foto de: A&M ART and Photos
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Se chove, não a sinto, se chove, se chove... que
fará a chuva a um corpo nu, despido, vagueando entre dedos,
vagueando entre fotões, electrões, se chove... não a sinto mas
oiço-a na minha pele como pequenos pontos de luz, como... como a lua
procurando as tuas mãos sabendo ela, que as tuas mãos são um
pêndulo, suspensas por um longo fio de nylon e suspenso no tecto da
paixão,
Um corpo em repouso, estaticamente só, um corpo
longínquo e transformado em ponto de luz, mergulha, e dorme, e
alimenta-se das lâminas transparentes dos apitos marinheiros com
vista para o mar... um corpo só, suspenso no pêndulo da noite,
adormece, sonha, vive, esquece... e saltita como marés cinzentas
depois dos velhos suspiros em peixes voando sobre a cidade, este
corpo, este pequeno ponto de luz... ele mesmo, a própria cidade, a
cidade mergulhada nas camisas madrugadas ornamentadas de pequenas
dentadas, e em dentes de marfim, o teu corpo aparece transvasado
dentro das minhas tristes mãos, como um vagabundo silencioso
perdidamente esquecido nos bolos de chocolate e das fatias laminadas
que sobejavam da luz vizinha em arbustos envenenado pela solidão dos
finais e tarde, um corpo, o teu, um pequeno ponto de luz, procurando,
procurando verdadeiramente o movimento circular uniformemente
acelerado, serve-te, este?
Não sou eu que procuro a luz dos teus olhos, mas
ela persegue-me, embrulha-se nos meus braços, e não me deixa
escrever, às vezes, sinto-a longínqua em redor do meu pescoço,
quase não respiro, quase não vivo, e mesmo assim, o teu corpo,
minúsculo, o teu corpo transparente das tardes de Setembro... voa, e
navega como uma caravela nos lençóis de espuma que o desejo
abandona depois de acariciá-lo, depois de...
Não percebi!
Se chove, não a sinto, se chove, se chove... que
fará a chuva a um corpo nu, despido, vagueando entre dedos,
vagueando entre fotões, electrões, se chove... não a sinto mas
oiço-a na minha pele como pequenos pontos de luz, como... imagino-a
sobre o piano, imagino-a enrolada ao cortinado carmim da janela da
biblioteca, entre mortas personagens e vivas paixões de areia, o
mar, nua, sinto-a como a se fosse filha da chuva e mergulhada nas
sandálias da manhã por acabar, sinto-a vaguear nas sílabas do meu
corpo, e depois
Não percebi, não percebo porque chove em ti,
Depois, qualquer coisa de estranho na tua voz, um
simples e medíocre círculo com olhos verdes, e escrevi-o sem saber
porque o fiz, ou se vivesse eternamente, acreditava na morte dele
depois de o escrever, e não percebi e não percebo que ainda vive em
mim e só morrerá quando eu morrer, quando as minhas mãos deixarem
de escrever e o espelho
Não percebi...
E o espelho vestido de grená espera-me
(não revisto – Ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 1 de Setembro de 2013
P.S.
Deixei de ser eu quando a chuva me roubou os sonhos
de papel que e guardava religiosamente no meu peito, deixei de ser
eu, e mesmo assim, corria devagar para adormecer nos teus braços de
aço, âncora mórbida, só, sentada no Cais das Colunas, só como as
nuvens quando desciam as escadas dos velhos e rabugentos guindastes e
entravam no teu sorriso, embebias-te em algodão e açúcar refinado,
e tão finas que eram as noites em ti que deixei de existir, deixei
de ser
Eu?
Tu?
Deixamos de viver, de comer, deixamos de correr em
volta de um círculo com olhos verdes, ele, vive, ele pertence ao
livro ainda não terminado, vive, come, vive e oiço-o diversas vezes
nas ranhuras clandestinas dos veleiros invisíveis,
E ainda há quem diga
“A chuva não existe”,
E ainda há quem diga que o teu corpo é de espuma e
que os teus olhos são...
Pequenos pontos de luz?
Electrões, fotões, positrões, neutrões,
partículas de Deus... e afins, limitada, com sede na rua dos
desgostos, número vinte, Lisboa,
E ainda há quem diga que o teu corpo é como a
espuma, e desaparece todas as sextas-feiras à meia-noite,
rés-do-chão, direito.