Em destaque – Sapo Angola
sábado, 20 de abril de 2013
sexta-feira, 19 de abril de 2013
A roulote da alegria
foto: A&M ART and Photos
|
Andávamos de terra em terra, andávamos de luar em
luar, éramos dois mutantes fugitivos aos arautos das marés de
inverno, sonhávamos, desesperávamos-nos quando encalhávamos sobre
as fragas frágeis das aldeias em flor, e tínhamos medo do dia
seguinte, e quando acordávamos, continuava tudo igual ao dia de
ontem, amanhã, dizem, amanhã é Sábado, levantarmos-nos não muito
cedo, o duche, o pequeno-almoço, e uma torrada para o REX, tomar
café, de preferência DELTA RUBY, e depois de enganar-me com as
sombras de cigarros apagados desde Maio de 2012, regresso a casa,
ligo o portátil e escolho o Ubuntu como Sistema Operativo, fartei-me
do Windows e das suas birras, parecendo às vezes certas mulheres,
chatinhas, tão chatinhas que as prefiro a elas do que a ele, mas
enquanto existir o Linux não o trocarei por outro qualquer, porque
há coisas inconfundíveis, incontornáveis, amores eternos, amores
como o das pessoas, amores
(sou a favor do software livre e aberto a todos)
E depois de tantos amores, e depois de portátil
ligado, vou à minha caixa do correio, - Levanto-me, abro a porta da
biblioteca, passo pelo corredor, atravesso em bicos de pés a sala de
jantar, mergulho num pequeno Hall e depois de ultrapassar a cozinha,
entro definitivamente no quintal, e cerca de quinze metros depois,
abro a caixa, e correio... nenhum – quem é que tinha o atrevimento
de me escrever, digam-me – Quem? - só o “Fisco”,
(andávamos de abraço em abraço, andávamos de
gemido em gemido)
Faço uma visita breve ao meu blogue, talvez escreva
alguma coisa, depende dos sábados e do estado da caneta Parker de
tinta permanente, até à data nunca ame deixou ficar mal, escreve
sempre aquilo que quero e desejo, e Às vezes, até me obriga a
escrever aquilo que não quero, mas ela é assim, e assim me vai
acompanhar até ao fim
(fim de mim, fim de ti, ou fim de um texto qualquer
ou poema)
Copiam tudo, aqueles sacanas, e de “O Medo” de
AL Berto, na mão, abro-o, e verifico que é uma edição de Outubro
de 1991, Contexto-Círculo de Leitores, e com o número de edição
do Círculo de Leitores 3138, nada disto importa, apenas que este
livro vale algum dinheiro – Talvez cento e vinte euros – mas a
minha curiosidade está na contracapa onde vive um pequeno texto meu,
de 9 de Maio de 1994, em Vila Real e digo ser esse o dia mais feliz
da minha vida,
E reza assim,
“Não tenho medo
de estar só...
não tenho medo de morrer,
mas... sinto medo de estar vivo!
E se eu morrer,
Que seja sozinho;
tenho medo da multidão,
e sei que não estarás ao meu lado!
Claro que eu percebo estas palavras e porque as
escrevi naquela data, mas já não importa, e copiam tudo, aqueles
sacanas, copiam os poemas, copiam-me os textos, copiam tudo, aqueles
estúpidos pássaros de bico amarelo e negros como a noite,
recordo-me em miúdo de ver um em casa do meu avô, dentro de uma
gaiola, e já na altura, ficava confuso ver alguém com asas dentro
de um pedaço de rede, sem liberdade, apenas porque canta lindamente,
(e se um dia, um louco, fizer o mesmo comigo, isto
é, construírem à minha volta uma rede invisível, onde me
aprisionam, apenas porque escrevo, apenas porque gosto de ler,
apenas... porque sou eu)
Andávamos de terra em terra, andávamos de luar em
luar, éramos dois mutantes fugitivos aos arautos das marés de
inverno, sonhávamos, desesperávamos-nos quando encalhávamos sobre
as fragas frágeis das aldeias em flor, sem flores, sem janelas,
depois, depois voaram-nos as palavras e os bancos de jardim com
meninas de livro na mão, sentadas, cruzavam a perna, e de saia meio
de chita, meio de qualquer coisa, esqueciam-se que eu era um pássaro
esquecido dentro de uma gaiola numa aldeia do Concelho de S. Pedro do
Sul,
(- Tens saudades minhas, meu querido amigo? - e só
sei que era Sábado, e que depois de escrever qualquer coisa, deixava
o portátil ligado, música em sons melódicos para os fantasmas da
livraria, e antes do meio-dia, todos os Sábados, dirijo-me à
barbearia do senhor António, desfazem-me a barba e venho
descontraidamente almoçar, com o meu querido AL Berto sempre à
minha espera, sobre uma secretária de madeira)
Uma das meninas levantou-se do banco onde estava
ancorada, colocou o livro debaixo do braço, o olhar dela cruzou o
meu, e hoje, hoje acompanha-me todos os dias e todas as noites dentro
da roulote da alegria.
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
quinta-feira, 18 de abril de 2013
Diluído em azuis e castanhos
foto: A&M ART and Photos
|
Porque gemiam as gaivotas se o mar parecia um campo
de milho, calmo e sereno, diluído em azuis e castanhos, meninos com
infâncias destruídas, meninos sem infâncias prometidas, e no
entanto, sabíamos que um dia íamos experimentar os chocolates com
frutos silvestres, que um dia íamos experimentar as cavernas
encolhidas nas rochas no cimo da montanha com o coração de riacho,
as penas eram de sobreiro e de olhar terno, frágil, magoado, um
olhar existente em construções falsas acompanhadas por lágrimas de
cereja, e as pernas, tenho uma vaga sensação que eram de granito, e
havia uma escada de acesso à caverna, entrávamos, amplamente
arejada, uma enorme entrada, e sem janelas, e depois, continuava por
um corredor, curvilíneo, até desaparecer na escuridão da noite,
não tínhamos móveis, e dormíamos no chão, não tínhamos nada, e
éramos tão felizes, como a pequena fogueira que ardia noite e dia,
como se fosse uma porta de entrada em madeira robusta, que apenas
servia para afugentar os animais mais endiabrados, mas
(que animais fariam mal a duas apaixonadas sombras?)
Ao longe ouvíamos o sombrear da lua quando
caminhava sobre a copa das nuvens, tão finas, tão belas e tão
doces, diziam-nos que eram de açúcar, mas por infelicidade, mas
porque o destino nos tramou quando resolveu juntar-nos numa noite de
Setembro, nunca tivemos o tempo necessário para verificarmos se
realmente as nuvens eram de açúcar, mas que cheiravam bem, lá isso
cheiravam, e que quando chovia, sentávamos-nos cá fora, e sentíamos
as gotas de água da chuva junto ao canto do lábio inferior, e aí
sim, percebíamos que era doce, mas nunca tivemos a certeza que
fossem de açúcar..., como também, nunca tivemos a certeza de nada
do que vivíamos ou viveremos na posteridade das sebentas com as
páginas brancas, sem imagens, desenhos, e palavras, e ao
(animais)
Longe tínhamos terminado de acender os candeeiros a
petróleo, nas mochilas apenas alguns cadernos, alguns livros, e
lápis de carvão, e todas as noites, enquanto olhávamos a labareda
da velha fogueira, olhava-lhe os olhos e imaginava um rebanho de
ovelhas saltitando nas terras férteis e indomáveis de Favarrel,
ainda conseguia imaginar o tio Serafim em corridas loucas e à
pedrada contra a estrelada, e esta, quando regressava a casa,
tardíssimo, mancava, e o velho
(que tem a ovelha, rapaz? - Caiu da parede abaixo,
meu pai – e o velho dizia-lhe que no dia seguinte a estrelada
ficava no curral, e o Serafim contente, saltava de alegria, porque
depois da escola já não ia com as ovelhas para o pasto...)
E o velho tudo fazia para que o filho fosse
agricultor, e o Serafim comportava-se como um artista, cantava fado,
contava histórias, andou pelas ruas de Lisboa e quando regressou a
casa convenceu toda a gente que tinha estado no Brasil, e durante
dois ou três anos, ninguém, ninguém sabia do paradeiro do cantante
que saiu de casa propositadamente para viajar até às terras de Vera
Cruz..., ficou por lá encantado com os cheiros e com os sons
(do Tejo)
E com as mulheres de lá, onde durante a noite se
escondia em tasquinhas perdidas em ruelas, e de dia, de janela
encerrada, e de cortinado puxado até aos confins do Inferno,
ressonava canções com sabor a vinho e sonhava com barcos que se
faziam passear pela Terra Nova na peugada do fiel amigo; o eterno
bacalhau,
“Porque gemiam as gaivotas se o mar parecia um
campo de milho, calmo e sereno, diluído em azuis e castanhos,
meninos com infâncias destruídas, meninos sem infâncias
prometidas, e no entanto, sabíamos que um dia íamos experimentar os
chocolates com frutos silvestres, que um dia íamos experimentar as
cavernas encolhidas nas rochas no cimo da montanha com o coração de
riacho, as penas eram de sobreiro e de olhar terno, frágil, magoado,
um olhar existente em construções falsas acompanhadas por lágrimas
de cereja, e porque transpirava o espigueiro recheado de espigas de
milho, e porque tinham os melros medo do escuro, quando alguém por
engano, desligava o interruptor do dia, vinha a noite, trazia com ela
outras amigas, bebíamos, comíamos e fumávamos, sem que nunca
tenhamos percebido, sem que nunca tenhamos admitido, que, ontem, na
caverna, não tínhamos móveis, e dormíamos no chão, não
tínhamos nada, e éramos tão felizes, como a pequena fogueira que
ardia noite e dia, como se fosse uma porta de entrada em madeira
robusta, que apenas servia para afugentar os animais mais
endiabrados, mas os animais ferozes, éramos nós, eu, ela”
(e sentíamos as gotas de água da chuva junto ao
canto do lábio inferior, e aí sim, percebíamos que era doce, mas
nunca tivemos a certeza que fossem de açúcar..., como também,
nunca tivemos a certeza de nada do que vivíamos ou viveremos na
posteridade das sebentas com as páginas brancas e os títulos a
negrito, poucas palavras, as datas mais importantes, o nascimento, e
o último a morrer, ficará encarregue a reescrever a história e a
data final de quando terminar a fogueira, tudo dentro da caverna
cessará de respirar, e apenas a cinza da fogueira ficará como
testemunha do amor de dois apaixonados, risíveis, ternos e com
saudades do apito do comboio em corridas loucas na linha de Cais do
Sodré até Belém, saía, puxava de um cigarro, e)
Como cresceu o milho,
(e sentava-se no parapeito da janela imaginária
para o Tejo)
E não só o milho, o rapaz também está crescido,
e a própria cidade, parece obesa, oca, sombria, uma cidade dentro de
outra cidade, que, que hoje já não existe...
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Labels:
amor,
Carvalhais,
cidade,
Favarrel,
ficção,
Lisboa,
livros,
montanha,
palavras,
S. Pedro do Sul,
solidão,
Tejo,
Texto,
vida
Location:
5070 Alijó, Portugal
Três tristes madrugadas
foto: A&M ART and Photos
|
Três tristes rostos
embrulhados em três tristes madrugadas
com três indefinidos tigres coloridos
nas três primeiras semanas do mês,
Três mulheres desalmadas
sós
apaixonadas
três... rostos sombras espelhos ou
montras de incenso...
Três horas
em três relógios trigémeos
nas três madrugadas tristes
embrulhadas,
Três tristes rostos
com três lindos pincéis de areia
três barcos e três Marias
e... três... três gramas de
paciência.
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
quarta-feira, 17 de abril de 2013
O último nome e o último desejo à espera do último sonho
foto: A&M ART and Photos
|
Foi a última vez que escreveste o meu nome,
escreveste-o, continuas a escrever-me no silêncio dos Deuses e
fazes-lo como se eu ainda estivesse vivo, e deixei de estar, e deixei
de pertencer ao musgo ensonado que cresce no tronco dos pinheiros
mansos, recordo-me de apanhar pinhões debaixo de um pinheiro
ranhoso, rabugento, e tinhoso, que habitava no recreio da escola,
sentava-me sobre as pedras em repouso, e fazia com que outras se
movimentassem, às vezes, errava o alvo, partia um dos vidros da
janela da escola, quando chegava a casa
(faziam-me uma festa, havia banda de música, havia
comeres e beberes e claro, havia cinto, danças de corredor, eu na
frente, e na minha peugada, o meu pai tentando acertar-me mas como
sempre, eu parecia invisível, e como sempre, eu atravessava as
paredes, e bastava um simples olhar...)
Sobre a secretária, quando chegava a casa, os
destroços de um amor, pensava-se que eterno, mas nem as palavras são
eternas, nem as pessoas, nem os corações, e procurava entre o
desalinhado sossego dos objectos destruídos pela intempérie, ainda
deixaste restos de café dentro de uma chávena envenenada pela
presença das pérolas e de uma caneta de tinta permanente
(procurei o teu nome em vão, não respondias, e
entrei em cada compartimento daquela casa assombrada, para finalmente
perceber, que... tu tinhas partido, definitivamente, como partem os
pássaros depois da Primavera, procurei, e procurei, e encontrei
sobre a tua secretária os teus restos mortais, aqueles que já
referi e mais uns botões de rosa dentro de um copo com água,
sentia-se no ar o perfume, a essência, a fragrância das palavras
deixadas ao acaso dentro de uma carta de despedida, ou simplesmente,
de uma declaração, - De amor? - e enquanto fixava o olhar na caneta
de pinta permanente, como se fosse um filme, um conjunto de imagens
construíam-se-me e do nascimento dela, passando pelas ressacas da
falta de tinta, dos textos e textos em meio por meias palavras,
porque ela, simplesmente se recusava a escrever, a enquanto uma mão
de menina a segurava, enquanto uma mão de criança bati-lhe o aparo
sobre a madeira da secretária, e o texto, aos poucos, esmorecia, e
morria, e deixava de existir, a a menina, e a criança, ambas,
sorriam..., sorriam como nuvens de finíssima adrenalina)
E uma faca de prata, ao lado da chávena envenenada
com os resto do teu café, o copo com os botões de rosa, e eu
perguntava-me – De que me serve esta faca de prata? -
correspondência pouca recebo, do correio electrónico, não é
necessário abri-lo com a ajuda de uma faca de prata, e até os
livros modernos, esses, já nem é necessário abria-lhes as páginas
como o fazia quando adolescente..., e parece que tudo se perdeu, e
parece que até o cheiro do papel não é o mesmo cheiro do papel de
antigamente, os jornais, não têm o mesmo cheiro, e ainda recordo
quando após folhear algumas das páginas, percebia-se
posteriormente... - De que me serve esta faca de prata? - percebia-se
que tinha os dedos e as mãos com o cheiro da tinta do jornal e de
cor negra, hoje, hoje procuro-te, abro cada compartimento, até já
fui ao sótão, mas de ti, nem sombra, nem o perfume, nem o som do
teu colar de pérolas quando regressavas a altas horas da madrugada,
sentavas-te na tua secretária, rabiscavas algo no teu caderno e
depois, depois de pegares num dos botões de rosa e o cheirares,
tiravas o colar de pérolas, e poisava-lo sobre a secretária, e
nunca, nunca esqueci esse som melódico e poético,
(desacreditado que dos muros de xisto as folhas de
videira cessem de crescer no olhar da melancolia, e se alicerce a
tristeza nos gonzos desmiolados das portas e janelas com a boca
virada para o mar, acreditava que as madrugadas intermináveis, não
morriam, e morreram como morrem as pequenas línguas de fogo que a
paixão deixa cair sobre a pele macia dos corpos clausurados nos
castelos de areia - havia comeres e beberes e claro, havia cinto,
danças de corredor, eu na frente em passos apressados como um louco
– e nunca deixei de gostar dele)
E uma faca de prata, ao lado da chávena envenenada
com o resto do teu café, o copo com os botões de rosa, e eu
pergunto-me
(porquê?)
Pergunto-me se em vez de uma despedida no meio de
uma feira de velharias, pergunto-me, se eu tivesse comprado o barco
de papel, que sobre uma mesinha estava à venda por uns míseros
Euros, - vê melhor, pior ou igual do que via com as lentes
anteriores? - e sinceramente, não sei, não sei senhor doutor, mas é
uma verdade que a letras miudinha de alguns livros, mesmo com estes
óculos, não as consigo ler,
(e o meu sonho era viver dentro de um barco).
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
As sombras cinzas dos cigarros perdidos
foto: A&M ART and Photos
|
Inventaste o medo para me afugentares
dos braços silêncio em espuma
submersa nas manchas do prazer,
acreditava nas gaivotas com coração
de prata
e lábios desconexos percorrendo searas
adormecidas
e voando mais alto, perdiam-se, como os
grãos de areia de fina estampa
nos corpos de madeira depois de
derrubadas,
depois de assassinadas, todas as
árvores e arvoredos
que a insónia imprime nos teus seios
de pedra-pomes,
havíamos um dia de cruzarmos-nos numa
rua sem saída
que o tempo deixou esquecida na cidade
dos fantasmas vaidosos,
não acreditei,
não percebi que das sombras cinzas dos
cigarros perdidos
pudesse sair o teu corpo húmido como
uma manhã quando a neblina,
espessa, árida, cobre o rio com todas
as gotinhas do suor tua pele,
quando a tua neblina penetra
incessantemente as flores de um jardim enforcado,
um jardim sombreado, lapidado a lápis
de cor,
eu ouvia
e,
eu ouvia e sentia nos teus doces lábios
o cansaço dos dias
e das noites como um náufrago
há procura das rochas vermelhas,
roubava ao luar a sanidade mental de
estar vivo,
e acreditar que amanhã,
depois de acordares,
deixavas de inventar o medo, e me
abraçavas como as sílabas deitadas na página de um caderno...
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
terça-feira, 16 de abril de 2013
A cidade das Eiras
foto: A&M ART and Photos
|
Ente nós, o vento que sopra e faz balançar a fina
e ténue cortina invisível das manhãs indesejáveis, algures dentro
da cidade, existe uma seara de desejo, com luzes, cores, flores e
bichos minúsculos, vida dentro da vida, e se um dia
(e se um dia uma desconhecida me oferecer flores...
isso é, nada, porque nunca uma desconhecida me ofereceu flores, nem
nunca, na minha curta vida, uma desconhecida, conhecida, me
ofereceu... um simples poema, ou apenas... um simples olhar
tridimensional encerrado dentro de um hipercubo, pensas que sou
louco, mas se pesquisares no Google por “hipercubo” encontrarás
centenas deles, seres estranhos, que não devem amar, nem sofrer por
amar uma maré em descomposição, como a extracção da raiz
quadrada ou da raiz cúbica, ou... e se um dia uma desconhecida me
oferecer flores... isso, nada, coisa alguma, nem um candeeiro de
ruela consegue ser, nem cigarro, nem cachimbo, nem texto ou poema,
isso é, um sonho interminável, desnecessário e não realizável,
como nas manhãs de ti, o corpo da almofada embrulha-se nos teus
seios, ancora-se ao teu púbis, e lá fora, um cansaço de palavras,
feridas, doridas, mergulham nas clandestinas tascas com mesas
cobertas com toalhas de plástico; a saudade do peixe frito, dos ovos
cozidos dentro de uma vitrina de vidro, escancaradamente, sem portas
ou janelas, onde poisavam as moscas, e em acrobacias, saltitavam
entre os tais ovos cozidos, as pataniscas de bacalhau e os bolinhos,
também eles de bacalhau, apenas de nome, porque de bacalhau, nada,
só a batata e o óleo onde desciam ao fundo de uma frigideira,
negra, escura como as noites sobre as toalhas de plástico, onde
dormíamos, e vivíamos, e nos diziam que éramos felizes...)
Entre nós, o vento, envenenado, cinzento vento que
faz adornar o teu corpo nas entranhas de um pinheiro bravio, em cio,
talvez, e se um dia tivermos um filho, chamar-se-á de “Eterno
Prejuízo” ou “Dirceu” ou... “Pigmeu das Arcadas com Bolor”,
e se um dia, se esse dia chegar, o das flores,
(tocam-me à porta, e eu como estou ocupado, não
vou abrir, escrevo num caderno, coisas sem significado, coisas que
ninguém lê e que depois de passar o vento, leva-as, a todas, as
palavras e o caderno e a caneta de tinta permanente, - Gosto do
cheiro da tinta, digamos que, sou apaixonado pelo cheiro a tinta –
e os batimentos não cessam, como um coração de oiro perdido no
centro de um buraco de areia, húmida, como as tuas coxas quando
nasce o dia, aos cento e vinte batimentos por minuto, levanto-me
irritadíssimo, poiso a caneta sobre as palavras dispersas no papel
ainda em fase de transição, do molhado até atingir o seco,
maleável, pronto a alimentar uma lareira que ganha vida no próximo
Inverno, puxo a cadeira desconfortável para trás, e um espaço
vazio abre-se entre a cadeira e a mesa, indeciso, vou à porta,
apetece-me caminhar devagar, muito devagar, saio da biblioteca, rumo
ao corredor, passo por uma porta, depois outra, atravesso a sala, a
cozinha e mesmo em frente à porta de entrada penso – Quem será a
esta hora! - e demoro uns segundos quase minutos a abrir, tiro a mão
do bolso, puxo o trinco e abre-se a tão afamada porta, um vulto com
cabelos castanhos e de olhos verdes e com pele escura, nos braços um
ramo de flores, hesito, não acredito, mas enfim... a vida tem destas
coisas, às vezes boas, outras, pouco loucas, e outras, quase
impossíveis de realizar, mas quis o destino que uma linda seara de
trigo, perdida na cidade das eiras, me oferecesse flores)
“Ente nós, o vento que sopra e faz balançar a
fina e ténue cortina invisível das manhãs indesejáveis, algures
dentro da cidade, existe uma seara de desejo, com luzes, cores,
flores e bichos minúsculos, vida dentro da vida, e se um dia”
Saltas, como um pássaro em liberdade, vergas-te
quando o vento faz dançar o teu caule dentro dos desejos sonhos
inventados por um caderno recheado de palavras, e
(o cheiro, meus Deus, o inevitável e inesquecível
cheiro da tinta de uma caneta permanente)
E tudo apenas para que um dia, próximo, distante,
ou nunca, escrever o nome do nosso filho
(“Eterno Prejuízo” ou “Dirceu” ou...
“Pigmeu das Arcadas com Bolor”)
O filho de meia dúzia de palavras e de uma seara de
trigo esquecida dentro da cidade das eiras, um filho como todos os
outros filhos, com pernas, braços, cabeça. Olhos, cabelo, e claro,
livro de instruções,
(é sexta-feira, de mil novecentos e oitenta e
cinco, atravesso vagarosamente a ponte sobre o rio Sul, nas Termas de
S. Pedro do Sul, a tarde parece infernal devido ao calor,
distraidamente passo em frente à pensão David, vou em direcção à
saída, e é quase como que se o meu corpo se transformasse em
sombra, começo a contar os vidros das janelas, lá dentro nunca
esqueci o cabrito assado, deliciosamente e divinal, do outro lado da
estrada, o rio, e os patos de água, começo a contá-los e desisto
quando vou em seis, mais à frente, atravesso uma velha ponte em
madeira, e junto aos antigos balneários, debaixo de uma árvore,
sento-me num dos bancos de jardim, perto de mim, uma fonte com o
inconfundível cheiro a enxofre, esqueço-me que existo, e
mentalmente, a cada mulher que passa por mim, imagino-a a oferecer-me
flores, e nunca pensei, e nunca acreditei, que conseguisse receber
tantos e lindos ramos de flores: obrigado meninas transeuntes... como
os vidros das janelas da pensão)
Percebes agora?
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Labels:
amor,
cidade,
ficção,
flores,
palavras,
pensão David,
rio sul,
S. Pedro do Sul,
seara de trigo,
Termas de S. Pedro do Sul,
Texto
Location:
5070 Alijó, Portugal
A fotografia sem mãos
As mãos,
Vejo-as sobre a fina areia que o
silêncio golpeia nos cascos moribundos de barcos ensonados, são
vermelhas, as mãos, as mãos que o vento trouxe e semeou ao longo de
um triângulo de luz, sem braços, cabeça, onde vejo apenas os
tristes lábios de insónia, cruzo os braços, tal como eles o
fizeram, e entrelaço as minhas mãos, para não as perder, para não
me esquecer que tenho mãos, ou que um dia tive mãos, macias, de
Cinderela, sumarentas comas as pétalas, como os vidros das janelas
antes de ela os acariciar, as minhas mãos, escrevem, não tocam, mas
inventam palavras nos muros de xisto,
Vejo-as e sinto-as,
No meu rosto coberto pelas
tempestades de pólen que as abelhas transportam, de longe para
longe, elas, as mãos infindáveis das tardes de Primavera parecem,
aparecem, e
Desaparecem,
E deitam-se como se fossem palavras
espalhadas sobre o papel branco, penumbro, e aos poucos, vou
construindo o desejo, e aos poucos, eu e ela, vamos desenhando o
prazer nas dunas sapientes dos distantes luares que nascem em África
e vêm morrer na Europa com um Passaporte travestido de um outro
transeunte, em migalhas, poucas, das velas dos veleiros doentes,
elas, as mãos, poisam-se-me na face ácida, em chapa inoxidável e
robusta, desaparecem
Vejo
Vejo-as,
As manhãs com ondas e espuma,
oiço-as, a todas elas, espalhadas pela longínqua areia que os
sonhos trazem, ou trouxeram de longe, e vão para longe, como voando
à boleia do vento sem asas, livremente dentro de uma fotografia, a
fotografia sem mãos, sem pernas, sem cabeça, apenas
Com rosas vermelhas, disfarçadas de
mãos, as mãos do desejo em decomposição, putrefacto, o medo, o
tédio, o nada, o nada quando elas, as mãos vestidas de botões de
rosa, vagueiam, amam, desejam-se, como se desejam os homens, como se
desejam as mulheres, as plantas e os animais, e Deus?
É esta a tua partida depois de
morreres?
E da espuma há neblinas que cobrem
as cidades, embrulham-se nos edifícios esfomeados e de alicerces
apodrecidos, há jardins com bancos de madeira onde se sentam os
amantes, trocam palavras – Amo-te muito, meu querido! - do mar um
som em forma de farrapo percorre distâncias inseparáveis e atinge o
jardim dos amantes – Eu também, eu também! - e ambos sabemos que
numa fotografia sem mãos, pulsam os nossos corações, e a minha
pele sobeja da pele dela, e na boca, em ambas as bocas do jardim dos
amantes, um desequilíbrio de espuma escorre pelo canto da boca,
molha os lábios e
Nasce o desejado beijo,
O beijo da fotografia sem mãos.
@Francisco Luís Fontinha
(Texto escrito para o desafio de:
Maria Mendes:
Alguém consegue escrever um texto para esta linda fotografia?)
(Alijó)
segunda-feira, 15 de abril de 2013
Frágeis, tão frágeis que vergam e partem, e morrem...
foto: A&M ART and Photos
|
Não me toques, meu amor, não toques nas minhas
pétalas, não, por favor, não toques nas minhas imagens, invenções
minhas quando a noite mergulha no teu corpo desassoreado,
desassossegado, embriagado por palavras e palavras, por luzes, e
pelas eternas árvores, não amor, por amor, não me toques,
(três pequenas malas separavam-nos da paixão das
almas embalsamadas, tínhamos asas, e tínhamos onde esconder os
pequenos sobejos de nós, simples coisas, poucas, das tuas mãos,
apenas uma máquina fotográfica, com imagens dentro, e de mim, nada,
não esperavas absolutamente nada, a não ser, meia dúzia de livros
com bolor, e alguns poemas escritos sobre os teus joelhos, e
confesso, sabendo que não me estás a ouvir, e a ver, que esses –
Queimaste-os? - claro, assim, despedi-me do teu corpo, como alguns
corpos, se despedem suspensos dos ramos de árvore, algumas frágeis,
tão frágeis que vergam e partem, e morrem...)
Não, não meu amor, por favor, não toques em mim,
não, não me toque – Que dia é hoje, meu querido? - não sei,
não, deixei de contar os dias, deixei de apontar as horas na parede
em gesso do quarto minúsculo e húmido, e com uma também minúscula
janela virada para um quintal de areia, desértico, tão pobre,
quase, como os móveis que habitam esta tão acorrentada casa de
sonhos, grãos de milho sobre uma eira sem nome, sem destino, sem
terra, e queimaste-os dizes-me tu, e claro que te mentia, minto-te,
porque sou incapaz de queimar palavras, talvez tivesse coragem de
queimar
(corpos?)
Mas destruir palavras, nunca, meu amor, não me
toques, por favor, deixa-me, deixa-me...
(corpos, o meu, o teu, o dele, corpos, corpos entre
imagens a preto-e-branco, janelas intactas, que depois das
tempestades, lá, estão sossegadamente lá, como o estavam antes,
como o continuaram depois, e o fotografia não é mais do que uma
janela, fixa, sem vidros e inquebrável . Queimaste-os? - baixava a
cabeça e não respondia, e pensava, como poderia queimar os teus
joelhos... - impossível queimar os teu belos joelhos, meu amor! - e
no entanto, mentia-te, dizendo-o quando não o tinha feito, e tu,
acreditaste, sempre, que todos os poemas escritos sobre os teus
joelhos, coitados, foram todos queimados numa sexta-feira, era Verão,
talvez uma tarde de Agosto, e depois, semeei as cinzas sobre a lápide
encarnada do batom que passaste a usar nos lábios, sabia-me bem, não
sei a quê, talvez – A chocolate? - não, não era a chocolate,
talvez fosse a saudade)
Deixa-me, que um dia vais perceber que dentro das
minhas imagens existem sonhos, os nossos sonhos, um dia vais perceber
que da árvore que morreu devido ao peso de um corpo, outro corpo
nascerá, - acreditarás em mim? - e outro, e outro, e outro corpo
mergulhará nas imagens que escondo dentro das minhas férteis coxas
de silêncio, tu um dia, vais
(corpos – Queimaste-os? - sim, meu amor, sim, sim,
queimei-os a todos...)
Vais, vais bater a uma porta com um pedaço de
vidro, do outro lado, alguém, mulher, homem ou criança, ou todos,
perguntar-te-ão pelos poemas escritos sobre os meus poemas, e tu,
responderás
(queimaste-os?)
Não, por favor, não me toque, meu querido, e
responderás que os tens dentro de uma caixa de cartão, melhor
dizendo, três perdidas caixas de cartão, em que numa delas, três,
talve... talvez meia dúzia de imagens, guardas, de mim, do meu
rosto, da minha pele, e
(teus joelhos)
Não, não, por favor,
E esqueci como era o teu rosto.
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Subscrever:
Mensagens (Atom)