segunda-feira, 30 de março de 2015

Nublado


Não me contes a estória

Aquela

Do coitadinho sem dinheiro

A sua riqueza era a literatura

E a poesia

Tínhamos construído a tenda do silêncio

Alicerçada às tuas coxas

Como serpentes em aço

Voando

Gritando…

Não

Não me contes a estória

Aquela

De…

A tarde mergulhava no sémen da tristeza

Os barcos brancos

Roucos

Sós

Caminhando nos teus lábios

O poema habita no sexo do poeta

O teatro encerrado

A casa de putas embrulhada na insónia

Não tenho palavras

Para aliciar o teu cigarro

A morte vive nesta casa

E nesta casa vivem

Livros

Velhos

E loucos

Jardins de naftalina

Escrevo-te

Meu amor

Vivo apressadamente no intuito de um dia

Amar-te

Não acredito

Nas palavras

No chocolate derretido entre quatro paredes

O colchão envenenado

Morto

Amado

O teu corpo de mogno

As flores

E os socalcos envidraçados do abismo…

Não sei… meu amor

O que é o amor?

Uma espingarda

Um canhão de beijos…

… ou… o amor

A paixão tridimensional da razão

O coração arde

E lança-se ao povo

Gritam

Choram

As luzes da aldeia

E sem o saber

Ele

Desculpe… quem é ele?

O esqueleto de pano…

Do meu sonho

Nublado…

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Segunda-feira, 20 de Março de 2015

Carta ao destino


Pareço um sedimento

Quando acordam as abelhas

E as migalhas de gelo

Que não pareço

Sonham nas árvores do teu jardim

Sou o vagabundo transatlântico

Desgovernado

Como sempre fui

Desde que nasci

Quando abriram a janela do perfume

E lá estavam elas

Todas preenchidas

 

Empilhadas

As nuvens de um Domingo

Sem endereço

Ou… ou identidade

Sinto no teu olhar o luar de Janeiro

Porque nasci em Janeiro

Era Verão

O calor entranhava-se na minha mão

Ouvia o sorriso dos parvalhões

À minha volta

Tão pequenino

Tão…

 

(o caralho que vos foda, pensava eu)

Quem são estes gajos

E estas gajas…

Ninguém me respondeu

Ninguém

Hoje são apenas palavras

Mortas

Numa cidade

Morta

Como as ditas migalhas de gelo

Cambaleando num calendário enforcado numa parede

Havia riscos

 

Letras indecifráveis

Papéis velhos

Não amigáveis

A guerra

O silêncio das balas

Cruzando o berçário

Eu era um ranhoso

Rabugento

Sempre aos berros

E mal abri os olhos

Barcos

O meu primeiro sonho

 

Fugi

Mudei de nome

Hoje não sei onde nasci

E se essa terra ainda existe

Ou… ou é apenas uma imagem sem coração

O dia deitava-se sobre a pedra fria da morgue

Eu percebia que lá fora

Alguém

Me esperava

Para quê?

Se eu nunca quis ninguém…

Ao meu lado para me esperar

 

Eu só queria partir

E voar…

Pegar numa faca

E cortar todos os segredos

E todas as sombras

De um quintal

Com mangueiras

E um papagaio em papel

Desenhos

Desenhos no meu peito

Que hoje escorregam quando me levanto

E se transformam em lixo…

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Segunda-feira, 30 de Março de 2015

Das palavras às palavras…


As arcadas tristes da memória

O silêncio insigne da estória

Quando o corpo geme nas minhas mãos

No vão de escada imaginado

O teu sexo nos meus braços

Sinto o peso da tua solidão

Como se fosse um ponto esquecido no espaço

Atrevo-me a ajoelhar

No altar da poesia

Um uivo

Um gemido

Uma… profecia

Na maior das hipóteses

O corpo amarrado ao silêncio

Sinto o teu perfume

Nas minhas pálpebras de estanho

Perder-me

Em ti

Sem saber que as coisas boas da vida

São círculos de chocolate

Na ardósia das palavras

Não falo

Não imagino as pedras de xisto

Comestíveis na alvorada

Nos teus olhos

As palavras me enforcam

E matam

Antes de adormecer

Lapidando o teu corpo de amêndoa

Nas sílabas tontas da paixão

Meu amor

Porque são tristes as tuas nádegas?

Porque são alegres os teus íngremes salivares desenhos

Do desconforto

Amar-te

Não… não amor

Não quero

Voar nos braços da inconfidência

Trabalhar

Nos poços da solidão

Ser o Príncipe perfeito

Imperfeito

Amargo

Amanhece na tua boca

E visto-me de gaivota

Louca

Das palavras

Às palavras…

 

 

Francisco Luís Fontinha - Alijó

Segunda, feira, 30 de Março de 2015

domingo, 29 de março de 2015

Fotografia no Mussulo


Os colchões de areia do Mussulo

A hipotenusa brincando no quadrado

E num pulo

O mar

Esboçado nas trincheiras da melancolia

A dor

Adquiríamos as ventosas do desejo

Debaixo dos abraços cinzentos

Nos telhados de vento

O tempo indisponível

Tente mais tarde

Ouvia-a depois da luz se extinguir

Nos rochedos negros do púbis

Havia música nas janelas que o luar desenhou

Nas tuas coxas

Deus brincava nos teus pincelados lábios

Pedia-lhe

Não me respondia

A fala

A palavra prometida

Assustava-me

E fugia

Libertava-me do incenso

E das canetas de prata

Alimentava-me dos brinquedos em plástico

Entre as sombras das mangueiras

Os homens

As mulheres

Ao portão…

Abraçava-me

Beijava-me

E no entanto

Era apenas uma fotografia

Sem pátria

Que gemia

E não sentia

E havia

Nos seus ombros

Um triciclo envenenado pela fogueira da paixão

Eu

Eu tremia

Sem saber que o barco me levava

Nunca mais me trazia

A esta terra sem capim

Nem árvores de veludo

O teu corpo imaginava-se nos tristes arvoredos do sonho

Antes de adormecer

Eu… eu escrevia

Olhávamos as almas

E os becos escondidos na cidade

O Tejo entre azulejos

E livros

O caderno junto aos teus seios

Tão pequenos

Como as estrelas

Como os cinzeiros

Semeados na minha secretária

Papéis orvalhados nos condomínios de luxo

As portas do inferno

Comendo os teus geométricos olhos

Vai caminhando na voz enrouquecida das abelhas

E dos veleiros nocturnos da solidão

Hoje recordo-te nos colchões de areia do Mussulo

Como recordo as avenidas embriagadas

Pelo silêncio obscuro

Sempre tive medo dos teus cabelos

Abraçava-me

Beijava-me

E era apenas uma fotografia

Tão triste

Tão triste que durante o dia

Ardia…

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 29 de Março de 2015

O orgasmo da saudade


Este beijo de pérola adormecida

Fingindo habitar numa ilha

Os lábios cessam nos murais do sofrimento

O silêncio agarra-se aos tentáculos do desejo

As imagens da escuridão

Desenhadas nas minhas mãos

O vulcão da insónia

Não regressando mais

Como uma folha

Caída do habitáculo tridimensional

A parede perfeita

Escrita entre o orgasmo inventado

 

E o poema perdido

Esquecido nos teus seios geométricos

Quando da ardósia

Um círculo de nada

Morre

E fala

As palavras amadurecidas

Sem nome

Sem medida

O derramado húmus da tristeza

Quando o sémen de prata

Invade a melancolia

 

Nasce o dia

Cresce nas tuas coxas de silício

A penumbra pintura do adeus

Enigmático

Dizem elas quando lêem na minha algibeira sem profissão

O significado do amor

Apaixonado

Não

A bala de sabão contra a minha camisola

A gripe

O profanar

Das flores de papel

 

Que o texto ilumina

Ele é louco

(Dizem elas quando lêem na minha algibeira sem profissão)

Tristes

Meu amor

As canções abraçado a ti

Os poemas escritos nos lençóis humedecidos

A chuva alimenta o teu cadáver

O teu corpo escondido no meu coração

Os teus uivos

As tuas raras mãos

Abraçando-me

 

Alimentando-me

Como Deus

Ao deitar

Meu amor

Sem palavras

Sem livros

Sabes que morro

Sabes que grito

A viagem

O não regressar aos teus ombros

Não amar-te

Quando te amo

 

O medo

Da fala

Dos cigarros.

A alma

Minha

Penhorada por um quarto de pensão

A queca química

Entre dois ponteiros do relógio do avô

Tão bom

Meu amor

Tão bom

Meu amor.

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 29 de Março de 2015

sábado, 28 de março de 2015

A morte entre parênteses


Não entendo os teus cabelos em cerâmica doirada

Como as andorinhas desnorteadas

Entre árvores

Entre filamentos de saudade

Sobre a cidade

Dos sonhos

Acordar

O espelho da vida

Em liberdade condicional

Espera

Caminha

A pedra ensanguentada

Das ruelas em flor

O ruído ensurdecedor dos morangos

E das plásticas cabeças de alfinete

O fato prisioneiro no guarda-fatos

O meu esqueleto

Dentro do fato

Os sapatos

As meias

E todo o resto

Em chamas junto ao rio

Não entendo o perfume dos teus lábios

O sorriso que se alicerça em ti

E me sufoca

Quando acorda a noite

E a noite me transporta

Para a carta sem remetente

Oiço-te

E não percebo porque brilham os teus cabelos

Dentro do cubo de gelo

Da paixão

Em aventuras

Entre árvores

Entre filamentos de saudade

Saudade…

Dos sítios obscuros com pulseiras de vidro

Cacos

Sílabas

Na seara do cansaço

Atrevo-me a olhar a lua

E não querendo ofender ninguém…

A lua suicida-me contra os pigmentos do prazer

Não sei

Como poderia eu saber

Se as candeias se extinguiram nas marés de prata

Os sonhos

Os sonhos acorrentados ao silêncio

O medo de amar

Não amando

E comer

Todas as pétalas da rosa embalsamada

Tão triste

Eu

Neste cubículo de lata

Sem janelas

Sem… sem nada

Como uma simples folha de papel

Desesperada

Sobre a secretária

Eu mato-a com a caneta

Escrevo palavras

Palavras

Que só o mar consegue entender

E… escrever

Nos meus braços

Dentro de mim há buracos negros

E as equações da relatividade

Sós

Entranhando-se no camafeu alicerce do sofrimento

Como eu sabia

Antes de a madrugada bater-me à porta

Olá bom dia

Meu amor…

Hoje não

Volte para a semana

Não

Não quero comprar nada

Hoje

Porque sinto a solidão

Nos arrozais

E nos pássaros

Que os homens constroem

Enquanto o poeta morre…

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sábado, 28 de Março de 2015

sexta-feira, 27 de março de 2015

Adormecido nas ostras marés da serpente de prata, para o inferno…
E,
Não, filho!
A guerra foi perder tempo, corpos, estórias e memórias, o meu melhor amigo
Morto!
O caixão entre quatro tábuas de sofrimento, a algazarra da embriaguez ouvia-se nos poemas em círculo, a fogueira incendiava a paixão,
Dispo-me?
Não, filho!
Promessas,
Dispo-me, olho-me no espelho do enterro, ele
Não,
Ele de espingarda ao ombro, imaginava-se um soldado de chocolate, sentia dentro do seu peito cada disparo, cada dor, cada…
Fugiu!
Ontem, ao final da tarde, a viagem até ao ninho das cegonhas negras, descia a noite sobre o capim dos beijos analógicos,
Na parede,
Fugiu…
Os ponteiros mergulhados numa poça de sangue, a lápide esperava-o na aldeia, o meu pai
Coitado,
Sentado numa cadeira a vender seguros de vida, falsos, claro
O telegrama,
Morto em combate,
Claro, amanhecia e ele sentia-se um peixe perdido nos fósforos do desejo, e a morte mesmo ao seu lado…
 
 
(ficção)
Francisco Luís Fontinha -  Alijó
Sexta-feira, 27 de Março de 2015


Sentinelas da noite


Tenho no corpo

o sentido proibido do silêncio

os ossos choram todas as madrugadas

das lágrimas

as palavras

e nas mãos o feitiço do amanhecer

querer

não quero

ser

sem o saber

a leveza insignificante dos meus braços

suspensos no sorriso do luar

não acredito

acreditar

nas nefastas sentinelas da noite

o amor camuflado

caminhando no capim

as pálpebras cinzentas

misturadas nos cigarros embriagados

que só o fumo consegue desenhar

no triste pavimento da sanzala

oiço a sombra da paixão

voando sobre os coqueiros

o papel colorido

inventando poemas

nas nuvens cortinas do meu aposento

os livros

os livros são como homens em cio

cansados

cansados das sílabas em flor

e do rio

onde adormece a ponte do desejo

não desejando

desejar

não desejando

desejar o perfume do mar…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sexta-feira, 27 de Março de 2015