terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Perdão

 Abraço-me a este rio ensonado,

Olho as montanhas do teu olhar,

Sento-me neste socalco abandonado…

À espera de que a lua me venha resgatar,

 

E se a lua me levar,

Deito fora a tristeza

E todo o silêncio do mar,

Abraço-me a este rio de enorme beleza,

 

E cruzo os braços no meu silenciar,

Acendo este cigarro invisível e inventado…

Que o meu corpo vai matar,

 

E se eu morrer nos lábios deste cigarro assassino,

Deste maldito cigarro envenenado,

Peço a Deus o perdão… que perdoe este pobre menino.

 

 

 

 

Alijó, 31/01/2023

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Díodo de zener

 Somos servomotores

Em dentadas rodas,

Temos nas mãos rotores,

Em passo motores,

Correias,

Correntes,

Vidas passadas

E vidas presentes,

 

Díodos de zener,

Amplificadores,

Montes e ventoinhas

E grandes amores,

 

Somos motores,

Suspensão,

Vielas e supositórios…

 

Tudo o que o senhor doutor queira…

 

Em todo o caso,

Pega-se num circuito integrado,

Uma pobre espingarda apaixonada,

Depois…

Lá vem a merda do silêncio

E da madrugada

E mais nada,

 

Controladores,

Drivers,

Cabelo cortado,

E quando damos conta,

Uma pobre chapa em zinco,

Foge,

Corre,

Desce do telhado,

E senta-se junto ao rio,

 

Porra – que frio,

 

E para quê tudo isto,

Se amar uma mulher é mais fácil de que construir uma ponte,

Uma cabeça zangada,

Um triste monte,

Aquele monte das árvores alegres,

 

O motor roda,

A roda fode a cabeça ao mecânico

Que coloca o motor no caixão,

(o caixão da pedrada)

O caixão fecha-se,

Deita-se,

E morre,

 

E o mecânico,

Num ápice,

À dentada,

 

Corta os fios eléctricos da alvorada,

A cachopa geme de desejo,

E do desejo,

Uma volta completa,

Deste e daquele servomotor,

 

E fodidos estão,

Todos aqueles que pensam que o díodo de zener

Não serve de apelido ao menino;

A senhora professor grita

- Menino zener,

E quando a professora gritava,

Eu, o coitado dos calções,

Apanhava mais porrada,

Do meu pai não, porque era um bacano…

Mas ficava com os cornos a arder

Com as chapadas da minha mãe,

 

E quando a minha querida mãe me perguntava

- Menino dos calções, correu bem a escola?

Eu respondia que sim,

Pois claro,

Porque mentir para mim

Significava o perdão de uma carga de porrada,

 

E assim eu me librava.

 

 

 

 

Alijó, 30/01/2023

Francisco Luís Fontinha

domingo, 29 de janeiro de 2023

Destino menino

 Um pedaço de mim,

É o vento que vagueia sobre o mar,

Outro pedacinho,

Muito mais pequeno de que o pedaço que vagueia sobre o mar,

Que também me pertence,

Dorme nos lábios do luar,

 

Numa das mãos, na minha mão esquerda,

Brinca uma criança mimada…

Na minha outra mão,

Cresce uma flor,

Em papel crepe,

 

E se eu pedir à madrugada

As palavras semeadas,

A madrugada não me dará nada,

 

Pelo contrário,

A madrugada dar-me-á as palavras envenenadas,

Que da minha mão esquerda,

A criança mimada,

Lança ao meu olhar,

 

Um pedaço de mim,

É xisto que dança nos socalcos do Douro adormecido,

Um pedaço,

Um pedaço de mim…

Que eu transportava sobre o meu corpo dorido,

 

Agora, em todos os meus pedacinhos,

Há um rio rectilíneo,

Sem curvas,

Sem medo…

O medo do destino,

De ser o eterno menino.

 

 

 

Alijó, 29/01/2023

Francisco Luís Fontinha

Sorriso

 No sorriso de uma criança

Cresce uma flor imaginária,

Invisível como a lua em dias de silêncio,

Que conta estórias em pedacinhos de mar…

 

Do sorriso de uma criança,

De todas as crianças,

Acorda o sol desenhado por Deus,

 

No sorriso de uma criança,

Brincam as manhãs…

Todas as manhãs,

Que uma criança,

Transporta no olhar.

 

 

 

 

Alijó, 29/01/2023

Francisco Luís Fontinha

sábado, 28 de janeiro de 2023

Palavras semeadas

 Traz o sono a esta lareira,

Traz nos teus lábios os incêndios da madrugada,

Traz as palavras para eu semear…

Semear nesta terra queimada,

 

Traz a tua mão,

A mão que o meu rosto vai acariciar,

Traz a lua

E a filha da lua

E o deslumbrante luar,

 

Traz-me os livros que escrevi,

Para escrever nos teus lábios,

Traz o sono a esta lareira

E todos os poemas,

E todas as estrelas

E todas as savanas,

 

Traz-me todos os rios,

Todos os mares…

Traz-me as árvores

E os pássaros de cantar,

Traz-me a chuva,

E faz com que as nuvens parem de chorar.

 

 

 

 

Alijó, 28/01/2023

Francisco Luís Fontinha

Um outro lugar

 Às vezes, era o vento que nos tombava,

Outras vezes,

Era a chuva que iluminava os nossos olhares,

Às vezes, sentíamos uma voz que nos chamava,

E de tantas vezes, as outras vezes,

Éramos tempestade na revolta dos mares,

 

Às vezes, escrevíamos na terra enlameada,

Às vezes, sonhávamos com o luar,

E das tantas vezes que esquecemos a madrugada…

Havia sempre um pequeno lugar,

 

Um pequeno lugar sem nome,

Um lugar que às vezes, das vezes,

Nos dava tanta fome,

 

E não era a fome do pão, meu Deus…

 

Porque às vezes, não tínhamos no peito um coração,

Uma bomba perfeita,

Quase sempre tínhamos na mão,

Na nossa pequena mão…

Uma lágrima desfeita.

 

 

 

 

Alijó, 28/01/2023

Francisco Luís Fontinha

A dança dos loucos

 Dançam os loucos nas tuas mãos,

Sonham os loucos,

Em teu doce olhar,

 

Cantam,

Os loucos,

Aqueles que dançam,

Aqueles que choram,

Aqueles que amam o mar…

 

Pintam os loucos os teus lábios

De pinceladas nuvens de alegria,

Entre palavras,

Entre a poesia,

 

Em cada noite,

Em cada dia.

 

 

 

 

Alijó, 28/01/2023

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Meu Deus das vezes

 Às vezes, é o sol que se esconde,

Às vezes, é o rio que fica ensonado,

Às vezes, são as nuvens que poisam sobre as árvores,

Das vezes,

Que às vezes,

O sono nos transporta,

 

Às vezes, o silêncio é alegria,

Outras,

É a alegria que se transforma em silêncio,

 

Às vezes, fico por aqui,

Outras,

Outras ando por aí…

 

E de tantas vezes,

Da minha vida,

Muitas vezes,

Por vezes…

Das vezes que caí,

 

Às vezes, tombava no pavimento,

Às vezes, tombava sobre as outras vezes,

Que às vezes,

Muitas vezes,

Me deixaram sem alimento,

 

E quantas vezes,

Meu Deus das vezes…

 

Queria o pão,

Que por vezes,

O transformava em pequenas vezes;

Nas vezes em solidão.

 

 

 

 

Bragança, 27/01/2023

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Um palco e cinco milhões

 


Quanto à construção do palco para as JMJ, apenas lamento que sejam os contribuintes a pagar.

Ao que parece, a organização solicitou que o referido palco tivesse a capacidade para 2.000 pessoas.

Sendo Portugal um estado laico, e pertencendo o evento à igreja Católica, deveria ser esta a pagar.

Não tenho religião nem tenho nada contra as religiões. Cada um é livre de acreditar no que quer e bem entende.

Mas quando nos dizem que não há dinheiro para a educação, para a saúde, justiça… é uma afronta gastar-se quase 5.000.000€.

Depois vêm com o discurso que servirá para outros eventos; talvez como servem os estádios de futebol construídos para o Euro e que estão fechados e sem manutenção, e alguns deles, elefantes brancos para as autarquias onde foram edificados.

O País não tem dinheiro para umas coisas, mas para outras, o dinheiro sempre aparece…

Precise um banco de dinheiro!

Paixão das máquinas

 Das engrenagens da vida,

As correntes,

Correias,

Parafusos de pressão,

 

Esta mão,

Nesta pequena mão,

 

Rolamentos apaixonados,

Casquilhos,

Vedantes,

Meu Deus…

 

Transmissões,

Quando do vento,

Recebo do teu olhar,

O sol,

A paixão,

 

Tudo isto eu sinto,

De tudo isto me alimento,

Óleos,

Rodas dentadas,

Enquanto no teu sorriso…

Do teu olhar…

Vêm a mim as alegres madrugadas.

 

 

 

 

Alijó, 26/01/2023

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Os lírios do teu olhar

 

No lírio cansado do teu olhar

Partem-se as amarras da paixão,

Desejas sem o desejar,

Desejar um barco no mar,

Do mar teu coração,

 

No lírio desejo dos teus doces lábios de mel,

Quando acorda a manhã ensonada…

Escrevo, desenho… invento palavras neste pobre papel,

Quando a insónia se despede da madrugada,

 

No lírio cansado do teu olhar

Há palavras de escrever,

Há palavras de beijar…

E há sonhos de encantar.

 

 

Alijó, 25/01/2023

Francisco Luís Fontinha

O jardim dos teus lábios

 

Rega o teu jardim

Com as lágrimas dos teus lábios,

Beija as flores do teu jardim

Com o sorriso do teu olhar,

Abraça as flores do teu jardim

Com o perfume do teu cabelo,

 

Abre a janela do teu peito

E deixa entrar o mar;

O mar dos teus lábios…

 

 

Alijó, 25/01/2023

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 24 de janeiro de 2023


 Há prendas de aniversário que nunca se esquecem.

Doces lábios de mel

Desejo-te e abraço-me aos teus doces lábios de mel, no teu peito, procuro a manhã que o silêncio da noite deixou ficar nas amarras do destino, foges-me durante o sono, em pequenos pesadelos que as estrelas beijam, nesta pobre cidade, com o rio nas suas mãos, onde circula livremente a paixão.

Escrevo,

Cartas sem destinatário na ânsia que dos teus doces lábios de mel acordem as palavras envenenadas, nas palavras em desejo, quando o mar te abraça e ao meu ouvido regressa o sussurro ciciar dos gemidos em luar.

Um grito, dentro de mim.

Olho-te e confundo-te com a lua; há nesta pirâmide em desejo as primeiras lágrimas da madrugada, lágrimas que aos poucos se vestem de sol, e a alegria grita no meu destino.

Desejo-te e abraço-me,

Canções que me cantavas e eu trocava o sono por pensamentos, canções de menino, quando uma criança poisa nas abelhas em flor, e tudo isto, numa simples carta, sem destino, remetente, cidade ou País,

Tanto faz,

Um dia voarei na lâminas cinzentas das sanzalas sombreadas pelo fogo do desejo, gemes, oiço-te na penumbra noite dos musseques há muito assassinados por um papagaio em papel, amarras entre ossos e pedaços de silêncio, quando a carta que escrevo, sem destinatário, sem remetente, se abre ao acordar da noite.

A noite deixou de me pertencer.

A noite pertence às lágrimas de uma criança; tão triste, quando nos olhos de uma criança brincam lágrimas em papel flor.

Tão triste, quando no rosto de uma criança habitam lágrimas de fome, quando na peste das palavras, de quase todas as palavras, uma criança tem no rosto as tristes manhãs de Inverno.

As viagens intermináveis do espelho sonolento que a paixão constrói nos olhos do mar, e dos teus doces lábios de mel, sinto o frio areal que os teus cabelos semeiam, semeiam em mim o desejo de voar,

Neste fogo de suspiros que se encostam aos umbrais da ferrugem tarde, vejo o meu barco em cartolina, em pequenos círculos de sono, quando a noite nos leva, sobem até às nuvens coloridas de um coração,

Um pequeno crepúsculo, que se esconde nos teus olhos.

E os teus doces lábios de mel deixaram de pertencer à noite; agora, são os meus doces lábios de mel.

Trago na mão o sol, trago na mão a espada com que vou cortar a tristeza e a solidão, até que um dia, um dia…

Dos teus doces lábios de mel,

Uma criança,

Desenhe na terra o sorriso da lua.

Pensava eu, enquanto dormia abraçado aos teus doces lábios de mel.

 

 

 

Alijó, 24/01/2024

Francisco Luís Fontinha

(ficção)

Asas salgadas

 O mar levou-lhe a tempestade

Dos dias mergulhados nas marés de insónia,

Todos os peixes,

Todos os pássaros,

Erguem-se nas mãos de Deus,

 

E há um sorriso desenhado

Sobre o fim de tarde

Junto à sombra do menino dos calções,

O mar levou-lhe a tempestade,

E da janela

 

Fogem as flores do jardim nocturno da solidão,

O mar levou-lhe a tempestade

E a solidão dos dias,

E hoje o mar é um cemitério

De sombras,

 

Depois,

No espelho da ausência,

Um gesto de carinho abraça-o,

Toca-lhe o rosto

E da voz acordaram as lindas tardes de Primavera;

 

São lindas as estrelas em papel

Suspensas no tecto de uma alcofa,

O menino dos calções, hoje, sorri… brinca,

E aos poucos semeia na terra

As palavras em pedaços de silêncio, enquanto não acorda o novo dia.

 

 

 

 

 

Alijó, 24/01/2023

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

Sucata

 Hoje, não recebi o teu beijo ao acordar,

Hoje, às sete e trinta horas da manhã,

Percebi que mais um ano passou…

E deixaste de fazer escala no meu rosto,

 

Aos poucos,

Este corpo que transporto,

Transforma-se em barco nos braços da sucata,

 

E outro barco acordará,

E outro barco novamente sucata;

 

Somos sucata.

 

 

 

 

Alijó, 23/01/2023

Francisco Luís Fontinha

domingo, 22 de janeiro de 2023

Olhos de mel

 Nos teus olhos,

Madrugada sem nome,

Quando me tocas

E sinto o rio da paixão que brinca no meu peito,

 

Quando me tocas

E poisas sobre mim,

As estrelas dos teus lábios,

E deixas ficar no meu corpo

A alvorada nas mãos de uma criança,

 

E nos teus olhos,

Quão luar das noites de insónia,

O primeiro beijo…

No beijo dos teus olhos de mel.

 

 

 

 

Alijó, 22/01/2023

Francisco Luís Fontinha

sábado, 21 de janeiro de 2023

Veleiro

 Encosto a cabeça à tua pele envenenada

Quando nos olhos de uma ribeira

A tua mão aquece as primeiras lágrimas da manhã,

Sento-me na tua mão

E escrevo todo o teu corpo

Com as palavras que a ribeira me segredou,

 

Sobre mim

Tenho as pedras cinzentas dos edifícios em ruínas

Ossos de betão

Cansados de serem as sombras dos corredores de vidro,

 

À janela,

Os teus seios mergulhados nos meus lábios…

Perfumados poemas

Que se destroem no teu púbis,

 

Encosto a cabeça

Ao teu cabelo de argila

Que na água fria,

Durante a noite,

Insemina o meu destino,

O destino de ser um veleiro dentro da tempestade,

 

Um veleiro com asas

Que voa sobre o derramado sémen

Na boca de um pedaço de silêncio

Em busca do amanhecer,

 

Encosto a cabeça à tua pele envenenada

Quando nos olhos de uma ribeira,

 

Os meus olhos se abraçam.

 

 

 

 

Alijó, 21/01/2023

Francisco Luís Fontinha