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foto: A&M ART and Photos
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Descobríamos o sono na literatura das imagens,
inventávamos silêncios, desenhávamos beijos nas montanhas do
desejo, queríamos voar sobre o mar seara de argamassas em
sofrimentos das flores em finas peles de areia, que o sonífero
coração envenenado pela solidão, gritava como gargantas
envidraçadas, como chuva emprestada, a salsa, a cebola, e os
alhos..., acreditávamos que existia além da palavra amor, um corpo,
braços, pernas, cabelos, olhos, olhos..., asas, montes e videiras,
nuvens, casas, ruas e hospedarias, sentava-me na cadeira da barbearia
é para desfazer a barba,
Adormecia, sentia os relógios do vizinho em
horários gemidos, nocturnas horas como pêssegos acabados de colher,
subíamos e descíamos, abraçávamos-nos, como ervas, troncos,
madeira prensada, apaixonados, nós,
eles diziam-nos para desistirmos,
Acorrentados, tubos de néon assobiavam como
lanternas mágicas num espectáculo de circo, encharcados, eles, os
artistas, o público, o silêncio, todos, e todas, riem-se porquê?
que as imagens deixam o suor sobre a mesa-de-cabeceira, e havíamos
de enganar o medo, como se engana a fome, o amor, e a paixão, e
todos os corpos possíveis e impossíveis de desejar, e
comiam-mos-nos como serpentes correndo em corredores que depois de
cremadas, elas, voltavam à plateia, sentavam-se numa simples e
singela cadeira de vime, no palco, dois pilares trapezistas vestidos
como milhafres anónimos, caminhavam sobre um finíssimo fio de luz,
e do outro lado, da tenda, as roulotes miseráveis que o homem de
casaco branco deixou ficar como forma de pagamento, em demandada
partida, desejou a todos
um santo e feliz natal,
E ainda hoje, o detesto, ao homem e ao natal,
sinto-me frágil, como um caixote em madeira, nas minhas costas
escrita a palavra “Frágil” e uma seta indicava o sentido único
da posição correcta, não tínhamos o Kamasutra dos caixotes que
transportavam as nossas bicuatas, e quando cá chegávamos, tudo,
quase tudo “fodido”, os pratos, as jarras, e toda a porcaria
comestível, tudo, ou quase tudo, em cacos, a vida
em cacos, a nossa vida,
Oh! dó... escroque vidente da literatura, da tua
máquina de fazer imagens, eu vivia lá dentro, feliz, como eles, a
preto-e-branco, cortinados encarnados, folhas de loiro suspensas
sobre a padieira, e uma ténue luz, meramente indicativa,
desejava-nos felizes cobertores de espuma, ouvíamos do fundo do
corredor, os apitos de barcos como eu, frágeis, de corpo engomado
dói, dói tanto, pensar que se está morto,
Engomado, nós, comíamos-nos como loucos animais
acorrentados na jaula do desassossego, ela, ele, e toda a porcaria,
aqueles que mal dizem de mim, e da minha vida, todos, como dizia o
cineasta “quero que eles se fodam”, claro, só aqueles que falam
nas minhas costas, onde tenho inscrita a palavra frágil
eu, um caixote de madeira, pouca coisa, bicuatas, um
velho fogão, meia dúzia de pratos, roupa, pouca, calções,
sandálias de couro, um parvalhão de um boneco baptizado de
chapelhudo, se fosse hoje chamar-lhe-ia de
Orelhudo,
pançudo,
Mudo, porque não ouvimos a sinfonia de cacos, e
mesmo assim, em mim, o dito frágil, e uma seta que apontava para o
céu, tinha seis anos, e já desconfiava de tudo o que existia acima
de mim, abrimo-lo,
E tudo, tudo “fodido”, e tudo, tudo... partido,
cacos, eles, elas, nós, a nossa vida, a nossa história, que
história, João?
abrimo-lo, e sabes, querido João?
Diz-me,
abrimo-lo como que abre o peito de um corpo em
putrefacção, e lá dentro, cacos, cacos e vidas em pequenas
fotografias, que vivem, que dormem, dentro, fora, em ti, de ti
Até às tuas coxas e comiam-mos como pássaros
loucos nos corredores da morte,
diz-me tu, se amanhã estarás dento de mim, como
ainda permanecem todos estes cacos, paquetes, barcos, areia branca,
pássaros, gaivotas e coqueiros, ai... ai o hóquei nos finais de
tarde, deixei de o ter,
“abrimo-lo, e sabes, querido João?
Diz-me”
perdemos-nos nos semáforos de uma avenida,
chamavam-lhe baía, eu, não lhe chamava nada, e tu, e tu, querido
João, imaginavas-me, como os cacos, dentro de um caixote,
Frágil, com uma seta apontando o céu.
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha