segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020


Em construção. 60x80 acrílico s/tela. Francisco Luís Fontinha – Alijó

Depois, a maré ensanguentada, morre de alegria.


O regresso nunca mais.
A terra húmida, depois das lágrimas da tarde,
Ficou lá, no outro destino do menino dos calções.
Todas as sombras, choram, ditam palavras aos esqueletos de silêncio,
Que as mãos, trémulas, seguram, enquanto cai a noite,
O corpo, levita, desassossega na madrugada,
Sente-se o vento, negro, prateado, nos lábios do Diabo,
O regresso…
Nunca, nunca mais,
Porque a solidão namora as flores em papel, do jardim imaginário.
E o menino, com o tempo, cresceu.
Um relógio de luz, quando acorda o menino,
Alicerça-se nos braços lânguidos que o espaço alimente,
Dos calções, nada, nem a cor se aproveita,
Talvez, as árvores, as árvores plantadas por ele,
Hoje, nada, como os calções,
Pedaços em madeira, trapos, lágrimas desajeitadas…
Tudo, tudo morre, naquela terra prometida.
O mar, enfurecido, sacia-se nas rochas metamórficas do cansaço,
Um barco, espera pelo menino dos calções,
Estaciona-se junto à cidade,
Homens, marinheiros, mulheres, sem fazerem nada,
Espera que regresse o menino,
De longe,
De nada,
Ninguém.
O regresso nunca mais,
A terra húmida, depois um finíssimo fio de nylon,
Procura na multidão da cidade, o menino prometido,
Da terra sonâmbula,
Que o viu perder-se,
No meio do capim.
Machimbombos tropeçam nas finas lâminas da saudade,
Porque apesar de tudo, sempre, o menino, viveu na saudade,
De regressar, um dia,
À sua cidade.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
03/02/2020

domingo, 2 de fevereiro de 2020

E, agora? O que será de nós depois…


E, agora? O que será de nós depois da saudade;
Pertenciam-lhe as palavras invisíveis das marés de prata.
A boca mergulhava na ínfima madrugada do silêncio,
Descia à cidade, quando acordava a noite,
Pegava num pedaço de sombra,
Agachava-se no pavimento húmido da solidão…
E, gritava palavras de amor.
E, agora? Que a tempestade regressou de ontem,
Traz consigo os dois cansados cadáveres da única memória que lhe restava,
Os homens entre guerras e coisas simples, banais,
Percorriam as ruelas sem saída, suspendiam pinturas nas janelas do horror,
Para que as crianças conseguissem adormecer,
Nesta cidade de “merda”, sem dormitórios, sem palavras abstractas,
Que pertencem aos livros de poesia.
O corpo arrefece sobre a lápide fria da manhã,
O silêncio vem em direcção ao peito,
Como uma flecha, e, o sangue corre para os canaviais…
Tinha medo da saudade,
E, agora?
O que será de nós, depois da saudade, quando alguém procura o corpo amachucado pela violência dos gritos do homem de chapéu negro,
Seu nome Chapelhudo, vestido de pássaro nocturno,
Quando as palavras emergem e, tudo à volta morre, extingue-se em finíssimos pedaços de carvão,
O desenho acorda,
Mergulha na tela da saudade,
Sempre ela, a saudade dos dias, da noite, dos candeeiros a petróleo…
E, agora? Nada.
Apenas um sorriso,
Flácido,
Triste,
Porque sim;
Cansado da vida.
Chapelhudo, morre. E todas as palavras do menino branco.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
02/02/2020


50 x 60 acrílico s/tela. Francisco Luís Fontinha.

sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

O suspiro da noite


O suspiro da noite, enquanto a morte vagueia nas sílabas loucas da paixão.
O silêncio das palavras, perdidas nos livros invisíveis da solidão,
Um poema chora,
Alicerça-se na confusão da cidade,
Soltam-se todos os caninos vadios,
Correm em direcção ao petroleiro estacionado junto ao Tejo,
E, um soldado, procurando alimento, senta-se na sombra da neblina.
Todos os pássaros são felizes, ainda que sejam transparentes,
Nas paredes de xisto,
Olhando o Douro,
Desenhando socalcos no bico;
A jangada, afunda-se, como a mão do mendigo,
Quando fundeada na sopa trazida pela tempestade.
Chove, ouvem-se os ruídos da manhã,
Automóveis esfomeados levitam sobre as palmeiras,
Os transeuntes sofrem de pasmo,
Riem, como loucos,
Dentro de quatro paredes de vidro.
O suspiro da noite, sempre em alerta máximo,
Esconde as palavras na algibeira,
E bebe pequenos tragos de nada.
Hoje é sexta, noite como tantas outras,
Não interessa,
É noite, é triste a noite, quando se despede da tarde.
Os amantes fogem como fogem os mortos da sombra,
De roupa engomada, os tristes mortos, riem-se do silêncio amargurado que transporta o desassossego,
Tenho medo, dizia-me ele, quando acordava olhando quatro janelas de cartão,
Perdia-se na imensidão do espaço,
Cansado da vida,
Cansado da noite;
O suspiro. O suspiro da noite.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
31/01/2020


Novo livro de Francisco Luís Fontinha. Brevemente.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

O sonho


Todas as coisas, possíveis, impossíveis,
Acontecem quando nasce em mim a noite.
O corpo range de sono, perco-me nas palavras da saudade,
Quando regressa a madrugada,
E, todos os pássaros voam em direcção ao mar.
Um barco chilreia, voa sobre o jardim das cantarias,
Flores dispersas, como mendigos apressados,
Brincando na eira,
Olham o cereal,
Deitam-se no chão,
E, sonham com o luar.
Todas as coisas,
Infinitas, finitas, nas mãos de Deus.
Um esqueleto de silêncio vagueia nas pálpebras da insónia,
Morrem as pedras do meu pobre jardim,
Levantam-se as migalhas da fome,
Quando um carnívoro de sombra, às vezes cansado, levita na escuridão da solidão.
Tenho fome;
Tive pai, mãe, e, nada mais…
Agora, tenho a floresta,
Os papagaios em papel, de três cores,
E, num pequeno caderno quadriculado, invento o sonho,
Imaculado, distante, ausente,
Como todas as coisas,
Possíveis, impossíveis.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
29/01/2020

domingo, 26 de janeiro de 2020

Onde mora o silêncio, se não em ti?


As árvores deste jardim cansado,
Onde adormece o silêncio das palavras assassinadas por mim,
Há um luar desiludido,
Que grita às planícies do alecrim,
O poema desejado,
Entre versos e ossos embalsamados,
Vem a esta casa, o miúdo perdido,
Das montanhas húmidas,
A voz que alicerça a fome,
A rua que limita o olhar,
Sem nome,
Sem mar,
As árvores distintas dos pássaros, o medo de dormir,
Numa cama de pétalas encarnadas,
Nas veias, o orgasmo do cobalto,
A madeira envernizada,
Porque as lágrimas,
No rosto se perdem,
E fogem para o triste adormecer,
O vulcão quase a vomitar palavras de nada,
Sempre em alerta, sempre abandonada,
A casa,
O ódio madrugada da vida,
Entre correr,
Entre morrer,
Simples, assim,
Simples, simples, nada esquecer.
O mendigo que corre na calçada,
Desejado por uns, amaldiçoado pela namorada,
Escreve-me,
Oiço-o,
Na alvorada.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
26/01/2020



50 x 60 – Acrílico s/tela – Fontinha – Alijó