quarta-feira, 10 de agosto de 2022
domingo, 7 de agosto de 2022
Do silêncio voar
Ergue-te do silêncio de voar,
Ergue-te das palavras que
semeias
No corpo da tua amada;
Ergue-te das sombras da
madrugada
E das marés onde vagueias…
Ergue-te, ergue-te do
sorriso mar.
Ergue-te das planícies de
adormecer,
Ergue-te da noite e do
luar
E das estrelas cansadas,
Ergue-te das tristes madrugadas
Onde escreves as palavras
de amar…
Ergue-te enquanto o amor
viver.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 07/08/2022
sábado, 6 de agosto de 2022
Da saudade os abraços teus
Se me morres
Eu morro de saudade,
Se partires
Eu voo em direcção ao
mar,
Se olhares o luar
Eu escrevo no teu corpo
de bálsamo adormecido,
E se me abraçares…
Bom…
Eu finjo ter morrido.
Se me morres
Eu desenho na tua sombra
O infinito adormecer,
Se me beijares
Eu serei o teu poeta das
manhãs envenenadas pelo silêncio…
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 06/08/2022
quinta-feira, 4 de agosto de 2022
O arco-íris dos peixes
Tão triste,
As paisagens que poisam
na tua mão e desconhecem as palavras da madrugada; tão triste, quando percebo
que no teu olhar habitam as primeiras chuvas invisíveis das noites escondidas
pelas nuvens em poesia,
E do teu sorriso, a
tristeza dos Invernos quando descia pelas sombras do amanhecer a penugem manhã,
quando sabíamos que lá fora, junto ao rio, existiam as palavras desenhadas pela
tua mão cansada, existiam as palavras inventadas pela tua boca sonolenta e, no
entanto, as cinzas dos teus ossos vagueavam pelo corredor apilhado de livros,
revistas e vinis…, tão triste, mãe,
As músicas envenenadas nas
telas desmaiadas, as palavras cintilantes dos vinhedos sombreados, tão triste,
mãe
As paisagens.
Que poisam na tua mão e
desconhecem as palavras da madrugada, tão triste, a masturbação intelectual dos
pássaros, tão triste mãe,
A morte,
Quando vínhamos das
silenciadas montanhas e não sabíamos que sobre as árvores, e não sabíamos que
junto à lua, tão triste, mãe,
Viviam todas as cores do arco-íris
e que todos os peixes sofriam nas tuas lágrimas. O poema, aos poucos,
suicidava-se nos teus cabelos, mas do outro lado da rua, pertinho da pequena
árvore da solidão, brincavam os meninos de papel que ainda ontem eram apenas
cadernos quadriculados,
Tão triste, mãe,
O vento quando se enforca
nas árvores, tão triste,
O pai não saber voar.
E quando poisavam na tua
mão, desconheciam as palavras da madrugada, tão triste, a masturbação
intelectual dos pássaros, tão triste, mãe, as tristes madrugadas de insónia,
Porque eramos apenas
invenção do sono.
Do rio, os barcos
cinzentos das esplanadas avançavam contras os rochedos e ouvíamos as palavras
das pequenas pirâmides de areia. A maré, entre saudades e sonos trocados,
estacionava-se juntinho á tua lápide…
Até que o rio desparecia
no horizonte. Tão triste, mãe
Quando um filho pinta as
lágrimas da noite nas pequenas vidraças da saudade.
Assim sendo, que chova e
te leve até ao distante luar; tão triste, as palavras inventadas pela tua boca.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 04/08/2022
quarta-feira, 3 de agosto de 2022
O zincado medo das sanzalas de prata
Finíssimas lâminas de luz
atravessavam o teu corpo habitado pelas gotículas incineradas que a madrugada
poisava e num ápice silencioso, à velocidade do desejo, voavam depois sobre as
marés lindas de Inverno; um barco apaixonado rodopiava nos teus seios que da
tela acabada de acordar, pincelada pela noite anterior, escrevia na fina areia
da saudade…
Amo-te.
Amo-te, não percebendo o
infame desejo que nas mãos do artista vive a insónia construída de luz e fogo.
Não sabíamos que nos candeeiros a petróleo que brincavam no atelier, alguns
deles, perfeitos anormais, existiam as cansadas estrelas da alvorada, quando lá
longe, alguém pestanejava ao silêncio teu corpo quando ainda menino, inventava
corridas á volta da lareira.
Tínhamos a fome do desejo
e a dor do prazer; as palavras desciam pela tua pele como se fossem pedacinhos
de chuva sobre o zincado medo das sanzalas de prata, e mesmo assim, amavas-me,
e mesmo assim, tínhamos entre mãos todos os poemas da cidade.
Pincelada pela noite
anterior, escrevia na fina areia da saudade os gemidos magnânimos dos pássaros
em cio, quando sabíamos que um dia a saudade seria apenas algumas folhas em
papel, cansadas pelas tempestades dos tristes sorrisos de Primavera, distantes
dos infelizes abraços que a noite transportava para o rio.
Amanhã, a sanzala grita
Das lágrimas invisíveis
dos tons de oiro que poisavam no teu cabelo, percebia-se que a cidade
fervilhava como fervilham os sexos junto ao mar, assim que acordávamos,
ouvíamos os belos socalcos do Doiro, entre rabelos e sombras de enxada nas mãos
calejadas da madrugada.
Amanhã, a sanzala grita
como gritam os teus braços quando se alicerçam aos distantes luares que uma
infância aprisionou antes do nascer do sol. A vontade de correr ficou
estacionada perto da ponte metálica que servia de esconderijo quando eramos
atacados pelos famintos pássaros que transportavam os desejados poemas em
pequenas quadriculas num qualquer papel de parede; morríamos.
Hoje, somos pedaços de
nada.
Que da tela acabada de
acordar, pincelada pela noite anterior, escrevia na fina areia da saudade…
Amo-te, sabendo que ontem
tinham morrido todos os riscos deixados sobre a areia da infância.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 03/08/2022
sexta-feira, 29 de julho de 2022
Olhar em despedida
Trazias no olhar
A espada cansada da
guerra
Que os meninos em
brincadeira
Desenhavam na sonâmbula
alma
As tristes palavras da
alvorada,
E tu, em gritos pedaços
de neblina
Dançavas sobre a água
calma do rio
Sem perceberes que em cada
luar
O uivo grito se
alicerçava aos teus ossos
De poeira esbranquiçada.
Trazias no olhar
As lágrimas da mentira
envenenada
Que não sabia voar…
Que não sabia nada.
Trazias no olhar
A saudade,
A dor triste oiro
Nos braços da madrugada;
Trazias no olhar
A espada cansada da
alvorada,
Enquanto os meninos em
brincadeira
Escreviam na tua mão
As palavras em despedida;
Trazias no olhar
A dor fingida da partida.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 29/07/2022
quinta-feira, 28 de julho de 2022
Saudade
E não sabíamos que tinhas nos olhos
Uma lágrima de luz
Quando o teu cabelo voava
sobre o mar
Depois de morrerem todas
as gaivotas
E não sabíamos que nas
tuas mãos
Habitavam silêncios de
dor
Travestidos de luar.
E não sabíamos quando
vinha da montanha
A solidão empunhando uma
enxada
Depois sentava-se ao teu
lado
Até que as flores do teu
peito
Murchavam.
E não sabíamos porque os
espelhos
Da caverna onde te
escondias
Dormiam durante o dia;
Porque da noite
Erguiam-se as sombras
envenenadas
Pela solidão absorvida nas
tuas palavras
Gemias.
Gritavas silêncios de dor
Como gritam as crianças
quando acordam
Nos seios de sua mãe. E não
sabíamos
Que dentro de ti, à
meia-noite, um rio de luz
Descia o teu corpo…
E não sabíamos que hoje
Vives neste meu corpo
despedaçado
Enquanto uma pedra de
ninguém
Flutua sobre a cidade;
Porque nunca soubemos
O que é a despedida.
Alijó, 28/07/2022
Francisco Luís Fontinha
quarta-feira, 27 de julho de 2022
Trinta dias fingidos
Trinta
dias esquecidos
Nos
trinta dias vividos,
Eram
trinta dias sofridos
Dos
trinta dias adormecidos,
Trinta
dias doridos
Nos
restantes trinta dias sentidos,
Eram
trinta dias pensativos
Nos
trinta dias perdidos,
Tantos
trinta dias cansativos
Quando
existem outros trinta dias emagrecidos,
Eram
trinta dias permitidos
Nos
trinta dias trazidos,
Trinta
dias pretendidos
Enquanto
os trinta dias decorridos
São
trinta dias hauridos,
Trinta
dias indeferidos
Que
dos trinta dias pruridos
Trinta
dias são cumpridos
Em
trinta dias auferidos;
Que
se fodam os trinta dias geridos
Nos
trinta dias inseridos,
Tenho
tantos trinta dias fodidos…
Que
nos dias trinta áridos
Tenho
os trinta dias incorridos,
Nos
trinta dias exercidos.
Trinta
dias aderidos
Enquanto
adormeço os trinta dias incorridos…
Trinta
dias supridos
Dos
trinta dias garridos.
São
trinta dias do caralho ocorridos
E
outros trinta dias devidos;
Que
se fodam os trinta dias fingidos
Dos
trinta dias convertidos.
Francisco
Luís Fontinha
Alijó,
27/07/2022
(Desenho
de Francisco Luís Fontinha)
terça-feira, 26 de julho de 2022
Duzentas mil palavras
Tínhamos duzentas mil palavras sem razão
E uma espingardada de
desejo,
Tínhamos a voz incendiada
da madrugada
No cortinado beijo,
Tínhamos na mão a triste
enxada
No grito de uma canção,
Tínhamos o silenciado
Cansaço dos socalcos ao Douro
mergulhado,
Tínhamos a luz em demanda
tristeza
Correndo montanha abaixo,
Tínhamos o rio crucificado
Na paisagem beleza,
Da paisagem alimento.
Tínhamos a uva invisível
amanhecer
Que entre mãos emagrecia,
Tínhamos as palavras de
escrever,
Tínhamos a alegria…
Tínhamos duzentas mil
palavras sem razão
Nos seios teu maldizer,
Tínhamos poesia,
Tínhamos as flores em
papel cremado
Nas cinzas que ele sentia…
Tínhamos as duzentas mil
palavras de viver,
No viver encarcerado,
Do viver adormecido.
Tínhamos o vinho lunar
No poema desamado,
Tínhamos no corpo
escondido
A lâmina triste mar…
Deste vinho embriagado.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 26/07/2022
Fotografias e pedacinhos de saudade
Nasci, logo em seguida o meu pai inventou o sono e a paixão. Numa pequena caixa de sapatos, onde guardava as recordações da breve estadia no ex Congo Belga, fotografias e pedacinhos de saudade, colocou as minhas primeiras palavras; a cidade é o cansaço quando o transeunte tropeça na calçada que tem janela para o mar e onde muitos meninos brincavam com barcos em papel e nuvens coloridas e sanzalas de prata onde habitava o silêncio que transportava as pequenas palavras do menino…
É tão pequenino, senhora
enfermeira!
E diziam que voava em
todos os finais de tarde. Depois, de gatinhar em gatinhar, de sombra em sombra,
o dito menino começou a construir sorrisos nos lábios da mãe e a desenhar traquinices
no olhar do pai.
Tínhamos no quintal
galinhas, pombas e mangueiras, onde, debaixo destas, por vezes, dormiam os
sonhos que regressavam da baía depois de contornarem as palmeiras que hoje são
apenas cortinados entre o hoje e o ontem; eramos felizes.
Nasci, logo em seguida o
meu pai inventou o sono e a paixão, depois inventou a noite, as estrelas, os
musseques, as palavras, o cacimbo, o capim… e por último, o beijo. Sabia que um
dia, talvez ontem, talvez amanhã, nasceriam gladíolos pincelados de orvalho,
depois, quando acordasse o despertador que habita na mesinha-de-cabeceira, a
voz da tristeza iluminaria a secretária onde brincam, o meu pai e a minha mãe e
dizem-nos que é a vida.
É a morte, digo eu. As pombas
talvez ainda façam voos rasantes junto ao Grafanil, quanto às mangueiras, essas
coitadas, alguma mão as assassinou apenas porque em todos os finais de tarde,
junto à noite, davam guarita ao menino dos calções que passava as horas a
inventar minutos de silêncio para mais tarde guardar dentro da pequena caixa de
sapatos.
Fotografias e pedacinhos
de saudade, colocou as minhas primeiras palavras; a cidade é o cansaço quando o
transeunte tropeça na calçada que tem janela para o mar e onde muitos meninos
brincavam com barcos em papel e nuvens coloridas e sanzalas de prata onde
habitava o silêncio que transportava as pequenas palavras do menino porque
durante a noite o desenho acordava e de janela em janela e de palavra em
palavra todas as sombras… hoje fotografias.
Acordava a manhã e o meu
avô Domingo passeava um velho machimbombo pelas ruas de uma Luanda prisioneira,
hoje, de algumas fotografias e cintilantes recordações; hoje, apenas
recordações. A Luanda, o avô Domingos, o meu pai, a minha mãe, a minha avó e apenas
o triciclo com assento em madeira teima em durante a noite fazer alguns passeios
no tecto da alcofa onde antigamente a minha mãe desenhava o mar.
Inventou o sono e a
paixão.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 26/07/2022