cambada…!

Era mais feliz se fosse sem-abrigo

E não tivesse madrugada

E cama para dormir

Para quê?

Para depois de acordar ter de fugir?

Não…

Confuso

No cansaço da mesquinhez alheia

Escondo-me na aldeia

E finjo-me de morto

Assim sou feliz

Assim…

O dia parte

Como sempre

A desilusão de adormecer

Sem perceber

Porque choram as gaivotas à minha porta

E um sem-abrigo tem porta?

Não tenho número de policia

Nome de rua

Sou Ateu

E confuso

Assim…

Um “Cabrão” desqualificado…

Porque estou confuso

E cansado.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

terça-feira, 15 de Dezembro de 2015

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

A noite louca de paixão


A noite despe-se sem saber que o dia ainda não terminou

Acendem-se as luzes do sonho

Inventam-se as sombras do amanhecer

Vem o luar

E esta cidade onde habito…

Mais parece uma montanha a arder

O cheiro do carvão

As palavras do homem que corre as ruas em busca de solidão

E a tristeza

E a tristeza sempre alicerçada à mão

Como se trouxesse uma caneta invisível

Escreve nas paredes

Nas árvores

E nos cinzentos beijos da insónia

A noite

Louca

De paixão

Não dorme

Não revindica a alegria

Nem as fogueiras da madrugada

A noite despe-se

Sem saber

Que um dia

Que um dia a tempestade há-de regressar…

E do sonho acordará a morte.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

segunda-feira, 14 de Dezembro de 2015

domingo, 13 de dezembro de 2015

Como é triste… como é triste amar-te!


A lua com todo o seu esplendor

Poisada sobre o desejo da melancolia

A vida parece uma cidade em ruinas

Sem habitantes

Na penumbra do silêncio

Inventando pedacinhos de alegria

E beijos em papel colorido

O amor sofrido

Querido

Na sombra das árvores sem destino

O menino

Agachado nas pedras da infância

A lua dorme

Tu

Tu dormes nos braços da lua

E não sei quando acordarás…

Ou se algum dia vais acordar

Dos sonhos sem projecto

Nos momentos recheados de insónia

Poisada

Sobre o desejo

A lua com todo o seu esplendor

Nas tristes palavras de amor

Esquecida nas marés do mar

Sentindo o peso da minha mão

Empunhando uma caneta

Torta

Feia

E triste

A corda do enforcado envolvendo o meu pescoço

Tenho um frágil esqueleto

Que mais parede em porcelana

Da fina

Pura

Ínfima

Minerais acesos nos meus lábios incinerados

Sobre a cama

Todo o dia

Toda a semana

Tu enforcas-te

Eu enforco-me…

Ele não se enforcou

Alegre

Feliz

Desiste

Assiste ao desmoronar dos edifícios negros

Em queda livre

Com direcção ao mar

Como é triste amar!

Como é triste ser amado…!

Como é triste ver a lua com todo o seu esplendor poisada nos teus seios sem os acariciar…

Como é triste…

Como é triste amar!

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

domingo, 13 de Dezembro de 2015

sábado, 12 de dezembro de 2015

Nas letras nos números e nos traços


Sinto os lençóis do teu rosto

Na Cárcere dos meus tímidos lábios

Sinto o infinito solitário

Descendo a rua

De cigarro em punho

Uma espingarda para a morte

Morrer

A morte só faz sentido quando o corpo desiste da paixão

E o amor deita-se sobre os rochedos da insónia

Sinto os teus braços no meu cabelo

Sinto a tua mão cegando a minha barba

(pareço um bandido)

Pareço um sem-abrigo abrigado nos teus beijos

Um homem desiludido… desiludido do luar

E das nuvens de algodão

Negoceio em gado

Sou agricultor diplomado

Aprumado

Nas letras nos números e nos traços

Roça-se no seu corpo

Acredita na morte

E tem medo da guerra

A carta não regressa

Um par de cornos

E uma foice… a seara do cansaço

Dorme

E sente

Como eu

Sinto

Na Cárcere dos meus tímidos lábios

Sinto o infinito solitário

Um homem corpulento

Bom amante

Falante

Suicidando-se…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sábado, 12 de Dezembro de 2015

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Da noite na noite só



 
 

Porque sinto o teu corpo na escuridão da noite
Deitado sobre os meus livros
Comendo as palavras dos meus livros
Apagando os desenhos dos meus livros…
Assim acontece
Noite após noite
Semana após semana
Eternamente
Deitado
Como eu queria ser um dos meus livros!
Um qualquer
Para acariciar o teu corpo
E nele escrever a aventura
E a paixão
De viver
Da noite
Na noite
Só.
 
Francisco Luís Fontinha – Alijó
sexta-feira, 11 de Dezembro de 2015


 


quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Palavras apitos e homens de chapéu negro


Este apeadeiro sem telhado

Sofrido nas frestas e nas ripas e nos pregos

A farsa de um comboio vomitando na noite escura

Palavras

Apitos

E homens de chapéu negro

Inventam uma revolução

Eles gritam

“queremos pão”

Não é crime pedir pão

Não é crime ler com um pão na mão

Crime é sentir a liberdade

Sentada

Numa jaula com grandes de cartão…

Crime é não ter a liberdade desejada.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

quinta-feira, 10 de Dezembro de 2015

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

 

Parecíamos dois pontos de luz em direcção à morte sem passaporte



Entranhei as mãos no teu corpo de porcelana
Parecíamos dois pontos de luz em direcção à morte
Sem passaporte
Clandestinos destinos
Das madrugadas infelizes
Tínhamos no sorriso todas as fotografias da infância
Ai… ai meu amor
A tua partida
O abismo das tardes sem ouvir a tua voz
Que a janela da biblioteca absorvia
As coisas parvas que recordávamos
Sítios
Costumes
E palavras não ditas
Suspirava quando te via
Estranhava a palpitação do meu coração
Uma máquina absorta
Nas montras da velha cidade
Os apitos dos teus seios
Chamando-me para o desembarque
Os marinheiros aflitos
Embriagados
Sonolentos
Quando nos teus lábios acordavam beijos
E lamentos
Entranhei as mãos
Na caneta de tinta permanente
Escrevi no teu corpo todos os poemas da noite
(sempre te amei na noite)
Escrevia no teu corpo como se brincasse nas planícies do sofrimento
Deixei de estar presente no teu ventre
Desenhei pássaros na tua face rosada
E bebíamos como se o amanhã não existisse mais
Amava-te
Como amo as sombras desta casa
A lareira embriagada nos trilhos das montanhas da paixão
Novamente o abismo da escrita
O sexo suspenso na clarabóia do luar
Os gemidos invisíveis das noites com geada
Os términos suspiros das alvoradas
Amava-te
E tinha medo do teu cabelo
Como ainda hoje tenho medo do teu cabelo
Veio o sonho
Trouxe a morte
E acordaram todos os vampiros da madrugada
As motorizadas dos caquécticos transeuntes
Contra o medo dos dias
Tinha-me esquecido de acordar
Tinha no quarto uma fenda no espelho
Eu parecia um monstro
Uma ribeira em direcção ao púbis do Rio
Depois acordava o mar
Depois acordava o amor
A paixão
E a desilusão de não te amar
Os lençóis quase em brasa
O suor acorrentado à tua pele de cereja
Ai… ai meu amor
Que inveja
Que saudade
São dóceis as brincadeiras do teu olhar
São dóceis os sofridos orgasmos das tuas lágrimas
E tão longe
O mar
E tão longe
O mar de papel que habita nas tuas coxas…

Francisco Luís Fontinha – Alijó
quarta-feira, 9 de Dezembro de 2015