foto de: A&M ART and Photos
|
Sempre o quiser, sempre sonhei viver, assim, como
vivo, simples, livre, às vezes, pareço um abstracto pólen voando
sobre a cidade infestada de ratazanas, flores, abelhas, mulheres e
homens, crianças, tendas de lona e roulotes, sempre o quis ser,
sempre sonhei viver assim, como hoje, ontem, procurando coisas,
vendendo coisas, tendo dentro de mim
Coisas?
Dentro de mim a saudade das fotografias a
preto-e-branco, imagens mortas, imagens encerradas dentro de um
livro, imagens..., sempre o quis ser, sem cheiros, sem a visão da
terra gretada antes das chuvas, dentro de mim, coisas, edifícios com
coração de madeira, ruas e ruas, coisas, automóveis, barcos
flutuando
Dentro de mim?
Coisas,
Não flores, dentro de mim, barcos flutuando nas
sandes da manhã, dentro de mim, gaivotas vomitando coisas, porque a
ressaca assim o determina, coisas, não flores, não guilhotinas,
cordas
Para que servem, pergunto-te, coisas?
Não
Flores, a terra cheira a húmus, a terra cheira a
literatura, a terra sabe a poesia, coisas, das coisas, de ti, e de
mim, não, não flores, nunca, e nunca me ofereceram flores, nem
quando ele se transformava em mulher, nem quando ele
Não
Não flores,
Nem quando ele olhava o espelho do guarda-fato,
vazio, coisas, como um compartimento sisudo, sem sorrisos, e que
nunca viu o silêncio, nem quando procurava
Ruas?
O desejo transformando-se em mulher, vagueando como
minhocas nos jardins das plataformas do cais de areia, trazias umas
calcinhas, não meias, Flores? Não
Flores,
E ruas...
Flores,
E nauseabundas camas ortopédicas, onde praticávamos
os números de circo que depois exibíamos nos espectáculos sem
nome, procurando terras, vivendo dentro de espelho, gemendo quando os
sexos, o meu, e o teu, e não flores
Flores?
Se misturavam nos lençóis como a capa do homem que
era responsável pela apresentação, uns gritos, uns poucos uivos, e
gemidos, dentro do camarim, dentro do espelho
Não, hoje não, flores, não flores,
E ruas?
Nem quando ele olhava o espelho do guarda-fato,
vazio, coisas, como um compartimento sisudo, sem sorrisos, e que
nunca viu o silêncio, nem quando procurava
Ruas?
O desejo transformando-se em mulher, vagueando como
minhocas nos jardins das plataformas do cais de areia, trazias umas
calcinhas, não meias, Flores? Não
Não?
Fiquei
Perdi-me nas avenidas escuras com dentes de marfim,
fiquei, dentro do armário, anos, meses, segundos, zero, menos um,
menos dois...
Debaixo da terra, encalhado numa linda e bela fenda,
eu, da roulote, chamava por ti, ouvias-me e dizias que tinhas ficado
surdo, ouvias-me e dizias que a lona tinha voado, como o faziam
Pássaros?
Flores?
Fiquei, esperei por ti, perdi-me nas avenidas de
gorro e sobretudo, e não
Flores?
Não
Porque odiávamos as flores, porque
Dentro de mim?
Coisas?
Tristes, as coisas que me contavas, contas, e
deixaste de contar, tristes, nós, eu e tu, tristes, dentro de uma
roulote parecendo um bar flutuante a passear sobre uma velha ponte
metálica, porque, tu, deixaste de coisas
Flores?
Não, não flores.
(Não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sem comentários:
Enviar um comentário