quinta-feira, 26 de março de 2015



(Para a minha mãe, feliz aniversário / IPO - Porto, 26 de Março de 2015)


“Descascando a cebola” como Gunter Grass me ensina, mergulho no parapeito da fotografia com vista para o jardim, ao meu lado, sombras, terraços de chocolate, homens, mulheres e crianças.

Perdi a paciência, diz ele em tom de prosador,

Deus olha-me, penso eu, não encontro no corpo o prazer do sossego, quando as palavras morrem, e a morte é a viagem para a literatura,

A espingarda, finjo, tenho na algibeira meia dúzia de balas, de xisto, como o Douro Vinhateiro, o rio

E as crianças, a cebola liquefeita nas mãos da cozinheira,

Mãe o que é hoje o jantar?

Poemas de “Al Berto”,

Gosto, adoro, amo…

Amar, desenhar na cebola os lábios da inocência (telefone toca) quando amanhece no teu sorriso, a espingarda

Minha querida!

E a espingarda escrevendo poemas em cada camada da desassossegada cebola…

 
(Ficção)

Francisco Luís Fontinha . Alijó

Quinta-feira, 26 de Março de 2015





quarta-feira, 25 de março de 2015

A “puta” sempre só


Engano-me nos teus olhos

Pareço um espelho confuso

Desfocado como os decenários da saudade

(perdi-me porra)

Sei lá agora

Meu amor

Se existes

Pareces

Uma lâmina de sémen baloiçando no teu peito

Amanhã

Meu amor

Caminharemos sobre o desejado orgasmo

(literário)

Pensavam o quê?

Engano-me nos teus olhos

Como se enganam os automobilistas de óculos escuros

Os escravos do sonho

As drageias congeladas no coração da minha flor

O caixão prateado

Amanhã

Saberei…

O quê?

Aldeia

Gajas boas

Lanternas radioactivas

Um disparo

Contra a morte


A “puta” sempre só

E mesmo assim

Percebo-a… como percebo os teus caprichos.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quarta-feira, 25 de Março de 2015
O exílio disfarçado de madrugada, alguns papeis, livros poucos, um retracto do meu avô e… e nada mais do que isso, Margarida chorava com a minha partida, eu, finalmente em liberdade,
Os panos,
Os cortinados envernizados de saudade
Pai, regressaste?
Não, filho!
A morte não tem regresso, os cortinados envernizados de saudade, a manhã despedia-se do paquete que me transportaria
Para o inferno,
Que me transportaria para o infinito beijo do capim, sonhava com lobos, coelhos e cobras
Cobras?
Serpentes engasgadas pela ventilação mecânica dos fósforos sem memória, esquecem-se dos cigarros sobre a lápide, a fotografia, e
Não, filho!
Para o inferno…
 
 
(ficção)
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 25 de Março de 2015


terça-feira, 24 de março de 2015

Sombras e sombras…


Todas as coisas belas

Dormem no meu peito

Sinto o abismo do silêncio na alvorada manhã

O teu corpo voa

O infinito

Das pálpebras apaixonadas pelo cansaço

Os sonhos imperfeitos

O cadeado da insónia submerso na seara adormecida

Hoje

O teu corpo

Voa

Como voam todos os cadáveres da paixão,

 

Sinto nos meus dedos os narcisos das palavras desassossegadas

E sei que durante a noite

Uma flor nasce

No teu olhar

No jardim da tua boca

Todas as coisas belas

Fogem

Ou morrem

Mas as imagens permanecem intactas

Ossos

Poeira sobrevoando as aldeias solitárias

Ou morrem,

 

E fogem

Como pássaros embainhados nos cofres do amor…

Caminho no Oceano

Procurando barcos

E âncoras de espuma

Telas embalsamadas

Nas paredes do medo

E fogem

E morrem

As andorinhas

E os candeeiros da cidade

Do exílio entre sombras e sombras…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Terça-feira, 24 de Março de 2015

segunda-feira, 23 de março de 2015

Não me lembro, meu filho..., não me lembro..., a vida era complicada, não tínhamos dinheiro para nada
Nada, pai?
Nada, meu filho, os dardos da pobreza alicerçavam-se aos nossos braços, regressava o beijo, e
António?
Sim, meu querido!
Os bisontes da memória, corridas loucas nos corredores do sonho,
A ressaca...
Meu filho, porquê?
A ressaca espancada pelo corpo em delírio, os arrepios, a diarreia, não
Não?
Não pai, não aguento mais esta vida de marinheiro, sem barco, sem cais para aportar, ah... as cordas
Cordas?
Claro, como pensas aprisionar o barco dos teus sonhos...
Em liberdade, em liberdade... meu pai...


(ficção)
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 23 de Março de 2015

Silêncios da Primavera...


Os dias nefastos da melancolia
a palavra envenenada
na boca de uma caneta
triste
e só
o círculo do desejo
desenhado na ardósia noite do sonâmbulo beijo
os dias
do enforcado movimento pendular
contra a janela do meu quarto
as sombras
brincam nas almofadas da solidão

dás-me um beijo
e partes
como uma imagem
ao despedir-se e o vento a leva
sem perceber
que a morte
é o fim da fotografia
negra
encurralada nas ruelas do abismo
demoro-me
e negra
quando acordam os silêncios da Primavera...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 23 de Março de 2015
As andorinhas pintadas na fachada do desejo, o corpo transversal entre dois pontos sem coordenadas, o vazio, a carta regressada do nada
Amo-te, meu querido,
Não sei quem é, preenche-me os sonhos, e brinca na minha cama
António?
Sim, Margarida!
E brinca na minha cama como a criança acabada de nascer, as primeiras palavras, o primeiro poema, a primeira paixão, o amor, a desobediência do coração de prata, a mina mergulhava nas canções Primaveris, as orquídeas desenhavam círculos na sombra da tempestade, pai?
Sim, filho...
A guerra,
Que tem a guerra?
Não me lembro, meu filho..., não me lembro...


(ficção)
Domingo, 22 de Março de 2015
Francisco Luís Fontinha . Alijó

domingo, 22 de março de 2015

As equações do sono


O gatilho da paixão
uma bala vestida de palavra
entranha-se no meu peito
grito
grito o poema assassinado pelo poeta
a espingarda da saudade
nos lábios tristes da madrugada
o gatilho da paixão
em pausa
suspenso na minha mão
disparo
não disparo...

mato
morro
não sei...
quando o papel arde
no pôr-do-sol da solidão
o amor
o amor das clandestinas manhãs
e o uivo da boca
no beijo cansado das nuvens de algodão
não paro
caminho em direcção às equações do sono
é amanhecer

vejo a cidade em lágrimas
chove
nos cabelos da maré
invento-me nos teus braços
como um louco esqueleto de pano...
o piano
dança junto à lareira do adeus
a despedida
a partida
uma mala vazia
quase vazia
porque lá... habitam os socalcos do sonho.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 22 de Março de 2015
O meu melhor amigo, morreu
Maldita guerra, terra... nada, para nada, recordo o sorriso dele, em criança brincávamos junto ao mar, desenhávamos barcos nas paredes do sono, sentados, pintávamos beijos no térreo chão com odor a desejo, Margarida
Farta das cartas, meu amor, amo-te, ando no mato e percebo que a tua sombra me acompanha, sinto os teus doces lábios no cano da minha G#. bê lá, meu amor,
Margarida, desenho no cano da minha espingarda... Amo-te...
O meu melhor amigo, a criança de sorriso encarnado que todas as tardes voava sobre os nossos cabelos de espuma...


(ficção)
Francisco Luís Fontinha - Alijó
Domingo, 22 de Março de 2015

sábado, 21 de março de 2015

Princesa dos Oceanos


Tu
princesa dos Oceanos de brincar
madrugada
em flor
tu
a mulher desejada
pelos homens de luz
anoitece nos teus lábios
e os teus beijos são pedacinhos de sorriso
sombras
a penumbra dor dos barcos de papel
tu
a imagem melancólica do poema
morto
morto...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 21 de Março de 2015