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terça-feira, 20 de agosto de 2013

Os caixotes magoados

foto de: A&M ART and Photos

Dir-me-ás que a vida é um número de magia, conheci um ilusionista (confesso que não é ficção, conheci e conheço e tenho amizade por ele – Didier Ferreira – e quanto mais olhava os seus números de magia, confesso, confesso que mais dúvidas ficavam em mim, e menos percebia do que se passava à minha volta), e a vida não é mais do que um lindo e belo número de ilusionismo, um espelho gigante, olho-a e percebo que é tudo uma mentira, a imagens é ma mentira, os olhos, os olhos... são uma pegada mentira vestida com tecidos verdes, e os braços, e os braços também eles, eles
Mentiras,
Caixotes vindo de lá, trazíamos o muito que tínhamos, que era nada,
Mentiras,
(muitas das vezes servi de cobaia dele na preparação de alguns dos seus números, e parecendo aos olhos que quem nos via, eu, eu um parvalhão nas mãos de um verdadeiro artista, confesso que nunca me senti como tal, mas que me irritava o facto de eu não perceber como aconteciam as coisas... lá isso era verdade)
Os caixotes magoados, desdentados, meio adoentados, e vertendo um líquido esquisito, que mais tarde fomos informados que era o líquido da saudade
E coisa eu nunca tinha ouvido na minha curta vida,
“Líquido da saudade?”
És parvalhão, ouvia-o. E hoje percebo que ele tinha razão,
Eu era mesmo um verdadeiro parvalhão aos olhos do meu pai, porque como era possível existir um líquido chamado... “Líquido da Saudade”...
Eu, negro, nasci e cresci negro, eu uma árvore a que chamavam de mangueira, que às vezes sentia-a chorar, que às vezes... também eu chorava, quando da sua sombra renasciam os palhaços do circo, o ilusionista fazia com que as cartas de um baralho aparecessem na
“Líquido da saudade?”
Os palhaços do circo, o ilusionista fazia com que as cartas de um baralho aparecessem na minha algibeira, ela sempre, ou quase sempre, vazia, e lá estava ela, assinada por mim
Pode lá isso ser possível, menino?
Verdade verdadinha... Senhor Anacleto, verdade....
Acredito mesmo, menino Francisco, “Líquido da Saudade”..., e ainda por cima aparecer na sua algibeira e assinada por si, consegue prová-lo?
Claro que sim, claro que sim Senhor Anacleto... ainda a guardo na prateleira juntamente com os meus livros, os caixotes babavam-se como se fossem caracóis acabados de confeccionar, e afinal não eram caracóis, e afinal
Quitetas,
E o molho, Senhor Anacleto, Ai nem me fale no molho... menino Francisco, que saudades..., e um líquido estranho pingava dos três tristes caixotes que trouxemos, pouca coisa, coisa nenhuma, e afinal, afinal era mesmo o “Líquido da Saudade”,
Em finas fatias sobre o pão quente de Favaios, e que coisa, que coisa... Senhor Anacleto, um Líquido verde com sabor a manga..., talvez pedaços de sombra, talvez... as chuvas quando adormeciam a terra queimada e ressequida pelo abrasador Sol... e sabe, sabe Senhor Anacleto?
Não, não o sei menino Francisco, não o sei,
As cartas, as cartas voavam durante a noite e de manhã apareciam na minha algibeira, vazia, ou... quase vazia, como sempre, ou com quase nada,
Quitetas.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Terça-feira, 20 de Agosto de 2013

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Menino sem tino

Desejo-me de barco em barco
De rocha em rocha
Desejo-me sobre a copa de uma árvore
Onde me prende uma mesa de madeira
Sobre a mesa de madeira caldo de cebola
E trigo de Favaios
Desejo-me dentro do Porto
Vinho que dá vida
Que do porto nada tem
E no douro cresce nas mãos calejadas de homens e mulheres
De rocha em rocha
De barco em barco
Desejo-me quando me aprisiona o espelho da vida
E dispo-me sobre a mesa de um bar
(já o fiz
E voltarei a fazê-lo)
Alguns de vós dizem
Coitadinho do louco
Que fumou de tudo um pouco
Coitadinho
Desempregado
Desamado
Desgraçadinho
Desejo-me sobre a copa de uma árvore
De rocha em rocha
De calhau em calhau
Desço até ao pavimento as calças esmiuçadas
Que dançam sobre a mesa de um bar
Sem lareira sem literatura
Apenas um bar com muitas gajas
E um copo de silêncio sobre o balcão
Coitadinho
Do menino
Sem tino.