Nasci, logo em seguida o meu pai inventou o sono e a paixão. Numa pequena caixa de sapatos, onde guardava as recordações da breve estadia no ex Congo Belga, fotografias e pedacinhos de saudade, colocou as minhas primeiras palavras; a cidade é o cansaço quando o transeunte tropeça na calçada que tem janela para o mar e onde muitos meninos brincavam com barcos em papel e nuvens coloridas e sanzalas de prata onde habitava o silêncio que transportava as pequenas palavras do menino…
É tão pequenino, senhora
enfermeira!
E diziam que voava em
todos os finais de tarde. Depois, de gatinhar em gatinhar, de sombra em sombra,
o dito menino começou a construir sorrisos nos lábios da mãe e a desenhar traquinices
no olhar do pai.
Tínhamos no quintal
galinhas, pombas e mangueiras, onde, debaixo destas, por vezes, dormiam os
sonhos que regressavam da baía depois de contornarem as palmeiras que hoje são
apenas cortinados entre o hoje e o ontem; eramos felizes.
Nasci, logo em seguida o
meu pai inventou o sono e a paixão, depois inventou a noite, as estrelas, os
musseques, as palavras, o cacimbo, o capim… e por último, o beijo. Sabia que um
dia, talvez ontem, talvez amanhã, nasceriam gladíolos pincelados de orvalho,
depois, quando acordasse o despertador que habita na mesinha-de-cabeceira, a
voz da tristeza iluminaria a secretária onde brincam, o meu pai e a minha mãe e
dizem-nos que é a vida.
É a morte, digo eu. As pombas
talvez ainda façam voos rasantes junto ao Grafanil, quanto às mangueiras, essas
coitadas, alguma mão as assassinou apenas porque em todos os finais de tarde,
junto à noite, davam guarita ao menino dos calções que passava as horas a
inventar minutos de silêncio para mais tarde guardar dentro da pequena caixa de
sapatos.
Fotografias e pedacinhos
de saudade, colocou as minhas primeiras palavras; a cidade é o cansaço quando o
transeunte tropeça na calçada que tem janela para o mar e onde muitos meninos
brincavam com barcos em papel e nuvens coloridas e sanzalas de prata onde
habitava o silêncio que transportava as pequenas palavras do menino porque
durante a noite o desenho acordava e de janela em janela e de palavra em
palavra todas as sombras… hoje fotografias.
Acordava a manhã e o meu
avô Domingo passeava um velho machimbombo pelas ruas de uma Luanda prisioneira,
hoje, de algumas fotografias e cintilantes recordações; hoje, apenas
recordações. A Luanda, o avô Domingos, o meu pai, a minha mãe, a minha avó e apenas
o triciclo com assento em madeira teima em durante a noite fazer alguns passeios
no tecto da alcofa onde antigamente a minha mãe desenhava o mar.
Inventou o sono e a
paixão.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 26/07/2022
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