Cai
o sono sobre a alvorada; não tenho pressa de caminhar.
Imagino
os ossos das tempestades invisíveis poisarem sobre os meus ombros enforcados no
levante amanhecer, imagino a límpida água dos sonhos sobrevoando as minhas mãos,
Cai
o sono e sou forçado a desistir.
Habita
a paixão na adolescência dos cacos envergonhados,
Abraço-te,
beijo-te, alimento-me da tua sombra que traz a noite das clarabóias de papel,
um barco atravessa-me e tombo junto ao cais; a morte.
Os
infelizes corações de prata encalhados nos rochedos da Aurora Boreal da
loucura, o sino da aldeia encostado ao zimbo sombreado do sofrimento, tinhas-me
medo, ausentavas-te do meu corpo como uma corda de nylon,
Cai
o sono, levanta-se no horizonte uma fina película de dor, pertencias aos
pássaros envenenados pelo luar,
E
hoje és apenas um retracto sem ninguém.
É
tarde, meu amor,
Hoje
não andam machimbombos nas ruas da amargura,
O
capim das palavras arde junto às cubatas recheadas de infortúnio,
Crianças
enlameadas jogam ao futuro como se o futuro fosse um jogo, um desejo não
concretizado, mesmo assim, morrem como pássaros no Inverno,
Cai
a noite e o sono da noite,
Cai
o sonho e o sonho da noite,
Cerro
todas as janelas e portas, fico encurralado das tuas garras, lá fora,
esperam-me os cartazes da revolta,
O
destino meu não saber onde vou dormir hoje.
É
tarde,
A
lua parece um ponto esquecido no Céu,
Como
todas as partes do meu corpo; ponto de luz esquecidos no Céu.
Cruzo
os braços, socorro-me dos cigarros para alimentar o medo da tua ausência, mas
não consigo sobreviver à chuva, ao vento…
Não
te procuro mais neste aldeamento de porcelanas sem remorsos, não te procuro
mais nesta leviana cidade de bares e ruelas sem nome,
É
tarde, é tarde e nada tenho na algibeira.
Olho-me
no espelho da poesia, pareço triste, pareço um pequeno farrapo em busca do
fogo, uma faca atravessa-me e sei que morre também em mim a poesia,
Sinto-o
como se fosse hoje,
Sinto-o
como se fosse agora,
Este
cais de barcos enferrujados onde deixo ficar a minha pobre algibeira, fumo os cigarros
da noite enquanto lá dentro bebem, comem…
E
eu, e eu fumo o último cigarro do poema,
Há
marés de vidro que cortam os meus pulsos,
O
sangue jorra como se fosse o rio das palavras enlatadas pela insónia,
Há
marés de vidro no meu coração,
Há
marés de vidro no meu olhar,
Que
me cega, que me faz ausentar de ti…
É
tarde, meu amor, e amanhã não te procurarei mais, nunca mais.
Francisco
Luís Fontinha
segunda-feira,
18 de Abril de 2016