quarta-feira, 21 de agosto de 2013

A morte do teu cabelo

foto de: A&M ART and Photos

O meu cabelo absorve a cidade, vive debaixo dele a manhã dilacerante, há um perfume desconhecido que vai subindo até aos meus cabelos, encosto a cabeça ao espelho da manhã, trinco os lábios e sinto as madeixas das árvores engomadas por um velho ferro de engomar, não me sinto bem, estou estonteante, estou... em desequilíbrio, e oiço as finas gotas que o horário suspenso na parede da sala de jantar, essas... em pequenas lágrimas pergaminho, como húmus derretido sobre a terra árida das velhas mãos que serviram para alimentar o calendário nocturno
O meu cabelo morre,
E a tua boca silencia-se como se vivêssemos em permanente ditadura, como se vivêssemos... sem sairmos de casa, à varanda do silêncio, choras-me porque perdeste os cigarros, porque perdeste o emprego, porque perdeste... a vida
O meu cadáver de costas sobre a cidade, de um salto em falso... voo sobre a calçada camuflada com pequenas pedras de chocolate, alguém grita o meu nome,
O meu cabelo morre,
A minha pobre vida, aos poucos... também ela morre, como o meu loiro cabelo, como o sombreado vento, como a grade da varanda que me aprisiona e não me deixa ser livre, livre como as gaivotas de Belém, ir a bares, beber em esplanadas a vodka que sobeja dos veleiros acabados de regressar da Rússia, e
O meu cabelo morre, e a minha vida morre, e tu, e tu morres-me... porque a água salgada do mar começou a subir pelo ascensor, entrou no terceiro esquerdo, entro no terceiro direito,
Nós
E o teu cabelo quase em chamas,
E nós quase, porque habitamos o sexto frente, e daqui a pouco, a tua cabeça, encostas-a à grade enferrujada e lanças-te em
Queda livre,
O meu cabelo morrer,
Nós, nós quase engolidos pelas caravelas que a noite lança pelas ruas para nos aprisionarem, como acontece com o teu cabelo, como acontece com o teu corpo...
Ambos prisioneiros, vagabundos, quase em
Queda livre,
A cidade,
Morre,
O meu cabelo morre,
E o teu cabelo quase em chamas,
E nós quase, porque habitamos o sexto frente, e daqui a pouco, a tua cabeça, encostas-a à grade enferrujada e lanças-te em granito polido, cubos em gelo, pregos de madeira rompem os sargaços dos teus beijos, e nós, porque habitamos o sexto frente
Morre, morre o teu cabelo quando te lanças sobre os veleiros desgovernados das Clarissas abandonadas, ouvi-o, ouvi-lhe os cabelos agarrarem-se à velhíssima grade e voavas, e dançavas, e
E o teu cabelo quase em chamas,
E os meus braços enrolados no teu pescoço, a cidade, a cidade com o teu corpo como húmus, sobre a terra ressequida, feia, dilacerante...
E morre,
E desce... até encontrar a lápide cinzenta onde está escrito o seu nome,
A criança rodopia,
E a vida, a vida também morre, e a vida espera por um digno salto, e ela
Ela morre,
O meu cabelo morre, o meu cabelo... em flor, sobre as árvores dos teus seios, transparentes, como as velas do veleiro estacionado junto à Torre de Belém,
E ela?
Ela... ela morre, morre, até encontrar a lápide cinzenta onde está escrito o seu nome,
A criança rodopia.

(não revisto – Ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
quarta-feira, 21 de Agosto de 2013

cortinado amanhecer

foto de: A&M ART and Photos

seus olhos em movimento curvilíneo
seus braços baloiçando como uma criança em queda livre
voando sobre os sons de um piano desafinado
há uma janela aberta com sombra sobre a cidade do medo
e ela
ela esconde-se nos abraços cerrados do cortinado amanhecer...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 21 de Agosto de 2013

Ínfima nuvem que sonha e corre e sonha

foto de: A&M ART and Photos

Qualquer coisa estranha
na flor que brinca em tua mão de porcelana
qualquer coisa vã
ínfima
que esconde o teu olhar,

Qualquer coisa geometricamente sombra nos teus lábios
estranha
castanha
que de nuvem em nuvem
caminha e sonha e sonha e caminha,

E morre estranhamente como um pássaro de asas em papel
qualquer coisa estranha na tua mão branca
silenciosamente só
tristemente sentada numa cadeira sem coração...
que vive em ti e de ti se alimenta.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 21 de Agosto de 2013

terça-feira, 20 de agosto de 2013

manhã sem manhã

foto de: A&M ART and Photos

apetece-me comer-te
morder os teus lábios em chocolate
fervilhar como tu dentro de uma chávena de chá
olhar-te
saborear-te quando entras em mim
pela manhã sem manhã

mastigar os teus olhos de néon
sem que tu percebas que os teus olhos são comestíveis como as castanhas
no Outono
sentados a uma lareira invisível
enquanto eles se dissipam através da chaminé do desejo
voando sobre os velhos telhados da tua aldeia

apetece-me comer-te
saborear-te como saboreio um copo com água
como saboreio as gotículas de suor do teu corpo bronzeado...
mastigar-te e saborear-te e engolir-te
como se tu e os teus olhos e a manhã sem manhã... fossem pedaços de vento
também eles comestíveis e saboreáveis...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 20 de Agosto de 2013

Os caixotes magoados

foto de: A&M ART and Photos

Dir-me-ás que a vida é um número de magia, conheci um ilusionista (confesso que não é ficção, conheci e conheço e tenho amizade por ele – Didier Ferreira – e quanto mais olhava os seus números de magia, confesso, confesso que mais dúvidas ficavam em mim, e menos percebia do que se passava à minha volta), e a vida não é mais do que um lindo e belo número de ilusionismo, um espelho gigante, olho-a e percebo que é tudo uma mentira, a imagens é ma mentira, os olhos, os olhos... são uma pegada mentira vestida com tecidos verdes, e os braços, e os braços também eles, eles
Mentiras,
Caixotes vindo de lá, trazíamos o muito que tínhamos, que era nada,
Mentiras,
(muitas das vezes servi de cobaia dele na preparação de alguns dos seus números, e parecendo aos olhos que quem nos via, eu, eu um parvalhão nas mãos de um verdadeiro artista, confesso que nunca me senti como tal, mas que me irritava o facto de eu não perceber como aconteciam as coisas... lá isso era verdade)
Os caixotes magoados, desdentados, meio adoentados, e vertendo um líquido esquisito, que mais tarde fomos informados que era o líquido da saudade
E coisa eu nunca tinha ouvido na minha curta vida,
“Líquido da saudade?”
És parvalhão, ouvia-o. E hoje percebo que ele tinha razão,
Eu era mesmo um verdadeiro parvalhão aos olhos do meu pai, porque como era possível existir um líquido chamado... “Líquido da Saudade”...
Eu, negro, nasci e cresci negro, eu uma árvore a que chamavam de mangueira, que às vezes sentia-a chorar, que às vezes... também eu chorava, quando da sua sombra renasciam os palhaços do circo, o ilusionista fazia com que as cartas de um baralho aparecessem na
“Líquido da saudade?”
Os palhaços do circo, o ilusionista fazia com que as cartas de um baralho aparecessem na minha algibeira, ela sempre, ou quase sempre, vazia, e lá estava ela, assinada por mim
Pode lá isso ser possível, menino?
Verdade verdadinha... Senhor Anacleto, verdade....
Acredito mesmo, menino Francisco, “Líquido da Saudade”..., e ainda por cima aparecer na sua algibeira e assinada por si, consegue prová-lo?
Claro que sim, claro que sim Senhor Anacleto... ainda a guardo na prateleira juntamente com os meus livros, os caixotes babavam-se como se fossem caracóis acabados de confeccionar, e afinal não eram caracóis, e afinal
Quitetas,
E o molho, Senhor Anacleto, Ai nem me fale no molho... menino Francisco, que saudades..., e um líquido estranho pingava dos três tristes caixotes que trouxemos, pouca coisa, coisa nenhuma, e afinal, afinal era mesmo o “Líquido da Saudade”,
Em finas fatias sobre o pão quente de Favaios, e que coisa, que coisa... Senhor Anacleto, um Líquido verde com sabor a manga..., talvez pedaços de sombra, talvez... as chuvas quando adormeciam a terra queimada e ressequida pelo abrasador Sol... e sabe, sabe Senhor Anacleto?
Não, não o sei menino Francisco, não o sei,
As cartas, as cartas voavam durante a noite e de manhã apareciam na minha algibeira, vazia, ou... quase vazia, como sempre, ou com quase nada,
Quitetas.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Terça-feira, 20 de Agosto de 2013

sombras

foto de: A&M ART and Photos

das sombras longínquas do sono
habito como um sonâmbulo ambíguo desejável pelas serpentes da floresta vermelha
das sombras à noite inconstante que as minhas mãos percorrem debaixo do fogo teu olhar
e depois de folhear o livro teu corpo
dou-me conta que a madrugada hoje
hoje ela não acordou
hoje ela
ela me abandonou
e sinto em mim
o sono dilacerante
das tuas mandíbulas carnívoras em teus lábios de sangue...
as sombras... hoje sou uma recta sem coração como os homens e as mulheres da cidade dos cães


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 20 de Agosto de 2013

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

As jangadas de silêncio caminhando junto ao mar

foto de: A&M ART and Photos

O teu fogo extingue-se no meu corpo, e as cinzas, essas, voam em direcção ao mar... há marinheiros em cio deitados sobre os braços de outros marinheiros, como barcos, em aço, soldados uns nos outros, rebitados, até que a morte os separe, novamente em fogo, derretem-se e novamente são barcos, e novamente abraçados, agora não a outros barcos, mas
As flores, as jangadas de silêncio caminhando junto ao mar,
Mas, os teus braços, meu amor, rebitados no meu peito, também ele em aço, também ele sofrível, mendigo, vagabundo, e como eu, também tu, aos poucos, deixaste de olhar o mar, e também tu, aos poucos, deixaste de olhar os lábios encarnados do luar,
Amo-te, oiço-te,
Despir você... acariciar seu corpo entranhado em finas bolhas de champanhe, oiço-te na escuridão nocturna da insónia, desejar-te cansa. e ao mesmo tempo, alimenta-me os volantes e êmbolos que trago dentro de mim... e fazer amor com você até deixar de haver dia, noite, luzes, ventos, mar, chuva...
Depois, a noite trouxe os três navegantes de olhos verdes, e as flores, a jangada de silêncio junto ao mar, vive neste momento nos seus seios de capim, oiço-a gemer e sussurrar...
Amo-te, meu querido,
E no entanto, há vento, e no entanto, há tempestades, neve, granizo, ossos cerâmicos... vidros, olhos de vidro, lâmpadas incandescentes, e sinto-a dentro de mim, em fogo, como se o meu corpo fosse uma janela aberta na montanha branca, excitada... quase húmida... como a chuva, devagarinho a entranhar-se na terra
E
E oiço-a, amo-o meu querido, amo-o...
E
E oiço-o, amo-te meu querido, amo-o...
E a terra infestada de minhocas com asas, e a terra , na terra, devagarinho a entranhar-se-lhe... e as árvores, as mais frágeis, tombaram sobre o sobrado do cacimbo, eu, eu sempre a ouvi-la
Amo-o,
Eu
Eu sempre a ouvi-lo
eu
Amo-o,
Como amo as borboletas e as abelhas,
Na terra, curvas de nylon suspendem o céu, e as tuas mãos agoniam-se de encontro aos rochedos, tenho a leva sensação, que, que uma das tuas mãos, acabou de suicidar-se,
E agora, meu amor?
Oiço-a
Oiço-o
E a vida é um carrossel de mentiras embebidas em vodka, palavras... e sexo.

(não revisto – Ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 19 de Agosto de 2013

Em construção – O Amor e a Paixão

foto de: A&M ART and Photos

Éramos comestíveis como as ervas junto à ribeira
e tínhamos nas mãos o sabor do cansaço
e da dor oferecida pelo mendigo entardecer,

Éramos dois corpos voando sobre a cidade dos Deuses
ancorávamos algumas vezes
sobre as árvores em delírio que sobejavam das finas lareiras do desejo...
e sonhávamos com porcelanas beijos
que viviam na madrugada,

Éramos comestíveis como as ervas junto à ribeira
e tínhamos um coração de papel
onde escrevíamos as palavras em segredo,

Gritávamos como os pássaros
e amávamos como as ervas comestíveis...
éramos dois círculos de vidro
em osciladas rotações em cima dos barcos enferrujados
éramos e tínhamos um cais em madeira para aportarmos...

vivíamos construindo o amor com pequenos paus espalhados pela floresta
e quando nos sentávamos debaixo da nuvens cinzenta
sentia-te nos meus braços de sisal...
éramos o mar com a areia branca
e de ondas navegantes... e de lábios cor de amêndoa.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 19 de Agosto de 2013

O encontro – A chuva e o nu corpo dela

foto de: A&M ART and Photos

Eu deixo a conversa fluir... como a água da chuva a cair sobre o teu nu corpo, saboreando as partículas de desejo que descem das nuvens..., ouvem-se as bolhas de sabão a cair nas tuas costas, ouvem-se as sílabas mergulhadas nos teus lábios coloridos, e aos poucos desces pelas minhas mãos como sandálias envenenadas por uma calçada íngreme, e ao fundo, o rio, o Tejo, ele que te espera, e te acaricia entre as medusas de olhos castanhos, sinto-te dentro de mim, e sei, sei que amanhã não estarás na minha cama...
Vamos juntos... enrolados como duas serpentes envenenadas pelo sémen do amanhecer... e lá fora uma maçã acaba de tombar sobre os teus seios, afago-os e mordo-os com os meus finos dedos, e sabes que penetrarei em ti como se fosses um livro de poemas dentro da algibeira do espelho encarnado que acorda antes de acordar o teu orgasmo, é tarde, o relógio da sala cansou-se de ouvir-nos em latidos estranhos que atravessam as paredes de gesso e ripa, o tecto olha-nos, e inveja-te, porque permanecerás eternamente nas suas mãos, como um candeeiro suspenso e que ilumina a noite derretida em pura seda como lençóis sobre o teu corpo de areia, é tarde, lá fora dormem os homens e as mulheres, nós, nós permanecemos eternamente acordados, e procuramos entre os estilhaços dos líquidos sobejantes e adormecidos sobre a cama a saudade, e os beijos,
É tarde, para ti, quase que dormes, olho-te como se fosse o tecto, e vista de cima, tu, pareces um jardim com flores em papel... que voam quando tocas no meu peito, e fincas os lábios ficando entre eles... uma pétala de orvalho,
Estás loucos, oiço-te,
Louco porque a poesia derrete-se como a manteiga sobre os teus seios, louco porque mergulhas na chuva diluída em pequenas lâminas de fogo, tu, tu ardes como um livro depois de lido, folheado, manuseado cuidadosamente, e o papel da tua pele cola-se-me como uma borboleta desesperada depois da tempestade, oiço-te
Estás louco,
Louco porque inventaram o amor, louco porque inventaram o desejo e os jardins junto ao Tejo, e louco, louco porque oiço os uivos teus beijos de encontro à prateleira onde moram os livros de António Lobo Antunes, e louco
Estás louco,
E loucos, loucos barcos em gaivotas saciando o cio nas noites que atravessam o Tejo, e do outro lado, os edifícios em esqueletos vadios, que correm e comem,
Meninos, meninas,
Debaixo da tenda do circo que aportou por aquelas bandas, o vento dá-lhes força nas velas e começam em corridas vagarosas como palhaços velhos, e de bengala, e sorrisos nos seus rostos
Meninos, meninas,
Procurando a fome nos vultos zumbis da avenida adormecida, debaixo da tenda do circo, e todos os sonhos realizáveis... O encontro – A chuva e o nu corpo dela.

(não revisto - Ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 18 de Agosto de 2013 / Segunda-feira, 19 de Agosto de 2013