quinta-feira, 9 de maio de 2013

Pequenos objectos com insígnias prateadas

foto: A&M ART and Photos

Tínhamos prometido nunca mais voarmos sobre árvores de papel e estradas encravadas nas montanhas de difícil acesso, curvas propositadamente construídas para nos magoarem enquanto dormíamos nas caixas amplas de cartão que tampas e vazios de enxofre mergulhavam na poeira de acordarmos estonteantes, alicerçados a divãs de madeira com pernas de tijolo, ao longe, sentíamos a brisa marítima dos pulmões encharcados em neblina e chuviscos com mãos de regador sobre a horta de palavras, muitas e belas, acabadas de semear
estava ainda escuro e a teu vestido com floreados amarelos luzia como sinalização vertical numa das estradas nacionais que estávamos habituados a percorrer, a partir de agora, novos caminhos nos esperavam, novas curvas, lombas e bainhas que faziam com que as minhas calças de ganga parecessem pertencer ao meu antigo vizinho, Lembras-te? Claro que me lembro, como me podia esquecer daquele parvalhão com óculos de fundo de garrafa e cabelos grisalhos, às vezes, com um livro debaixo do braço, passeava-se pelas ruas desertas, quando começava a noite e desaparecia o dia, de nós, Claro que me lembro!
Tínhamos
(inventado o amor dentro de um copo com água)
Eu sabia que a noite era redonda, e que a luz era constituída por partículas e ondas, dependendo dos casos, das situações e dos momentos, porque umas vezes era oportuno que se comportasse como uma partícula, outras, que se comportasse como uma onda, havia
tínhamos dentro de nós pequenos objectos com insígnias prateadas e com sabor a saudade, e uma longa e penumbra estrada em terra batida nos esperava,
E havia uma mala com os poucos de nós pertences... nada, apenas e nem sempre, algumas, poucas, memórias de séculos inseminados pelos livros de ficção que optamos por deixar, ou os objectos essenciais ao quotidiano, ou os livros
eu escolheria os livros
Ele, optou pelos objectos, que com a deslocação do tempo tridimensional, acabaram, todos, por... uns, apodreceram, outros, partiram-se, e outros... acabaram no casebre que existia no pequeno quintal,
(… dentro de um copo com água)
Desassossego de ti quando poiso a minha mão heterogénea nos teus seios de molusco como flores ornamentais das estufas do quotidiano calendário com semanas inacessíveis, com meses não existentes, ou que... perder-se-iam pelas calçadas em solidão sonora, abrias e tínhamos um sorriso vindo de fora com o consentimento do administrador do território desértico que optamos por ocupar numa tarde de embriaguez,
gaguez
A cegueira de sermos felizes, quando sabíamos que nunca o seriamos, porque os dias são melódicos, porque as noites são poéticas, e porque tu
eu sou uma noiva em fuga, levo uma pequena recordação de ti, nada, comparado como a quantidade de noites que passamos dentro do copo com água (o amor), e porque tu
Eu? Eu sabia que a noite era redonda, e que a luz era constituída por partículas e ondas, dependendo dos casos, das situações e dos momentos, porque umas vezes era oportuno que se comportasse como uma partícula, outras, que se comportasse como uma onda, havia miúdos com um pequeno arco em aço em pequenos círculos na terra do nunca, e Eu? Como assim, eu? Eu, nada, tudo bem, comigo, esperando, sinceramente, que tudo bem consigo, e com os seus, e cumprimentos aos pássaros do seu belo quintal, com árvores de fruto e singelos corações acompanhados por bastiões de honestos barcos carregados de brinquedos, e plásticos, cores, fios, e cordéis para subirmos aos lençóis de seda que a tua cama escondiam (pequenas moedas e sombras de Primavera),
sim, cumprimentos à prima e ao primo,
E
Talvez,
Havia e tínhamos...
(inventado o amor dentro de um copo com água).

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Cidade nocturna

foto: A&M ART and Photos

Há uma cidade nocturna dentro dos nossos livros
tocados
oferecidos
livros... inventados
adormecidos entre os parêntesis da madrugada como os nossos corpos entrelaçados,

Havia uma figueira anã com dentes longos e finos do marfim silêncio da manhã
depois dos abutres homens com cigarros de brincar
entrarem em nós
e parecíamos crianças perdidas na mão do feitiço
ah.. aquela luz despedaçada contra os olhos do escorpião azul-marinho...

Como os nossos corpos dilacerados e envenenados
com as palavras que sobejaram dos livros trocados
emprestados... alguns
sem o sabermos
sem... que a luz do eterno menino de calções acordasse para nos atormentar,

Quem?
aquele infeliz desejo que é o abraço ao teu ancorado corpo...
o menino mar comendo barcos e chapinhando a água salgada
das lágrimas da montanha do sonho
onde habita um castelo de insónia como filetes em textos complexos (não ficção),

“Cuidado” nas investidas noites com lâmpadas de tédio
procurando o rio onde dormem os destroços da alma
os restos ressequidos dos corpos abandonados
em suores de sémen
correndo calçada abaixo...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 8 de maio de 2013

melodias de ti para me contentares como se eu fosse contentável


foto: A&M ART and Photos

Das tuas tristes mãos, as pérfidas melodias de ti para me contentares como se eu fosse contentável, como o são, os outros, os esqueletos, compostos de massa xistosa com algumas fendas devido ao cansaço, suor, e como escrevinha o povo, e lágrimas, ou, como o pão que o diabo amassou, e se não existir o diabo, e se existir, ele, sabe-se lá, for um péssimo amassador de farinha, água, fermento e sal... e algum esforço físico,
ficamos sem pão
Confesso que nunca vi, ouvi, ou... de perto, convivi com a ilustre personagem que apelidaram de diabo, e que como quase tudo, é o culpado das coisas más, porque das boas, essas, encarrega-se deus, como antigamente, quando acontecia alguma coisa má, em muitas das nossas aldeias, vilas e cidades, claro... a culpa era sempre dos ciganos,
comprávamos heroína, e logo alguém nos dizia – Se fores apanhado dizes que compraste a um cigano! - talvez porque exista uma fisionomia entre eles, ou porque realmente alguns por infelicidade tornaram-se culpados sem o saberem, culpados, como eu, vagueando entre cidades como uma carruagem de metal enferrujado, e de porto em porto, sobre os carris travestidos de tristeza, ando, andam, caminham-se-me porta adentro, cortinados vazios, simplicidades obscuras que acordavam nas poucas esquinas com venda de pequenos bens não essenciais, um rolo de papel alumínio, uma nota de vinte escudos, de preferência de quinhentos escudos, e quinta-feira, sempre à quinta-feira, o carro enfeitado com luzinhas quadricolores, e de seguida, sem o saberem, acordavam as madrugadas de dor de costas, de diarreia, de enjoos, e afins como a insónia, o corpo transformava-se em cilindro, rodava sobre um eixo imaginário, e quando vinha a mim a madrugada, perguntava-me – Quantas Francisco, quantas voltas hoje em torno de ti mesmo? - e nunca percebia até descobrir nas tuas tristes mãos, finíssimas, e de dedos também eles finíssimos e compridos, que
Tinhas dentro de ti, sem eu o saber, uma escada secreta, com cobertores e espelhos, ambos, em madeira de primeira categoria, gosto, muito, - Sabes? - do Mogno ou do Carvalho Francês,
(Antena 3 – Alijó – 101.5 MHz)
Quando chovia, sentia-te desaparecer dentro das sombras que viviam connosco na casa de Favarrel, e só mais tarde, quase quando começaram as demolições da dita, que eu descobri que existia uma escada, até então secreta, tua, só tua, que subias, e a meio caminho, sentavas-te, como uma prisioneira à espera que lhe encerrassem a cela fictícia, uma cela de ficção como os testos dos escritores, que para não se chatearem com esta ou aquela pessoa, escrevem
(texto de ficção, não revisto)
não revisto, vá lá que não vá, - Agora... de ficção? - Não... nãoooo...
(País de ficção, qualquer coincidência com a fantasia é pura realidade)
E tudo em ti é ficção, são-o as tuas doces mãos e tristes palavras, quando acordam no centro da galáxia, os teus olhos, também eles, pura ficção, são-o os teus seios, as tuas coxas de socalco esquecido junto ao Douro, e também é de ficção o teu púbis envergonhado nas eternas geadas de Janeiro, aqui, porque lá, era verão, porque lá, lá tudo, também, como tu, tudo de ficção,
(texto de ficção, não revisto)
Amo-te, meu amor,
Cinco cêntimos de melancolia

Libertava-me de ti e das tuas sombras penumbras que o vento comia
e deixava sobre uma mesa redonda
os cansados uivos que o prazer recheava o prato de sopa mergulhado em tonturas e febres desgovernadas
tristes
cansadas
era eu o teu guardião das madrugadas fingidas pelos teus orgasmos de cera
que ardiam no altar da tua cama virada para o mar,

Não eras de pedra
aço
não minha e nunca o serás
e deixo-o arder entre clareiras como flores pintadas com verniz,

É-o no medo corrompido sabendo-o esquecido pela infinita mão
de ficção
em cinco cêntimos de melancolia
e três dias depois
evaporou-se como se evaporam as minhas palavras para ti...


Mata-me se puderes, mas
(ficção)
Deixa-me ficar os teus lábios para eu recordar, um dia, e nunca o esquecer...
esquecer o que são lábios, os teus, de pura ficção,
… de mera fantasia.

(Amo-te, meu amor)
@Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 7 de maio de 2013

O cais do desassossego

foto: A&M ART and Photos

Debaixo do meu cadáver de carvão
anoitecem horários proibidos como sonâmbulos esqueletos de desejo
não propriamente desejando o que quer que seja... imaginando imagens supérfluas
e desconhecidas nas paragens do autocarro da carreira
não percebem eles que o vento quando regressa
é porque se desencontrou com as árvores e nuvens e noites inculcadas
como pernas e braços sobre a cama camuflada do silêncio pergaminho
que as gaivotas transportam para as cidades de vidro,

Debaixo de mim... a viagem até te encontrar de cócoras procurando o mar
e as rochas de murmúrios que a areia sabe esconder
desenho no teu corpo de silício as marés de Agosto
embrulhadas nas poucas lágrimas que as aranhas fazem disparar contra o muro da tristeza
porque sim digo-o sem perceber sabendo que lá fora existem mãos de cordas ao nylon
depois da tempestade aportar sobre o cais do desassossego
e um pequeno barco lança-se dos teus lábios
em pequenos suicídios adormecidos...

Ele morre
e tu desejas-me quando cai a noite sobre os tentáculos da dor
cresce em nós mais um dia em desespero
um dia pequeno que depois se alonga noite fora
eles
eles esquecem-se de apagar as luzes da melancolia
e enquanto haver sol e estrelas e lua
é impossível amar-te como os socalcos do Douro amam as sombras de seios em delírio,

Sentindo-se as poucas cinzentas árvores
debaixo do meu cadáver de carvão que o oceano vai consumindo
como um toxicodependente absorve as veias infelizes dos lírios
e dos cravos
e das grandes pérolas com sabor a morfina
que alimentam sonhos e ressacas das belas palavras
mergulhadas na poesia
sempre sem o saberes dos jardins insignificantes com bancos em madeira apodrecida...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Vou e não vou e talvez um dia

foto: A&M ART and Photos

Não estarei cá sem que eu perceba a latitude do amor
e a longitude da paixão...
começo a recear a altitude do desejo
contra as montanhas com flores de sorriso encarnado
quando perfumes de gotículas de poemas rompem a madrugada
e
e alicerçam-se nos tentáculos das melodias como palavras embainhadas por mim
e em ti
de ti
os outros sonhos das coisas quadradas fingindo-se de círculos apaixonados pelo silêncio
e de mim
sempre a embriaguez dos olhos na penumbra dos cortinados de vento,

Vou agora partir
sem sentir as outras navegantes liberdades ao amor dos peixes
dentro do meu aquário de aço
e tubos de refrigeração até encontrar os corações que escondem o mar
vou sem sentir do meu aquário
imaginando pratos de porcelana pintados com papel de incenso,

Vou e não vou e talvez um dia...
regressar para os braços das árvores com pássaros pernaltas
cabeças cansadas de viver no mundo dos luares
oh... nocturnas mãos de sexos internacionais como os livros em edição de autor
empilhados sobre a mesa dos guindastes enferrujados...

Fumo-te engasgando-me nas persianas de plástico
quando das ruas emergem as sentinelas de pano
usam lenços amarelos no fino pescoço doirado
que o ourives das coxas loiras
deixou escorregar no jardim das clarabóias.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 6 de maio de 2013

“linda, como as portas envidraçadas que serviam de acesso ao escritório”

foto: A&M ART and Photos

Atravessava as portas pintadas nas paredes verdes como se tivesse a formula mágica de enrolara-me num pequeno ponto de luz, mergulhar na profunda escuridão da tarde meia adormecida, meia cambaleante devido aos soluços pulmonares que os pedaços de alcatrão encontraram ao adormecerem dentro da caverna esponjosa e a esposa, a minha, apressadamente a derramar pingos de xarope numa colher para me aliviar os brônquios, ouvia-o a ele
tens os brônquios entupidos, queres que te faça o quê? E claro, senhor Doutor, claro, e repetidamente – Se ao menos deixasses de fumar? - pois, senhor doutor, pois...
Eloquente, audaz, simplicíssima como rosas brancas acabadas de colher, era eu disfarçado de deusa do Sol, depois de ponto de luz, agora, neste momento, uma bomba louca de hidrogénio, fervilha, fervilho até enlouquecer os sons poéticos das minhas palavras deixadas adormecidas nos teus lábios, quando, assim... me despeço, caminho, percorro palavras distanciando-me da madrugada, e pois,
o maldito xarope, a maldita respiração, parecendo uma velha habitação de montanha com a canalização entupida, imunda, extremamente frágil como as borboletas em redor dos orifícios profundos dos meus espelhos ornamentais que herdei de um tio que por razões desconhecidas, dizem as crónicas, perdeu-se algures numa cidade no Brasil, quando regressava à aldeia fazia-se acompanhar de um palhinhas, um terno devidamente confeccionado, e na lapela usava uma rosa de papel, encarnada
Eloquente,
linda, como as portas envidraçadas que serviam de acesso ao escritório, lindas, as portas envidraçadas quando te escondia nas traseiras, nua, não nua, ou apenas afumar o teu último cigarro, e da tua mão, vinha-me o cheiro do teu último uísque,
não, amor, não me apetece, hoje,
E ouvíamos os rosnar do motor do velho Kadett, e líamos o último poema da noite, simples, uma quadra, duas quadras, tu, sempre tu a escolheres o doce AL Alberto, porque eu, há muito deixei de acreditar nas palavras, porque eu há muito deixei de acreditar nos silêncios, porque o silêncio não existe, existe, sim, e sempre, um pequeno som, uma pequena sombra de lítio, ou um sonífero de iodo, como quando experimentávamos as lâmpadas florescentes como roulotes de farturas e churros, bifanas e cerveja com tremoços, e tu dizias-me
cansada, meu doce príncipe das noites mal dormidas,
E eu dizia-te que um dia, quando pudesse, compraria uma cabana no cimo da montanha azul, e lá construíamos os alicerces dos chás de camomila e pericão, e de lá, sentados sobre uma pedra de incenso, ouviríamos uma música dos Fingertips, apenas porque apreciamos a melodia, e recordamos as terras sibilantes de S. Pedro do Sul, descíamos até às termas, visitávamos a campa dos avós, e novamente regressávamos à nossa enorme pedra de granito, a rocha desejada e que nos tempos mortos do dia, servia-nos para brincarmos às escondidas,
sempre a brincar, meu maroto
Não, amor, não me apetece, hoje,
boa noite palavras de ninguém, hoje somos muitos, amanhã, ou depois de amanhã, poucos ou nenhuns, porque o vento leva-nos os amigos, o amor, e a saudade, e deixa como moeda de troca, o desejo, a solidão de dois corpos, frios, húmidos, dois corpos que outrora foram os audazes cinzentos edifícios da grande cidade, toca o telemóvel, nada de especial sinal de chegada de correio electrónico, publicidade, malabaristas a oferecerem-me emprego sabendo que estou desempregado, envio o meu currículo, e depois, depois fico com o meu endereço de correio numa base de dados que serve exclusivamente para vender coisas, que
“linda, como as portas envidraçadas que serviam de acesso ao escritório, lindas, as portas envidraçadas quando te escondia nas traseiras, nua, não nua, ou apenas afumar o teu último cigarro, e da tua mão, vinha-me o cheiro do teu último uísque”
acaba de ganhar uma viagem para duas pessoas, e como eu apenas sou um, desisto, apago, finjo que não recebi, em seguida que têm trabalho para mim, mas, e claro, há sempre um mas... tenho de ter Internet, telefone fixo e disponibilidade, e o mais importante
Sigilo, o máximo de sigilo,
tem telefone fixo, senhora Maria? Maria? Não sou Maria, sou Teresa... oh... parvoíce a minha, Maria é a senhora do portão encarnado, mas... tem telefone fixo senhora Teresa? Eu? Não senhor... menino,
Ofereço-lhe um, chamadas ilimitadas para todas as redes, e tudo por apenas quinze euros mensais, que acha? Acho bem, sim senhor...
e o universo gira entre vidros em portas de escritório, o último uísque, o último poema, depois de várias carícias, o ultimo orgasmo e o penúltimo poema, e o tão esperado... último cigarro, atravessava as portas pintadas nas paredes verdes como se tivesse a formula mágica de enrolara-me num pequeno ponto de luz, mergulhar na profunda escuridão da tarde meia adormecida, meia cambaleante devido aos soluços pulmonares, e da sala ouvimos a campainha do telefone que o gajo nos impingiu e que não nos serve de nada...
Vidros, portas, paredes verdes e corpos encapuçados como cobertores de insónia.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

domingo, 5 de maio de 2013

Wotan`s Farewell and Magic Fire Music

foto: A&M ART and Photos

Para que servem as pontes, se eu, não as consigo atravessar, porque é-me proibido fazê-lo, por decreto, por desejo, pelas vertigens do medo, sento-me junto à margem do rio e imagino-me a atravessar a ponte para o outro lado, ignoro-me, finjo-me adormecido, talvez assim consiga perder a tristeza e acreditar que do outro lado, me esperam, espera, o meu regresso ao principio infinito das melancolias perdidas entre paredes, vermelhas, paredes, azuis, paredes... ai, paredes verdes, como as da cela onde estive até hoje enclausurado,
(escrevo e oiço Hans Hotter "Wotan`s Farewell and Magic Fire Music" Die Walküre)
Sinto-me voar sobre as ponte que atravessa o rio, sinto-me mergulhar nas tuas coxas como se elas, as tuas coxas, fossem um montículo de palha, de barriga para o ar, olhava-te os buracos que o tempo provocou nas telhas do palheiro, o teu palheiro, visto seres um pequeno montículo de palha, o meu corpo ficava encharcado de praganas, picavam-me, sinto-a, a maldita comichão, mas... compensa acariciar a tua pele de neblina em pedaços silêncios, mas compensa, sempre, mas compensa-me ficar aqui, e esperar que a ponte me venha buscar, e pegue na minha mão, como tu o fazias, não propriamente, mas imaginavas fazê-lo quando me convidavas para te abraçar perto dos arbustos do jardim em Belém, ao fundo o CCB, entrávamos, tomávamos café, e comprávamos livros, livros
que hoje pego neles e me fazem recordar-te no tal palheiro imaginário contigo travestida de montículo de palha...
(escrevo e oiço Hans Hotter "Wotan`s Farewell and Magic Fire Music" Die Walküre)
Livros, malditos de ti os livros oferecidos pelos olhos amargurados que o dia transportava para um quatro de hotel, havia uma cama, montículos de palha, havia um tecto, não como o teu, mas liso, areado liso pintado de branco, como o céu em dias de chuva embriagadas todas as janelas da cidade, abria-as e puxava de um cigarro para te saborear e para te chatear e para me distrair... que horas depois, partiria e te ia deixar
sempre imaginando que seria a última vez de mim dentro de ti,
Sempre inventando palavras para descrever os montículos de palha em que tu te transformavas, sem o saberes, apenas eu, quando te alisava a pele, percebia-se, apercebia-me que também tu receavas a partida, também tu encontravas formas distintas de adiar o inadiável, não fumavas tu, mas deixas-me adormecer nos teus braços de selva fazendo-me acreditar que havia sempre um outro dia, num outro mês, numa outra cidade, fazias-me acreditar que havia um outro hotel, com uma outra cama, num qualquer palheiro, não propriamente o teu, um outro, um outro qualquer, não importava, não nos importavam se havia semanas de quatro dias, ou se o dia tinha treze horas, até porque
tínhamos, lembras-te?
Deitamos fora os relógios de pulso, e rasgamos os calendários e as agendas, deitamos fora o ano de dois mil e quatro, e quando me olhava no espelho da tua testa franzina... via-me de pássaro a saltar sobre as árvores perdidas pelas ruas que íamos deixando abandonadas,
havia sempre um rua para nos acolher,
Sempre,
(escrevo e oiço Hans Hotter "Wotan`s Farewell and Magic Fire Music" Die Walküre)
e penso, não em ti nem nos montículos de palha seca como tu quando te transformavas em desejo, e penso, penso porque tive medo de atravessar a ponte e recusei-me encontrar-te do outro lado do Oceano, algures entre a terra e o mar e a lua, algures numa ilha deserta, sem ninguém, algures... por aí disfarçado de paquete galgando searas e montanhas, e sempre
Sempre acreditando que um dia perdia o medo de atravessar uma simples ponte,
e não consigo,
Sentávamos-nos na esplanada do CCB e víamos adormecer Lisboa...
Tão lindo, e tão belo, quando te vestias de montículo de palha, e eu, e eu acariciava os teus dóceis venenos que escondias entre os dedos de alga salgada.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Os castelos de sal

foto: A&M ART and Photos

Percebia-te infindável pelos teus olhos de maré luar
escondias-te das minhas mãos e da minha pele rasurada por uma caneta de tinta permanente
percebia-se que em ti viviam estrelas de madeira
e perfumes como caixas de música
havia em ti uma janelinha de amor
e um pedacinho de suor quando descia a noite das árvores adormecidas,

Censurada
tu habitavas como eu em mim entre abelhas de aço
e pequenos grãos de areia que o mar escondia de nós
tínhamos o mel das noites quando adormeciam os cobertores da dor
sempre que tu e sempre que eu e sempre... apenas vivíamos percebendo-se pelas linhas de giz
que o vento um dia vinha procurar-te entre os destroços dos vidros estilhaçados,

Percebia-te infindável... maré luar
e mesmo assim subi à árvore dos silêncios para trazer-te do sonambulismo desejo
onde vivias pensando que de mim havia luzes coloridas como te tinhas habituado à cidade...
dos sonhos proibidos e inventados e imaginados
porque viviam nas caixas de música
os eternos poemas do homem encapuçado pela noite dos castelos de sal.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Espelho dos sonhos

foto: A&M ART and Photos

Dizem que me inventaram numa noite de espinhos
quando dormia o sono
e todos os cheiros do teu corpo
deambulavam entre paredes de gesso
e pequenos quadrados de vidro
que a insónia lhes pegava com a mão
e os acariciava num espaço vazio
penumbro,

E fino como as asas dos anjos de brincar...
estou a falar da janela dos sonhos
e do espelho da saudade
onde me miro todos os dias ao acordar
e vejo-me crescer como crescem as ervas debaixo das lâminas de papel,

E vejo-me voar sobre as pétalas encarnadas da tristeza
dizem-me que fui inventada
pela mão de uma nuvem cinzenta
quando ainda existiam nuvens cinzentas na planície dos malignos esconderijos da paixão,

Hoje sou poeira como cigarros num quarto de vidro
a que alguns chamam de cinzeiro
outros delírios meus enquanto não me absorves e te alimentas de mim
dizem que fui inventada por ti
e aqui estou
esperando pelas tuas mandíbulas azuis que vivem dentro do medo,

Esperando pelas tuas mãos de cedro
que trazes nos olhos e das estrelas vadias...
os fins de tarde entalados no Tejo depois de amarelos peixes esquisitos
abraçarem-se-me e levarem-me antes de regressares para me resgatares do inferno
sentido que o amor deixa impregnado nas roupas minha pele...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

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