domingo, 9 de agosto de 2020
Romântico amanhecer
Sou eu. Sou eu, o silêncio suspenso
nos teus lábios de acrílico suspiro, a madrugada pincelada na tela inventada
pela noite, regressam as sombras dos automóveis cansados, quando todas as
ruelas da cidade, desenhadas pelo luar, são apenas sombras, manhãs
desesperadas, corpos embalsamados, esqueletos de papel semeados nos campos
marítimos do desejo,
Amo-te.
Sou eu, a claridade das tuas mãos
quando acariciam o meu rosto de xisto, deitado sob a clarabóia do amanhecer,
Um barco, meu amor,
Um barco deitado sob a clarabóia do
amanhecer, os suspensórios tristes que pegam nas calças calcinadas pelo vento
da manhã, meu amor, um barco de espuma, um lençol de vómito descendo a calçada
em direcção ao rio, lá longe,
Amas-me?
Um pequeno alfaiate desenhando
sílabas na areia do Inferno, automóveis cansados que se apião nos apitos
nocturnos da insónia, valha-me meus, menina,
Sim, meu amor,
A menina é tão bela, como o
silêncio de todas as esplanadas, no Verão, antes de abrirem as cancelas da
solidão, pego no teu olhar, imagino um carrossel de sémen brincado no sótão do
homem de negro, dos olhos, a venda espelhada dos fins de tarde, nem mais, uma
criança grita pelo papel vegetal que alimenta a mão do artista,
Então os desenhos?
Estão quase, repentinamente escreve
ele no muro da imaginação, olho-te e, escrevo-te, entre parêntesis e pontos de
interrogação,
O texto, meu amor,
O texto constrói-se na tarde,
invento meninos de chumbo perfilados na avenida, todos de máscara, como os
espantalhos de Carvalhais, amanhã
Amas-me?
Amanhã todos os santos são estátuas
de sofrimento, altares de espuma esperando o regresso do comboio, o sem-abrigo
procura sombras na imensidão da cidade, e tu, meu amor
Amanhã,
Abrem-se as cancelas do desejo,
existe em ti o infinito amanhecer, descalço, como medo de amr, corre, corre em
direcção ao mar, porque
Amanhã?
Sim, porque amanhã a noite será uma
jangada de vidro no silêncio dos rochedos enamorados pelo abraço.
Sempre em ti, este cansaço de amar.
Romântico amanhecer.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 09/08/2020
sábado, 8 de agosto de 2020
Amanhecer
Amanhece nos teus lábios
Um corpo de linho.
Suspenso numa cama
inventada pelo desejo,
Acaricio-te suavemente e
com medo de te acordar
Do sono alicerçado na
madrugada.
Oiço-te gemer em
pequeníssimas sílabas de silêncio,
E de dentro do vento,
Um lençol de espuma,
branco entre soníferos de alegria,
Abraço-te; tenho medo de
magoar o teu corpo de porcelana,
Quando desce a montanha,
em direcção ao rio…
Uma enxada trabalha
arduamente na sombra dos socalcos envenenados
Pelo apito do comboio
embriagado,
E, ao fundo, o túnel da
solidão escorrendo um líquido viscoso, sem cor,
Derramado nos trilhos dos
animais nocturnos
Onde habita o teu
sorriso.
Espero. Canso-me de não
te ver,
E, quando te vejo, nua
como todas as luar nocturnas,
Escrevo-te,
Desenho-te,
Simplesmente te abraço.
Amanhece nos teus lábios
O sorriso de menina
adormecida,
Ensonada como todas as
vírgulas
No texto impregnado de
estórias…
Acorda em nós a insónia.
Madruga o poeta nas
ruelas do engate,
Escreve versos,
Prostitui-se nas palavras…
E dorme no teu peito; não
sofro, meu amor,
Porque os teus olhos são
estrelas de papel…
Dançando no Universo.
Acordas-me.
E todo o sonho não passa
de uma mentira
Para me afastar de ti.
Corro.
Beijo-te.
Sabendo que amanhã é
Domingo.
E todos os versos serão
teus.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 8/08/2020