Desciam as escadas enquanto mergulhávamos nas palavras escritas que só o velho mendigo conhecia e depois acordávamos entre os pássaros da madrugada e depois olhávamos a maré em tons de cinzento sem percebermos que a noite é a morte vestida de estrelas abraçada à dor que apenas o corpo consegue desenhar na madrugada porque de luas e percebes estávamos fartos de desenhar na alvorada ora porque diziam que estávamos mortos se ainda conseguíamos escrever na areia molhada dos teus seios suspensos as canções de revolta enquanto uma enxada brincava no silêncio do deserto antes de acordarem os pássaros da madrugada?
És flor deste jardim construído
nos socalcos do desejo. Abro a janela do medo enquanto oiço as acácias que
brincam no teu corpo, depois, percebo que ninguém habita a tua mão onde deixo
ficar as minhas palavras como se estas fossem a despedida; o poeta vai partir
em direcção ao mar, porque neste porto apenas vagueiam barcos em papel e fotografias
da tua dor.
Desciam as escadas
enquanto mergulhávamos nas palavras escritas que só o velho mendigo conhecia e
depois acordávamos entre os pássaros da madrugada, sem percebermos que dentro
do círculo com olhos verdes, as palavras semeiam-se como se semeia o medo de
acordar junto ao velho plátano de uma infinita infância entre montanhas e
socalcos e seios de luz e lágrimas de luar; e aos poucos percebia da tua
respiração que em breve voarias como voam os pássaros quando percebem que o
silêncio é uma equação sem resolução. E que ainda hoje voas.
Diziam que estávamos
mortos se ainda conseguíamos escrever na areia molhada dos teus seios suspensos
as canções de revolta enquanto uma enxada brincava no silêncio do deserto antes
de acordarem os pássaros da madrugada, depois, ouviam-se as canções de
despedida embrulhada nas lágrimas que apenas o poema consegue descrever, quando
sentado num qualquer banco de jardim…
À dor que apenas o corpo
consegue desenhar na madrugada.
Nada mais.
E que ainda hoje voas.
Alijó, 23/07/2022
Francisco Luís Fontinha