Sento-me nesta ausência
percebendo que pertenço a esse mar imenso das paisagens do silêncio, oiço os
teus gemidos de luz, percebo que sou apenas um pedacinho de nada em direcção ao
abismo,
O frio e escuro silêncio
da madrugada,
Oiço as fotografias
enraivecidas que desde a noite passada resolveram, todas elas, invadirem os
meus pensamentos, e percebo que cada personagem que habita nelas, são apenas
sombras da minha infância,
Rasuro-me no espelho do
quarto.
Ergo as mãos e sinto as
amargas palavras escritas numa noite de neblina, onde barcos e putas
deambulavam junto ao cais; parecia fácil, mas as tempestades voltaram do nada e
amanhã…
Amanhã chove, amanhã chove…
Sento-me.
Invento o sono das
persianas da janela e resolvo voar em direcção ao luar, como as abelhas em
flor, como todos os pedacinhos de mel que sobejam no silenciado corpo nocturno
do silêncio…
Inventam-se os gemidos da
alvorada,
Amanhã?
Amanhã vou. Amanhã sonho.
Amanhã eu faço…
E amanhã morre o
derradeiro sarcófago das Primaveras em florida paisagem, porque nela habitam os
pássaros dos pequenos milagres, porque o sono transporta o desejo e pelas
primeiras imagens observadas, nada a declarar; culpado.
Levanta-se o reu. Levantei-me.
Idade? Desde ontem, ao
final da tarde, fugiram todas as minhas palavras,
Cansado?
Pior; morto.
Em frente.
Amanhã eu faço…
E o amanhã não existe, e
amanhã pertencerá às primeiras imagens da saudade, porque amanhã…
Amanhã eu faço.
Tudo eu tudo eu tudo eu…
Morreu.
Cansou-se das cavernas e
foi viver para junto do mar da saudade, onde em pequenino brincava com uma mão
de veludo e havia sempre um olhar protector a observá-lo, hoje
Amanhã eu faço.
E quando me pergunto o
que faz um pedacinho de mel poisado num dos meus poemas…
Ele, ela, responde-me
Nada.
Peso.
Silêncio.
E mesmo assim continuam a
morrer as abelhas das tristes Primaveras, como morreram as minhas três
primeiras tristes palavras,
Junto ao mar.
Nasceram as acácias,
nasceram as primeiras lágrimas, nasceram as sombras e das sombras nasceram a
lua e o sol; mesmo assim, ele, ela, continuam a vaguear sobre aquele rio onde
mergulhavam as sílabas da insónia.
Amanhã.
E hoje?
Amanhã todos os pedacinhos
de mel serão crucifixos suspensos nas fendas do triste gesso que circundam o
sótão do medo.
Medo. Medo. Medo.
Porque morrem as acácias,
mãe?
Porque se apaixonam pelo
triste silêncio, porque descem sobre a cidade as lágrimas dos grandes rochedos e
o mar é apenas uma imagem…
Percebes agora porque
morrem as acácias?
Não mãe…
E mesmo assim continuam a
morrer as abelhas das tristes Primaveras, como morreram as minhas três
primeiras tristes palavras,
Junto ao mar.
E junto ao mar ficarei à
espera.
Alijó, 25/09/2022
Francisco Luís Fontinha
(ficção)