foto de: A&M ART and Photos
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O corpo do texto, emagrece, reinventa-se e mergulha
entre silêncios e cavernas como a solidão dos primeiros dias da
ausência dos sons poéticos e melódicos, o corpo ausente de
tamanho, do zero ao doze, finge-se de morto, termina a linha, muda-se
para baixo, travessão, ponto final, parágrafo, ponto de
interrogação?
Desisto, pergunto se vale a pena continuar, e oiço-o
como um vibrador dentro do meu ouvido,
Não, não continues, desiste rapaz,
E desisto,
E pergunto-me como será o Inverno, lá, depois de
partir,
É como cá, respondem-me, respondem-me,
respondes-me
Não faz mal, não faz mal, tudo é maleável como a
sombra dos pinheiros em Carvalhais, tu
Tudo mesmo, mãe?
Tudo filho, tudo, o teu corpo é maleável, os teus
sentimentos
Como são eles, mãe?
São em tecido e bordados com rosas, umas bravias,
outras...
Como são as outras, mãe?
Menos bravias, mais calmas, mais
Belas, mãe, mais belas?
Muito mais, meu filho, muito mais,
O corpo do texto, o papel fica composto, cada vez
menos espaços vazios, cada vez mais sofrimentos devidos às letras
distorcidas da velha máquina de escrever, o teclado engasga-se, o
teclado
Como são as outras, mãe?
O teclado prisioneiro das tardes junto ao rio, o
teclado encalhado nos rochedos das sanzalas invisíveis dos panos
encarnados, tapavam cadáveres, tapavam fome, tapavam o sol e os
sonhos dos meninos, eu sonhava, ela sonhava, nós sonhávamos...
Com rosas, mãe?
Sim filho, sim
O teclado acabado de ser detido, criminalmente...
ser oposição, escrever nas paredes negras da noite, e
separadamente, éramos espancados vos chicotes de corda, com a ponta
em fino papel, era assim, é assim, sempre o foi, sempre assim será,
tudo
E se o velho morrer, mãe?
O venho nunca morre, meu filho, nunca, como nunca
morrem as rosas bravias, como nunca morrem as sanzalas e os musseques
e os charcos depois da chuva, e o velho, mãe, e o velho
Eterno, eterno sentado a olhar o mar,
O texto multiplica-se na maré doentia de Domingo,
dizem-me que fiquei absorvido pelas nuvens que sobrevoavam os
telhados de vidro, e o texto agora com pequenas imagens, e o texto
agora com letras, grandes e pequenas e nenhumas... e algumas,
tristes, alegres, negras, azuis e cinzentas, multiplica-se e vomita
canções de amor, música, palavras declamadas por gargantas
envenenadas pelos peixes e pelas tuas algas, havia um rio que nos
prendia à madrugada, havia três caixas de cartão todos os papeis
que lá jazem, têm o teu nome, e ainda tu não tinhas nascido
Mãe, como é isso possível? Porquê, mãe?
Estás lá, abro-as, o teu nome escreve-se como
teclados domesticados, a tua fotografia hoje pertence aos esqueletos
de cartão, morreu disseram-me depois de te ausentares
Morreu de quê, mãe?
Saudade?
Porque se morre de saudade, mãe?
Porque um dia o mar virá buscar-te, um dia, um,
filho meu...
E o texto? E o texto cresce como árvores na
Primavera, e o texto reinventa-se..., e dorme, e dorme em ti, sobre
ti, e dorme na tua mão
O velho, mãe?
O velho morrerá,
E a liberdade dos pássaros e dos corpos... serão
comestíveis como os teus mamilos quando salteias os lençóis
nocturnos dos pequenos parágrafos, dos pequenos pontos finais,
outras
Nem pontos, nem vírgulas,
E enquanto o velho não morrer, não felicidade, não
vida, não sonhos.
(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 11 de Agosto de 2013