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domingo, 7 de abril de 2019

As gaivotas de Luanda


O chão semeado de sombras,

Dentro de mim, o mar,

Descalço,

A convidar-me para brincar.

O cheiro da terra húmida,

As palmeiras envenenadas pelo silêncio,

Quando as gaivotas de Luanda, dormem na Baía…

Oiço-as.

O chão semeado de sombras,

O capim molhado com cheiro a sonho,

Sobre a terra,

Os barcos de papel da infância.

O som dos transeuntes mabecos perto da sanzala,

As crianças brincando com a tarde salgada,

Que um velho sábio trouxe do mar.

Abraço-me às mangueiras, deito-me no chão semeado de sombras,

Sonho com uma Lisboa desconhecida, onde se passeiam putas e bêbados…

Pelas avenidas escurecidas.

E, no entanto, ainda hoje, desenho no teu corpo, gaivotas.

Uma Lisboa embrulhada em cheiros e sabores,

As tasquinhas, nas paredes, o peixe frito com sabor a cebola,

O vinho misturado com a água salgada,

E as pipas parecem esconderijos de marinheiros.

As gaivotas, meu amor,

As gaivotas que desenhei nos teus seios,

Dos incêndios da minha infância…

Alucinações,

Eu, eu brincando com as galinhas da minha avó,

De calções,

Sandálias…

E sonhos.

 

E hoje, sou apenas um velho esperando a morte.

 

 

Querida Lisboa,

 

Dos enfartes que as guloseimas de uma criança, deixa sobre a terra,

 

Querida Luanda; as gaivotas dos teus braços.

 

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

07/04/2019

segunda-feira, 25 de março de 2019


Partiram, levaram o miúdo dos calões e o caixote em madeira,

Alguns tarecos, pouca coisa e fotocópias de fotografias envenenadas pelo silêncio, na algibeira, o amor, o desejo do mar, dos barcos e das coisas

Simples?

Os livros,

E das coisas sem nome,

Sombras de mangueira?

E beijos, das coisas travestidas de saudade, dos livros lidos nas entranhas do desejo, caminhávamos entre quatro círculos de luz, abraçavas-me como se abraçam os pássaros, as acácias e os pindéricos cabelos de nata,

Amanhã amo-te...

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

In “Amargos lábios do poema”

domingo, 12 de agosto de 2018

Ausências


O tempo não passa.

O tempo é uma ameaça, um rio sem nome,

Escondido na minha infância.

 

Mãe, tenho fome,

Sinto o vento na tua lápide imaginária…

No fundeado Oceano,

De pano…

 

Mãe, me aquece antes que adormeça,

E esqueça,

O telefone,

Que não me larga,

Durante a noite,

A desgraça,

 

Os ossos envenenados pelo tédio da esplanada mal iluminada,

O empregado,

Coitado,

Cansado…

Já não me atura,

Foge,

Mistura,

O tabaco com outras substâncias, folhas mortas, ausências…

 

O tempo não passa, mãe.

 

E sinto constantemente, em mim, esta miséria,

Que me alimenta,

Mente,

Como um Planeta adormecido,

Senta,

Senta em mim as sombras das tuas lágrimas.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 12/08/18

domingo, 29 de julho de 2018

Nesta casa


Nesta casa não conheço a tua pessoa,

Nesta casa despede-se a paixão das estrelas sem nome…

Como um relógio abandonado,

 

Nesta casa deixou de haver alegria,

E todas as janelas se transformaram em grandes,

Revoltadas,

Cinzentas,

 

Nesta casa habita a saudade,

Da tua pessoa,

 

Em cada final de tarde,

 

Nesta casa não conheço a tua pessoa,

Apenas sombras de papel suspensas nas paredes,

E um sorriso submerso na minha infância…

 

Em cada dia,

 

Em cada tristeza.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 29/07/18

domingo, 15 de outubro de 2017


Do amor cansaço dizem-me as persianas do amanhecer, uma gaivota gira como um pião na mão de uma criança, do amor, dizem-me, da madrugada até ao desaparecer do sol que existem árvores com perfume de sonho, que vivem castelos de orvalho na ponta dos dedos da mão da criança que brinca com o pião, do amor, sinto-a mover-se como uma enxada mergulhada na crosta sincera do infinito luar, uma nuvem diz-me que todas as ruas da tua cidade extinguiram-se como pássaros em madeira estrangeira, há uma névoa de soalho esquecido no teu peito... e

Do amor,

O mar crescido nas planícies juntamente com a névoa de soalho

Na lareira?

O amor, o corpo incendeia-se, arde, evaporam-se as cinzas húmidas dos candeeiros de halogéneo quando as despedidas acordam, dois corpos se abraçaram, três corpos fingem olhar o rio, as lágrimas de três esqueletos são cortadas com a tesoura de costura da mãe Arminda, desenhava, recortava modelos em papel, depois, depois pegava num pedaço de pano e com a ajuda das sombras esquinas dos compartimentos exíguos... construía vestidos em chita para um palhaço de areia, e a morte ficava à entrada da porta, não entrava, tinha medo do boneco em palha que funcionava como espantalho, o milho ficava a salvo das garras dos melros e restante família e das tempestades embriagadas das noites intermináveis,

Na lareira? O mar crescido inventava lábios rosados na tua boca de livro apaixonado, havia entre nós uma ponte em esparguete, calculada por mim... não resistiu aos diversos ferimentos e partiu, e nunca mais regressou, as migalhas de ti, na minha algibeira, sinto-as quando puxo o lenço, sinto-as quando ainda acredito que tenho cigarros no bolso...

Meto a mão e em vez de cigarros

Tu?

O mar inventa-te e escreve-te como se tu fosses a mulher mais bela das marés de Outono, o mar parece um espelho repartido por vários inquilinos, grita o presidente do condomínio

Quem é a favor da expulsão da inquilina do sexto esquerdo levante a mão,

Ninguém,

O presidente do condomínio triste como abelhas em dia de feriado,

E tu, tu meu menino que brincas com o pião na tua mão, és a favor ou és contra?

O miúdo...

Quero lá saber... nem de cá sou,

O mar não é meu, o mar é apenas um quinto das migalhas de ti que trago na algibeira, o amor, o corpo incendeia-se, arde, evaporam-se as cinzas húmidas dos candeeiros de halogéneo quando as despedidas acordam, dois corpos se abraçaram, três corpos fingem olhar o rio, as lágrimas de três esqueletos são cortadas com a tesoura de costura da mãe Arminda, desenhava, recortava modelos em papel, depois, depois pegava num pedaço de pano e com a ajuda das sombras esquinas dos compartimentos exíguos...

Vestia o mar com insónias de chita, o pião sentia-o.… como hei-de dizer... o pião esconde-se nas cordas e

O amor, o corpo incendeia-se, arde, evaporam-se as cinzas húmidas dos candeeiros de halogéneo quando as despedidas acordam, dois corpos se abraçaram, três corpos fingem olhar o rio, as lágrimas de três esqueletos são cortadas com a tesoura de costura da mãe Arminda, desenhava, recortava modelos em papel, depois, depois pegava num pedaço de pano e com a ajuda das sombras esquinas dos compartimentos exíguos...

(Na lareira? O mar crescido inventava lábios rosados na tua boca de livro apaixonado, havia entre nós uma ponte em esparguete, calculada por mim... não resistiu aos diversos ferimentos e partiu, e nunca mais regressou, as migalhas de ti, na minha algibeira, sinto-as quando puxo o lenço, sinto-as quando ainda acredito que tenho cigarros no bolso...

Meto a mão e em vez de cigarros)

Engraçadinha,

Que mais fará plopque...

O portátil pifou,

Engraçadinha,

Meto a mão e em vez de cigarros

Tu?

Adormecias nos meus braços...

 

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

domingo, 9 de julho de 2017

Sonho desmiolado


Onde adormece o corpo que desapareceu na madrugada!

Estou aqui,

Sentado à lareira,

Estou aqui escrevendo palavras para queimar na lareira…

Antes de adormecer,

Estou aqui,

Esperando que regresse o sonho da clandestina noite sem escuridão,

Aqui…

Aqui me encontras, todos os dias, e todas as noites,

Perdi o barco da infância,

Perdi a terra húmida de quando criança,

Aqui,

Aqui me encontro, à tua espera, sonho desmiolado,

Aqui sentado,

Aqui me encontras,

Sonolento dia sem alvorada,

Estou aqui,

Todos os dias, e todas as horas,

Aqui me encontras, aqui me encontras antes de morrer,

Todos os dias,

Todas as noites…

A todas as horas.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 9 de Julho de 2017

quinta-feira, 22 de junho de 2017

Cansaço


Canso-me das tuas palavras, meu amor,

Canso-me do teu sorriso… quando sou alicerçado aos rochedos e na minha vida não existem sorrisos,

Canso-me do teu olhar, meu amor… quando regressa a noite e odeio um simples olhar,

Canso-me da riqueza e da beleza das coisas… mesmo as mais belas,

Canso-me da tua sombra quando o orvalho rompe pela manhã e nas tuas mãos trazes o lenço da saudade,

Canso-me de mim, meu amor,

Canso-me dos meus poemas, meu amor… quando os meus poemas são apenas palavras desconexas e perdidas no vento,

Canso-me do silêncio, meu amor… quando amo a trovoada e a chuva de Verão,

Canso-me dos rios e dos montes,

Canso-me do mar e da infância…

Canso-me tanto, meu amor…

Canso-me tanto, meu amor.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 22 de Junho de 2017

quarta-feira, 1 de junho de 2016

o ausentado


a metrópole sofre

chora e engana

todos aqueles que partem

a gente acostuma-se à ausência do corpo

na neblina incendiada pela escuridão

um vulto de luz…

caminha na minha direcção

pergunta-me pelo ausentado

o coitado

que partiu…

que partiu sem deixar rasto

ou migalhas no silêncio

e eu

preocupado

respondo-lhe…

não sei do coitado

ausentado

mas sei que ele partiu

numa noite embriagada de palavras

ruídos alguns…

e a madrugada sem a ver

a metrópole sofre

chora e engana

resigna-se apenas a um simples bilhete abandonado na porta de entrada

esqueço-me

perco-me

e eu

preocupado

sangrando sílabas

porque um dia

o coitado

do ausentado

partiu… e nunca mais foi encontrado

 

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 1 de Junho de 2016

sexta-feira, 20 de maio de 2016

Ausência


Cessou a saudade. Sinto o peso da noite sobre os ombros,

Uma coisa inexplicável,

Sofrível,

Cessou a saudade repentinamente,

Como o calafrio do desejo…

Na incandescente manhã desassossegada,

O término.

Segundo as previsões astrológicas…

Nunca deveria ter nascido,

Mas quis um Domingo que eu olhasse pela primeira vez o mar…

Distante, mas enraizado nos meus braços,

Como a barcaça do sofrimento,

Anos mais tarde,

Encalhada nos rochedos da montanha,

E sentia no corpo a ausência,

Tão pobre este destino…

De ser criança…

De ser menino.

 

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 20 de Maio de 2016

sexta-feira, 13 de maio de 2016

Os dias travestidos de saudade


Os meus dias desiguais,

Penosas manhãs de incenso

Suspensas na umbreira do silêncio,

A ânsia de estar só,

Quando um intruso aparece dentro de mim

E me transporta para o desejo,

Fico triste,

Levito na insignificante toalha de vidro que poisa sobre a noite,

Os meus dias travestidos de saudade,

O vício infestado de insectos

Que deambulam nos meus ossos,

A idade surpreende-me,

Ausenta-se do meu corpo,

Alimento as roldanas do cansaço

Com as palavras que não escrevo,

Porque tenho medo das palavras,

Porque tenho medo de escrever…

Sentir em meu redor os barcos da infância

Em pequenos passeios no lago,

Sentir na minha mão a ferrugem do sonho

Que habita o meu corpo,

Sentir na minha mão os fragmentos do sono

Que habitam o meu olhar,

Dizer que te amo é pura falsidade,

Não amo,

Não quero ser amado…

Apenas quero dormir descansado.

 

 

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 13 de Maio de 2016

domingo, 1 de maio de 2016

Caixotes de recordações


(à minha mãe)

 

Sou um marinheiro sem barco nem porto onde aportar.

Trago comigo a âncora da solidão cravada no coração,

Trago comigo a ausência do destino abandonado,

Sinto-me um velho encravado nas estrelas,

Pegando num livro de um poeta morto; todos os meus poetas morreram…

E pertencem agora aos meus sonhos.

Sou um verdadeiro falso,

Um falso feliz caminhando junto ao Douro,

Descendo os socalcos do teu corpo,

Encurvados na paisagem abstracta do silêncio,

Sou um privilegiado,

Tenho o dia e a noite,

Doce paixão dos mares amargurados,

Dos barcos apaixonados,

Como eu,

Apaixonado pelas tuas palavras,

Não vás.

Tenho nas veias o rio da morte,

A insónia saboreando o suspiro da noite,

Sofro tanto… meu querido,

Os apitos junto ao mar,

Eu menino agachado nas saias da minha mãe,

Via a cidade escurecer,

Desaparecer,

E morrer,

Apenas caixotes de recordações,

E o beijo da minha mãe,

Sou um marinheiro da madrugada,

Um sifilítico cadáver do desejo,

Nos teus braços,

Mãe,

As fotografias dos negros rostos da nossa infância,

As palmeiras que incendiavam o teu amor,

Junto à baía,

Os gritos das serpentes que deixamos nos quintais das outras brincadeiras,

Os pássaros, mãe, os pássaros,

Junto à janela!

 

 

Francisco Luís Fontinha

1 de Maio de 2016

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

O falso louco


Amar o falso louco

Quando da noite regressam os comboios da saudade

Imprimir as rugas da infância

No pedaço de terra encharcada de silêncio

Depois de acordar a madrugada

Amar o falso louco

Quando do louco nada sobressai nas tardes de uma cidade abandonada…

Sem transeuntes para conversar

Sem transeuntes para brincar

Deito-me sobre as pedras afiadas do desejo

Invento crianças nas minhas brincadeiras

Desenho círculos na areia

Antes que o mar os apague

E novos círculos são desenhados por outros falsos loucos

Como eu…

Como nós.

 

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 29 de Fevereiro de 2016

sábado, 27 de fevereiro de 2016

Os aviões da infância


Sentiria o corpo voar

Se não fossem as tuas mãos,

Chegou o momento de cortar todas as amarras,

Sentir a liberdade das palavras nos meus lábios…

Sentir a vontade dos beijos nos meus poemas,

Zarpar em direcção ao nada,

E com o nada digo tudo

Que com o tudo nada digo,

Inventar em mim os aviões da infância

E as coloridas paredes de uma casa abandonada,

Sentiria o corpo voar…

Se não fossem as tuas mãos,

A tua boca,

O teu perfume disfarçado de noite

Antes de regressar a morte,

Sentiria o corpo

Não sentindo o peso da atmosfera alicerçada nos meus ossos de papel,

Não sentido a madrugada suspensa no cortinado…

E lá fora

Os gemidos nocturnos dos incêndios de veludo,

Ir

Caminhar sobre as pedras esquecidas pela tempestade,

Comer os livros ainda não lidos

Porque estão mortos sobre a minha secretária,

Sentiria

Se não fossem as tuas mãos

O peso da lua,

Sentiria a claridade do sofrimento

A cada dia percorrido,

A momento desperdiçado escrevendo-te…

Sem sucesso,

Amar-te sem amar

Sentir sem sentir o esplendor do amanhecer,

Às vezes, pareço um menino em busca de uma praia

Com areia branca,

Às vezes, pareço um pedaço de aço atracado a um qualquer porto de mar…

E sentiria

As tuas mãos

No meu peito

Ao despedir-se a tarde.

 

Francisco Luís Fontinha

sábado, 27 de Fevereiro de 2016

sábado, 23 de janeiro de 2016

No peito uma flecha de sémen rodopiando no gelo do ringue de patinagem...

Sim, tu, mãe,
Quando dizias que aos três anos de idade já voava...
Eles chegaram, o caixão ainda cheirava à tinta fresca da manhã, brincava um silêncio de olhos verdes no vão de escada,
Foder num vão escada, como fodem todas as palavras do poema...
Sabíamos que o corpo não pertencia às nossas vidas,
Clandestino, eréctil nas disciplinas do abismo, o poema esfomeado esperando o amante suicidado,
amanhã, amanhã nascerá um cansaço de medo no afastamento dos círculos das cidades embriagadas,
Sem iluminação, sem mulheres ou bares para combater a distracção, uns panfletos expostos na parede xistosa,
Há Tripas,
O caixão dançava no centro da sala de estar,
Confesso,
Nunca tinha assistido à dança de um caixão...
Já imaginaram o dançar de um caixão?
Há tripas e...
Moelas,
A aldeia padece de claridade, existem fios de escuridão nos telhados cansados das palhotas de algodão,
Enigmático, eu?
Nunca tinha assistido à dança de um caixão...
Já imaginaram o dançar de um caixão?
Há tripas e...
Moelas,
E palavras sem coração, sentia-me embriagado nas mãos do amanhecer, sentia-me um miúdo encostado à sonolência da idade,
A aldeia em chamas, os campos esbranquiçados na tela do desejo imaginavam canções de moluscos e alguns grãos de areia,
O desenho teu na cidade dos alicerces alienados, os bares em combustão, as miúdas dançando canções de solidão,
Amas-me?
Que não,
Que a arte vive e vai morrer no teu olhar,
Ouves-me?
E palavras sem coração, avenidas nuas, travestidas de machimbombos reumáticos voando sobre a cidade, eu... eu... adormecia,
Inventava beijos nos teus braços, a minha primeira paixão, imaginava-te uma flor triste e cansada, nos circos ambulantes da saudade,
Os sete orgasmos do Mussulo, a liberdade sobre as palmeiras invisíveis que me atormentavam, como campânulas de sofrimento, ao deitar, o caixão que dançava deixou de o fazer, dificuldades com o cachê, dispensa de artistas e cadáveres de cera, um altar recheado de almas, tantas almas como os versos do sem-abrigo quando sentado numa cadeira apodrecida de um circo ambulante,
Quero ser artista, mãe!
Nem penses..., nem... penses...
Filho meu não é artista!
Nunca,
Nunca, mãe?
Os sete, juntos, e sós, no Mussulo era mais barato, a saia descaída, o soutien desenhado no peito
E...
Nunca, mãe?
Nunca,
Nunca
No peito uma flecha de sémen rodopiando no gelo do ringue de patinagem... o belo, a dança... e o corpo em pequenas rotações...
Os teus lábios acorrentados aos meus beijos embriagados pelo desejo, não o sinto, o vulcão da tua pele, não vejo o sorriso da tua mão, em vulcão, mergulhada nas palavras que o silêncio desenha na melancolia,
É falso,
O dia disfarçado de lápide, os outros destinos rejeitados pelo cacimbo, há uma fogueira no corpo da sinfonia do amor,
É falso,
O falso prazer, a liberdade to TEXAS e Cais do Sodré gingavam na penumbra salgada do abismo,
O querido dança?
Fumo,
É falso,
São falsas, os textos a beleza e o amar, quando o amar pertence aos clandestinos eternos sonos dos Narcisos de prata, o pilar central do orgasmo mergulhada entre duas árvores,
Amar, amor,
Ao fundo os homens calcetando labaredas em poesia adormecida... é falso, que o amor morra nas planícies salgas do deserto...
Os outros, o monstro das quatro cabeças brincando dentro de mim, saltava à corda, subia aos pinheiros pintados em papel cenário..., e havia sempre um pigmentado sorriso nos seus lábios, era Sexta-feira, daquelas Sextas-feiras que iluminam as imagens a preto e branco, o sono, a agonia de olhar o mar desenhado numa das paredes do quarto, escuro, ainda boiava a noite nas veias da adrenalina constelação do amor, aquele amor inventado apenas para adormecer na poesia, nada mais do que isso...
Isso o quê, meu amor!
Os outros, o monstro
Batem à porta,
Livros, livros nas mãos cardume do carteiro, assine aqui se faz favor, assinei, foi-se embora, escondido no arvoredo comecei a acariciar o envelope, lá dentro percebia-se que alguém existia para me abraçar, daqueles abraços trigonométricos, sabes?
Sei, os outros, o monstro, a perfeita nostalgia, sebes de papel laminado voando sobre o jardim
O gajo passou-se, dizem...
Que sim, livros, Isso o quê, meu amor! Batem à porta, e falou comigo,
Beijou-me literariamente, sorri, levantei o olhar em direcção às palavras de amar, não tive coragem de abraçá-la com as vogais e as consoantes do poema, alegremente imaginava-me um transeunte sem identidade, nos sonhos aparecias vestida de melancolia, as fotocópias e as fotografias, sem identidade, nome, palavras de amar
Amanhã?
Não o sei, percebi que as pálpebras do desejo habitavam nos nossos corpos de cinza, perdia-me nos teus braços como se perdem as gaivotas nos cacilheiros da saudade, palavras, palavras enigmáticas em construção, o corpo minguava na escuridão, o monstro das quatro cabeças dançando nos meus ombros, sentia-me uma circunferência sem olhar, sem.… sem um corpo para aportar, a saudade
Sentidas,
Os tristes silêncios da minha infância saltando os muros da Primavera, as amendoeiras em flor, as andorinhas apaixonadas, e eu
Sentidas,
A saudade que os meus braços abraçavam,
Saudade?
Caminhei sobre as pedras sonolentas da literatura, cansei-me dos teus poemas e da “merda” dos teus desenhos,
Sentidas?
Sem identidade...
Podíamos ancorar a estes versos, permanecermos impávidos das celestes lágrimas do Universo, Saudade? Caminhei, sentei-me sobre as quatro sombras da preguiça, sofri, sonhei, aprendi que o amor é um cubículo sem janelas,
Junto ao mar,
É tão lindo, o mar, mãe...
Os barcos e as jangadas de silêncio, os embriagados corpos dançando no texto, encerra-se o livro, e morre o escritor,
Um poema...
Palavras, sons, imagens, barcos, marés... sucata amaldiçoada pela fresta do luar, a astronomia e a matemática, dormem, saciam-se nas metáforas da insónia, corpos, nus, entre eles... o sexo desenhado em cada esquina, a porta do quarto rangia, gemia, e sabíamos que ninguém nos ouvia,
Orgia?
De palavras e de poesia,
Um poema?
Negro, opaco, sem corpo nem cabelo, morto, fictício..., mas pouco, pouco, como os dias à tua espera...
O fugitivo regressa, aparece disfarçado de pássaro, não voa, deixou de voar, sonhar, deixou de viver, e de construir castelos de areia junto ao mar, quando dizias que aos três anos de idade já voava...
Eles chegaram, o caixão ainda cheirava à tinta fresca da manhã, brincava um silêncio de olhos verdes no vão de escada,
Foder num vão escada, como fodem todas as palavras do poema...
Sabíamos que o corpo não pertencia às nossas vidas, e o fugitivo sem regressar aos nossos lençóis de sémen foragido, sem pátria, destino
A porta de entrada encerrada,
Janelas ainda não tinham acordado,
Destino, viver dentro de duas folhas brancas com olhos verdes, um círculo, o Sol, a Lua, o vazio do corpo na alvorada clandestina, fria, fria e amarga,
A porta
Deus, criador de tudo e de todos, a porta gaguejando, rangiam os biombos da literatura quando imaginava o mar na parede da biblioteca,
Apetecia-me
Queimar todos os livros, meus, desenhos, vozes, corpos de insectos e rosas embalsamadas, queimar as fotocópias e os fósforos da insónia, beijar-te e olhar-te
A mim?
A porta entranhada entre dois segundos, as lâmpadas lá de casa todas fundidas, sós, escuras, como a humidade das palavras enquanto pessoas, nenhumas... monstras, vazio, a astronomia do ciúme suspensa num cabo de aço, Rua da Nossa Senhora..., Não está, hoje,
O Doutor, a secretária do Doutor, e a porta, envergonhada como eu, porque hoje não houve madrugada, porque hoje morrem as palavras...
(cansei-me, vou deixar de escrever durante uns tempos e de frequentar as redes sociais, cansei-me e apetece-me ouvir Wordsong... embrulhar-me nos sons das palavras... e imaginar AL Berto voando junto ao Tejo. Vou ler muito mais e dedicar-me ao desenho)
Mãe, como é o mar?
Lençóis de espuma, meu filho, silêncios de sombras poisadas numa tela virgem, aos poucos reaparecem as palavras e os riscos, a arte de amar e de navegar num beijo invisível, sem imagens, sem noite para chorar, as ruas completamente indiferentes às minhas tristezas, as cintilações dos versos descendo os socalcos imaginados pelas tuas brincadeiras de menino,
Fui menino, mãe?
Cansei-me das palavras,
Escrita... nunca,
Mais
Amanhã restará uma única sílaba ao acordar, o espelho
Mais nada a acrescentar aos teus desejos, meu filho...
 
 
Francisco Luís Fontinha – Alijó
In- Amargos lábios do Poema
sábado, 23 de Janeiro de 2016