segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Anémona-do-mar


O vociferar do teu corpo de anémona-do-mar doirada,
sinto-o nos meus dedos, ele entrega-se às minhas mãos,
desvairado, aparece-me o silêncio mais longo da noite,
não há estrelas que adormeçam a tua pele...
se eu pudesse.... se eu pudesse embrulhava-te no meu olhar,
acendia a lareira dos meus braços...
e... e ficávamos prisioneiros a um livro,
líamos, líamos... líamos até que os cortinados do nosso quarto vomitassem os gemidos de granito dos orgasmos envenenados...

E o livro, e o livro ardia,
e a tua pele... e a tua pele... ardia,

O vociferar do teu corpo incandescente,
descendo a Calçada da Ajuda...
levavas contigo o rio,
e... e todas as gaivotas de papel,

E o livro, e o livro ardia,
e a tua pele... e a tua pele... ardia
num Domingo de cio,

Até que eu sentia o teu corpo de cinza na minha triste algibeira!


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 4 de Agosto de 2014

O transeunte


Saber amar-te… é não perceber a razão de existir,
É mais fácil resolver uma equação diferencial… do que saber amar-te,
Escrever-te sabendo que nada lês do que escrevo,
Porque não tens tempo, porque pertences ao grupo que me apelida de louco…
Um coitadinho, um coitadinho que se julga poeta,
Pois eu não sou poeta, pois eu não sou escritor,
Pois eu… ai como eu gostava de saber amar-te…
Eu não sou artista, não sou nada,
Sou um que vagueia nas ruas inventadas por um louco igual a mim,
Julgava que era porta,
Dizia-se escritor, artista…
E… e morreu num banco de jardim,

Como eu vou morrer,

Saber amar-te sabendo que o amor é um círculo de luz,
Um espelho sombreado quando desce a noite sobre os teus seios,
Saber amar-te eu gostava, esforço-me… mas… mas a vida é uma vaidade,
E o amar… e o amar pertence ao amava,
Esforço-me, esforço-me como se eu fosse um rio abraçado ao mar,
Enrolados, todos nós, eu o rio e o mar… enrolados ao teu sorriso,
E no entanto,
Não sei amar-te,
Nem por palavras,
Nem por desenhos…
E eu, e eu que não sou poeta,
Nem artista… como vou morrer,

Morrendo… sem o saber; amar-te!



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 4 de Agosto de 2014

domingo, 3 de agosto de 2014

Correntes de luz


Sinto-me prisioneiro das correntes de luz que embrulham o teu olhar,
sou um casebre perdido na montanha, uma árvore, um cigarro que arde...
e... e que nunca se apaga,
sinto-me a noite no precipício da saudade,
esperando o regresso das mãos poesia,
sinto-me um esqueleto desventrado, uma sanzala iluminada pelas pálpebras da madrugada,
acariciando o meu rosto de página amarrotada,
e... e que nunca se apaga,
o teu sorriso, o teu corpo voando sobre o meu peito,
sinto-me..., sinto-me uma jangada, a maré contra os rochedos,
o poço da morte onde habitam néons com silêncios medos,
e... e que nunca se apaga,

Sinto-me prisioneiro das correntes de luz...
quando a tarde se extingue nas tuas coxas,
… o teu olhar,
magoa, incendeia a minha solidão,
sinto-me... sinto-me um desamado, um corpo suspenso na varanda do luar,
na rua, na rua adormecem chapéus de palha e canaviais,
e eu, e eu aqui... aqui... aqui dentro deste casebre perdido na montanha,
havia um beijo à janela do farol, e o petroleiro do amor...comeu-o,
hoje só os lábios de titânio resistiram à dor,
… o sofrimento,
o sofrimento de desejar,
desejar sem ser desejado.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 3 de Agosto de 2014

sábado, 2 de agosto de 2014

Jangadas de incenso


Lembras-me as jangadas de incenso nos braços de uma amada,
há dentro desta casa uma cancela em madeira,
uma cerca de prata,
lembras-me as sílabas com odor a madrugada,
numa cama onde habitam dois corpos embrulhados em azevinho,
há uma arca cerrada com cadeados de luz,
lá dentro, cartas... cartas vestidas de cinza,
migalhas,
seios de verniz suspensos no espelho das tuas pálpebras de alecrim...
lembras-me as jangadas com velhos bancos revestidos a amanhecer,
uma Lisboa apaixonada por transeuntes embriagados, loucos... e marinheiros de palha,
lembras-me uma cidade com vidros de papel,

E migalhas...
lembras-me as flores deitadas no teu peito,
um cigarro a arder..., um cigarro sem jeito nos lábios dos marinheiros de palha,
lembras-me os poemas por escrever,
quando havia no teu corpo pedaços de borboletas e canalha a brincar...
lá dentro, cartas... cartas vestidas de cinza,
e... e migalhas,
lembras-me as tardes sentado a desenhar o Tejo na minha mão,
inventava barcos de cartão,
inventava gaivotas com bolas de sabão,
lembras-me...
lembras-me o silêncio das jangadas de incenso!


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 2 de Agosto de 2014

Vinhedos da saudade


Olhaste os vinhedos da saudade,
percebeste que dentro deles, eu, eu deambulava como um sorriso de vento,
chamaste aos meus olhos, olhos de desgovernar,
e às minhas pálpebras, e às minhas pálpebras apelidaste-as de cansaços do mar,
não tinha mãos para te acariciar,
não tinha braços... não tinha braços para te abraçar...
nem cores para te pintar,
olhaste os vinhedos da saudade, e percebeste que eu era um rio sem nome,

Uma cidade sem coração,
uma tempestade,

Olhaste os vinhedos da saudade,
escreveste na ardósia da tarde os versos de amar,
percebeste que dentro deles, eu, eu habitava como uma flor carnívora,
que te absorvia entre os horários nocturnos do desejo,
sem lábios para te beijar...
uma cidade sem coração,
uma tempestade,
um homem vivendo no corrimão com vontade de caminhar...

Uma cidade sem coração,
uma tempestade,
olhaste os vinhedos da saudade,
e percebeste que o amor são socalcos olhando um rio,
o mesmo rio sem nome,
que um dia decidiste que eu seria até morrer...
um rio encurvado entre os seios das montanhas madrugadas,
um rio..., um rio apressado no corpo de uma enxada.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 2 de Agosto de 2014

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Noites de Sexta-feira...


Tenho no meu peito um fóssil,
uma lâmina de aço laminado,
tenho no meu peito uma cidade, uma mulher que habita nessa cidade, uma lâmina...
que me estrangula, que me absorve,
e engole,
nas noites de Sexta-feira...

Há um triste olhar que me acompanha desde as ruas de Luanda,
olhava as sanzalas, inventava grãos de areia no Mussulo,
desenhava peixes nos machimbombos com coração de granito,
ouvia, às vezes, um grito...
e engole,
nas noites de Sexta-feira,

Há um apito quando oiço a voz do silêncio,
uma criança com mãos de sisal,
deitada na eira de Carvalhais,
tenho no meu peito um fóssil,
um lâmina de aço laminado,
uma luz esculpida na calçada do abismo...
havia entre nós um muro amarelo,
havia ao longe um rio embriagado,
eu, eu sorria,
eu, eu descia... até que os tentáculos do desejo me levavam,
e quando regressava,
o apito... apitava...

O vício vomitava sílabas com sabor a alumínio,
e eu, eu dançava sobre uma nuvem de nada,
que me estrangulava, que me absorvia,
e engolia,
nas noites de Sexta-feira...
… e percebia o significado de liberdade.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 1 de Agosto de 2014

As tâmaras sílabas da paixão


Ao longe, as tuas mágoas de acetileno caminhando rochedos abaixo,
não existem abraços, nada te toca, e tudo... e tudo te silencia,
o morganho subindo as escadas dos tristes telhados de zinco,
o azoto evapora-se nos lábios tenros da madrugada,
uma enxada, uma enxada estremece quando penetra a terra cansada do teu corpo,
ficas imóvel, desenhas-te no espelho da saudade... como se fosses uma flor de carne,
há em ti o olhar triste dos dias sem prazer,
há em ti o desejo louco de me tocar... mas... mas eu, mas eu sou apenas um pedaço de aço,
enferrujado,
tão enferrujado como o barco que nos espera, como o barco encalhado nos teus seios...
ao longe, as tuas coxas de areia,
mergulhadas nas tâmaras sílabas da paixão.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 1 de Agosto de 2014