Poisam sobre mim
As tristes ardósias da
tarde,
Nos braços, transporto o
silêncio envenenado
Dos poemas desencantados,
E no olhar,
Um pedacinho de mel dorme
docemente…
Procuro na algibeira as
palavras que te escrevo,
Pego no isqueiro… e
acendo-as, como se fossem o meu último cigarro.
Olho-o, aquele mar que
deixei ainda menino,
Olho-os,
Todos os barcos que fui coleccionando
ao longo dos anos…
E percebo que há muito
deixaram de ser barcos,
Hoje, são apenas sucata;
vómitos de aço
Acorrentados aos fins de
tarde,
Sopros,
Pedacinhos de tristeza,
Enquanto uma criança
inventa o sono e olha o mar na alcofa;
Tão lindo, o mar…
Tão lindo!
E sinto o cheiro da terra
queimada,
E lanço sobre as velhas
sanzalas…
Todos os meus sonhos,
Todas as minhas imagens.
Poisam sobre mim
As tristes ardósias da
tarde,
E não; não estou triste,
não, não me falta nada.
Porque um sem-abrigo pode
ter tudo
Quando os outros acreditam
que não têm nada,
Porque se o sem-abrigo
conseguir sorrir…
É um homem feliz. Tem tudo.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 04/10/2022