segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Ou o pai retratava o filho

(    )
Juro, se fosse hoje, se fosse hoje inventava-me, colocava umas luzinhas na cabeça, pedia ao senhor Arsénio que me desenhasse umas asas e mandava-as construir ao tio Serafim, quando regressasse a casa com a estrelada, coitada, manca
Estrelada!
E amanhã não me fodes mais porque vais ficar na loja porque com a pedrada que te dei, e enquanto isso, o Serafim a jogar ao pino com os colegas da escola, e tenho quase a certeza que ele me constrói umas asas com vista para o Tejo, pensava o menino Pedro antes de adormecer e enquanto a família, pai, mãe e avós, todos, numa irritação
É a tua cara Alberto,
Não é não, respondia a avó Madalena, e acrescentava
É tal e qual o meu João, isso não tenho duvidas
E eu, e eu tenho a certeza que tenho algumas parecenças com um embondeiro, com um mabeco, ou na pior das hipóteses
Com um Anjo,
(mais uma breve pausa para ir à casa de banho regressamos o mais breve possível)
Sim, com um Anjo, Porque não? Deve estar louco menino Pedro, queixava-se o porteiro embriagado quando madrugada dentro ele
Eu, tu, regressávamos das longínquas sentinelas de estanho, deixávamos as mesas de granito junto aos jardins caquécticos da casa de S. Pedro do Sul
Constipação
Ou
Fígado,
Constrói-me umas asas, tio Serafim
E a coitada da estrelada só em três patas, sofreu tanto, tanto sofrimento teve esta ovelha, e o menino Pedro e a menina Margarida
Eu, tu, regressávamos das longínquas sentinelas de estanho, deixávamos as mesas de granito junto aos jardins caquécticos da casa de S. Pedro do Sul, deixara de chover, o fígado pifou uma vez mais, constipação
Ou
O pai retratava o filho com imagens a preto e branco, no tornozelo uma fitinha azul com o nome e o dos progenitores, e se fosse hoje, e se fosse hoje juro
Tinha-me inventado.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

Os textos loucos nas paredes de betão


Tínhamos uma árvore de papel
das palavras com sabor a prata
tínhamos uma sílaba de lata
com pingos de mel
e nas tardes em silêncio que brincávamos com o mar
tínhamos um punhado meigo de melancolia
e versos de amar
que cantávamos até nascer o dia,

Tínhamos que ainda não esqueci
a harmonia
que às vezes disfarçava-se de alegria
e outras tantas vezes inanimadas
vi
e senti
o sorriso das lindas madrugadas
que eu inventava nas planícies acorrentadas,

Às bocas submersas no cais das merendas (livro de Lídia Jorge, O cais das merendas)
e murmurávamos na língua escura da solidão
os sons do piano bar
com os poemas da paixão
antes do jantar
murchava o coração
e das mãos pegajosas os textos loucos que a luz escreve nas paredes de betão
que um louco aldrabão esqueceu na sombra de uma árvore de papel,

Tínhamos sabão
e óleo vegetal com sabor a pimenta
tínhamos o amor e os lábios pigmentados com sandes de salpicão
e mesmo assim
no jardim
tínhamos sexo dentro de uma caixa de cartão
comíamos sem sabermos que as viagens para Marte eram pingos de saliva da tua imaginação
antes de regressarmos à morte que adormece nas lamentações de uma triste sebenta.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

domingo, 6 de janeiro de 2013

Que têm os barcos Francisco?

(     )
E o mar em finos fios a correr pela casa, ouviam-se os petardos anárquicos misturados nas palavras amargas, às vezes, trazias nos olhos lágrimas de prata, tinhas asas de vidro, e quando te perguntava
Matilde, mexeste nas minhas tintas?
Sorrias, abanavas as asas, e voltavas a sorrir
Não, não mexi, pai
Sorrias, abanavas as asas, e voltavas a sorrir
Pai?
Sim, Matilde!
A mãe?
Que tem a mãe?
Onde está?
Sorrias, abanavas as asas, e voltavas a sorrir, e tínhamos flores em recipientes cerâmicos, de várias cores, pintavas-os com os restos de tinta acrílica dos meus tubos que ias buscar ao meu atelier, metias as mãozinhas no bibe, e de cabelo balançando dentro do vento que acabara de sair da caixa de madeira, aos poucos aproximava-se da grande cidade o paquete com ventos lilases e folhas de árvore empobrecidas pelo sal e devido ao calor, transpiravam os carros junto a Belém
Não sei, Matilde, nunca soube onde está a tua mãe,
E os carros arfavam, e tu sorrias, e eu empoleirado nas grades ouvia os pedaços de fumo do cigarro de um magala que pelo fardamento devia andar nos lanceiro, na Ajuda, sentado e de pernas cruzadas, sobre as coxas via um caderno com uma capa que tinha desenhos de flores, via também um livro “O Doutor Jivago” de Boris Pasternak, e ao longe, nos jardins de Belém dois amantes provavelmente separavam-se eternamente para o todo e sempre, ouvias-lhe
Sim, Matilde!
A mãe?
Que tem a mãe?
Onde está?
Ouvias-lhe as lágrimas de prata e tu, com asas de vidro, sorrias, ouvias-lhe os silêncios entre as árvores e os arbustos,
Tenho de ir
Porquê pai?
Já alguém te disse que tens o coiso grande?
Não sei, Matilde, nunca soube onde está a tua mãe,
E aos poucos Lisboa entrava dentro de mim, e aos poucos sentia a paixão da cidade a entranhar-se nos meus frágeis ossos, de galinha de aviário, e perguntei ao meu pai
Pai, vamos para onde?
Olhou-me, lançou o cigarro ao Tejo, a sorrir e a abanar as asas, sorrias, abanavas as asas, e voltavas a sorrir, Pai?
Vamos para Alijó.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

O post-it e a cidade

( )
As ratazanas querem comer-me, acreditava eu, a cada segundo de ponteiro que o velho relógio descrevia nas clandestinas terras assombradas pelo capim desnorteado, estonteante, doente, e afinal as ditas ainda tinham mais medo do que os palhaços do circo junto ao átrio da igreja protestante, e mentalmente ela queria dizer-me
Amor, falta-nos tudo,
E ele respondia-lhe
Se a casa tiver livros já tem tudo,
Vai fazer-te bem, amor,
Acordavas-me, erguias-me, a ténue luz desenhava na parede lateral um menino de sombra, e ela obrigava-me a beber o leite com mel, queimava a boca, torcia-me na cama como se estivesse no interior de uma tempestade de areia, e nunca percebi o infernal trânsito
chegavas tardíssimo a casa, inventavas trânsito que todos os dias antes partires, deixavas colado no frigorífico, regressavas, descolavas o post-it e a cidade retomava o ritmo solitário que as noites trazem, constroem dentro das imensas dores frágeis que os ossos das tuas mãos carregavam caminho abaixo até chegares à ribeira, e mentalmente ela queria dizer-me
Amor, falta-nos tudo, e afinal, as ratazanas queriam comer-me, acreditava eu, a cada segundo de ponteiro que o velho relógio descrevia nas clandestinas terras assombradas pelo capim desnorteado, estonteante, doente, e afinal as ditas ainda tinham mais medo do que os palhaços do circo junto ao átrio da igreja protestante, e mentalmente ela queria dizer-me,
Se a casa tiver livros já tem tudo,
O trigo deixou de crescer após a tua partida, os pássaros, hoje, tal como os aviões, não voam, morrem, às vezes morrem, sem nada a casa, hoje não, se a casa tiver livros já tem tudo, o post-it e a cidade retomava o ritmo solitário que as noites trazem, constroem dentro das imensas dores frágeis que os ossos das tuas mãos carregavam caminho abaixo até chegares à ribeira, e mentalmente ela queria dizer-me
Falta-nos tudo,
E mentalmente ela queria dizer-me que o trigo deixou de crescer após a tua partida, os pássaros, hoje, tal como os aviões, não voam, morrem, às vezes morrem, sem nada a casa, hoje não, se a casa tiver livros já tem tudo,
E tu
Assassina-me como se eu fosse um grito de luz, e não deixes que as cores do arco-íris murchem, se extingam, morram, quando acorda a noite no pólo da saudade, chegavas tardíssimo a casa, inventavas trânsito que todos os dias antes partires, os pássaros, os aviões, e eu
E eu sempre que podia, quase sempre, antes de começar a noite, inventava trânsito, que cobriam as cores do arco-íris, e tu
E eu
Com o leite, o mel, à espera que regressasses das tuas longínquas viagens ao além, e afinal as ditas ainda tinham mais medo do que os palhaços do circo junto ao átrio da igreja protestante.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

(Palavras frágeis)
Em destaque no Sapo Angola
blogue Cachimbo de Água

sábado, 5 de janeiro de 2013

Palavras frágeis


A todas as palavras frágeis
que desenhei na tua boca
quero-as de volta à minha mão deserta
morta

confusa porque o meu coração
sente o silêncio das rochas mergulhadas no mar
um peito arde e esfumaça-se na lareira da saudade
como todas as flores que viviam nos jardins da Babilónia

arderam morreram simplesmente subiram aos céus
e encontraram
morta
A todas as palavras frágeis

que desenhei na tua boca
a louca
porta
que se esconde nos teus abraços lilases

poucas
como as jangadas que se suicidam no lago da amoreira
troncos finos de árvores cansadas
tombam

incham
e em ais sobejam dos lábios em poesia
sentia que sinto ainda as palavras poucas
nas frágeis manhãs de Primavera.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

As ardósias palavras dos teus seios

(   )

Sentia a tua mão nos meus seios, e ias descendo, descendo, sabia-te dentro do meu púbis de areia, e o mar começava a alimentar-se de mim, prenunciava grunhidos sons, e ao longe os ossos invisíveis dos peixes apaixonados, e vinham até nós os sons melódicos de um saxofone em solidão, era verão, era sábado, e a tarde começava a evaporar-se nas palavras que escrevíamos sobre os teus joelhos esqueléticos onde poisávamos um caderno com um capa dura, grossa, com desenhos de flores
Porquê
Tens de deixar de fumar,
E eu, eu pegava na tua mão débil, finíssima como os ramos de laranjeira que tínhamos no quintal em trás-os-montes, tão longe, a lareira, os livros, o sino da igreja quando dormíamos sossegadamente dentro dos lençóis de insónia, e tu
Eu sentia o sofrimento árduo dos teus lábios acabados de regressar, trazias nas mãos uma punhado de areia húmida, e na boca escondias o silêncio amor que a paixão sibilou nas carcaças apodrecidas dos peixes que viviam nos lençóis nossos que do jardim cheirava a incenso, alecrim, mirra, oiro falso, alquimia, líamos Proust, e sabíamos que
E deixei de fumar,
E sabíamos que todos os plátanos um dia, vinte e cinco anos depois, ruiriam, como ruíram os alicerces de todos os crucifixos de prata
Sentia a tua mão nos meus seios, e ias descendo, descendo, sabia-te dentro do meu púbis de areia, e o mar começava a alimentar-se de mim, prenunciava grunhidos sons, e ao longe os ossos invisíveis dos peixes apaixonados, dos poemas,
Morreram, como morrem todos os crucifixos de prata que entram na minha vida nocturna com sabor a mar e desejos de luas com pedaços de laranja, sonhos, e pipocas quando ligo a máquina das imagens, e apenas sombras, pretos, brancos, os riscos, os riscos crucifixos de prata que a melancolia escreve nas ardósias palavras dos teus seios.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó