quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Desenhos embriagados


A mecânica do esqueleto de pedra
em movimento uniformemente acelerado,
no abismo das amendoeiras enlouquecidas
adormece um sorriso cansado,
triste,
porque habitam nos lábios de uma gaivota os desenhos embriagados,
a mecânica...
do sexo quando emerge das sílabas tontas o orgasmo da palavra,
deita-se na fina folha de papel não escrita,
branca como o silêncio... como o silêncio da mecânica...
que grita,
e chora nas encostas perdidas,
na montanha do Adeus,
brincam as crianças das planícies nocturnas do infinito,
descobrem o beijo num qualquer espelho sem nome,
e a cidade entra em ebulição quando uma janela se alimenta do cortinado colorido,
a mecânica... não sabe o que é o amor,
a física quântica alicerça-se ao esqueleto de pedra,
e as mandíbulas ínfimas de espuma...
correm nas veias do poeta,
tenho no meu quarto um veleiro ensonado,
sem bandeira,
sem... sem Nacionalidade,
como a saudade...
sempre desalinhada com os carris invisíveis da paixão.




Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 26 de Novembro de 2014

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Marinheiro


Marinheiro
cansado das palavras sem título
que se acomoda com as tempestades
marinheiro... invisível
come saudades
e... e alguns versos
não dorme
não consegue sonhar
e não acredita no futuro...
marinheiro infernal
que veste um esqueleto de algas
e cobre o cabelo com o jornal
marinheiro ensanguentado
que finge olhar as estrelas
e o luar
marinheiro
cansado das palavras...
dos barcos de papel
e dos Oceanos de prata
marinheiro embalsamado que se esconde na praia
imagina corpos enlatados
e pássaros em silêncio...
ouve os sons melódicos da noite
como se a noite fosse música
ou... ou um poema em ascensão
ou... ou um poema com odor a morte
marinheiro
marinheiro das palavras
marinheiro sem sorte
e ele não sabe que junto ao Tejo
habitam as lágrimas do espelho da solidão...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 25 de Novembro de 2014

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Escuridão


Não quero amar-te
sou um exíguo caixão de espuma
onde habita o meu corpo de silêncio
não quero amar-te
porque sou filho da bruma...
e tenho na mão o sonho de voar
não quero amar-te
sou um exíguo caixão de espuma
com janelas voltadas para o mar
não
não quero amar-te
sabendo que o amor é uma canção sem palavras,
sem vida
quando a frenética cidade se evapora na escuridão...
amar-te seria uma tempestade
ou... ou um vulcão,
não quero amar-te
porque há nos meus poemas pedaços de morte
e rochedos de cartão
não
não quero amar-te
enquanto existir em mim a solidão...



Francisco Luís Fontinha
Alijó, 24 de Novembro de 2014

domingo, 23 de novembro de 2014

Amanhã não...


A fuinha lâmina de luz inventando vulcões e sonhos de papel, à tarde regressam a casa os comboios emagrecidos da saudade, abro a porta, entro dentro do túnel das imagens a preto e branco, e
Meu irmão, amanhã nada seremos,
Pó e pedaços de cinza em evolução,
E cascalho descendo a montanha do sofrimento,
Amo-te...
Sinto-te nas sombras enigmáticas dos poemas em hibernação, nada há a acrescentar ao teu nome, perdeu-se, morreu nas pálpebras inchadas da madrugada,
Amo-te...
Não o sei, não percebo as viagens sem regresso, a morte quando disfarçada de viajante e acompanhada pelas ruas de uma cidade em destruição, amanhã
O telhado estremece, as fendas sonoras das paredes em xisto... parecem melodias embriagadas que só a noite consegue entender, amanhã
Amanhã os cinzentos barcos de espuma, os miúdos esperando a neblina para se esconderem da chuva, uma criança insemina-se no papel esquecido num banco de jardim, há plátanos centenários que me olham, e conversam comigo,
Amanhã...
Nada,
Incógnitas,
Futuro incerto,
Lâminas de ossos envenenados quase em decomposição, tenho medo, meu irmão, tenho medo da despedida, dos abraços e dos beijos sem palavras,
Amo-te... algum dia voltarei a alicerçar-me aos teus braços,
Amanhã...
Nada,
Incógnitas,
Futuro incerto, relatórios, falsas esperanças, rostos deformados, corpos pincelado de decadência..., amanhã
Nada,
Incógnitas
Amanhã estarei ao teu lado, pegarei na tua mão... lemos em conjunto os poemas que escrevi para ti e nunca os conseguiste ler, por medo, por... por vergonha de mim, não, não meu irmão,
Amanhã renasceremos das cinzas que sobejarem do corpo dele, e nada, nada a acrescentar aos teus lamentos, o que importa estarmos a lamentarmos-nos se ele
Amanhã,
Ele voará em direcção às nuvens invisíveis dos Oceanos, inchadas, as pálpebras, incógnitas disfarçadas de mendicidade, e tu
Amo-te... algum dia voltarei a alicerçar-me aos teus braços,
E tu calmamente caminhando lado a lado com o metro de superfície... odeio-o, não aguento mais senti-lo, não aguento mais ouvir os seus gemidos como gaivotas em cio, como pássaros ao cair da noite,
Torturam-me, obrigam-me a olhá-lo enquanto me encerram numa sala exígua e triste, nada posso fazer... se não
Amanhã,
Se não imaginar aquela lagarta recheada de transeuntes em passo apressado, mendigos à porta, pedindo o que é impossível dar-lhes
A vida,
Amanhã pegarei na tua mão, e
Ontem esqueci-me de comer, ontem esqueci-me de olhar-te, não o consigo, pareces uma sombra esperando o acordar da madrugada,
E
E ninguém para conversar, desabafar, ninguém para me ouvir e repetir os gritos que só o silêncio conhece...
E vem o mar,
E vem a saudade, os beijos, os abraços,
Amanhã não,
Não, não...
Amanhã não estarei no teu conforto, nunca consegui permanecer eternamente nos teus braços, fujo, finjo que tenho sono, e não o tenho...
Dormir,
Porque amanhã,
As imagens a preto e branco dos teus olhos, sem lágrimas, sem estátuas de marfim, e no entanto
Poisas em mim como uma bandeira hasteada nos dedos cremados da inocência, o sexo permanece clandestino, nas palavras, nos actos, na... na incógnita do adeus,
Sentir-me-ei uma constelação em vibração, eu sentir-me-ei uma hélice congestionada numa qualquer estrada sem saída,
Preciso de ti, meu irmão,
Amanhã,
Amanhã não,
Não, não...



(ficção)
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 23 de Novembro de 2014

Triciclos de luz


Sinto a falta do fumo do teu cigarro,
não percebo a ausência das tuas mãos...
quando poisavam no meu rosto,
e dos teus lábios sobejavam palavras que não me cansava de ouvir...
sinto a falta do teu olhar embrulhado no cacimbo,
e das mangueiras que brincavam no nosso quintal,
desenhando bonecos de sombra no meu peito,
sinto a tua falta...
e imagino-te a galgar o portão de entrada com um brinquedo debaixo do braço,
e eu...
e eu adormecia no teu colo,
sonhando com barcos de papel e triciclos de luz...



Francisco Luís Fontinha
Alijó, 23 de Novembro de 2014