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foto: A&M ART and Photos
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Sentia-me sem asas enquanto olhava os pedaços de
vento que a manhã fazia acordar, ouviam-se-lhes em gargantas ocas,
palavras de afecto, carinho, e desejo, havia árvores que balançavam,
e não havia veleiros em passos curtos, sobressaltados, como os anjos
quando sobem aos postes de iluminação pública e aclamam o nome, o
meu, mas em vão,
A escada de acesso ao cais, em poucos segundos,
ruiu, evaporou-se como se tinham evaporado todos os barcos com
partida marcada para as nove horas da manhã, e já nas oito,
desapareceram como abelhas depois da tempestade aportar nas flores em
pólen adormecido, ninguém gostava de mim, porque diziam que eu era
estranho, estranhamente só como as lâmpadas de algumas cidades,
quando são despejadas as ruas dos velhos mapas, suspensos nas
paredes caquécticas do desassossego e morte, havíamos de construir
um rapaz robusto e cheio de vitalidade, diziam
Tal e qual o pai, perguntava-me, qual deles?
Queria ser bailarina, costureiro, queria ser
marinheiro, navegador de barcaças entre a margem norte e a margem
sul, queria ser guardião de mabecos no capim da saudade, queria ser
papagaio de papel ou sombra de jornal, portão de entrada num quintal
do Bairro Madame Berman, queria ser nuvem, escada, avião, barco
cansado, prostituto, barco simplesmente, como as canções dos melros
quando me encontro entre o acordar e o não acordado, havíamos de
encontrar uma Baía com palmeiras, víamos o mar, havíamos de
comprar duas cadeiras, e
Diziam que nós, e não ligávamos tão pouco ao que
nos diziam,
Porque as nossas fotografias tudo dizem, é só o
esforço de folhear os dois álbuns e recordar, imaginar que ainda
estamos vivos, e depois de sentados nas duas cadeiras que tínhamos
comprado, ouvíamos o rosnar do mar dentro dos nossos peitos, tu
Eu pegava na tua mão silenciosa, por vezes tão
ausente como a tempestade nos finais de tarde, havia pombas no
galinheiro que comiam juntamente com as galinhas, e sentia-me liberto
das tristezas manhãs quando além de ouvir os murmúrios do mar,
ouvia os ruídos da tua mão caminhando vagarosamente no meu ventre,
e descia vento, e levantavam-se-lhes os cocos até que das vozes sem
corpo, renasciam solidões de azoto, e paixões de insónia, eu, na
tua mão, no teu ventre, tu, caminhavas-me mar adentro, e as cadeiras
de vime voavam em direcção à ilha dos desejos, hoje não,
confesso-te, ainda te amo, como te amava quando brincávamos entre
bananeiras e corridas de cavalos, jipes saltimbancos correndo de
musseque em musseque, davas-me a mão, remexias-me o ventre como se
eu fosse a algibeira perdida dos calções de pano, e mesmo assim,
Diziam que nós, e não ligávamos tão pouco ao que
nos diziam, éramos folhas de papel e que apenas servíamos para
limparmos o rabo
(branco é papel que só serve para limpar o cu)
E acredito que ainda existem nuvens envergonhadas
nos telhados de zinco, as pombas coabitavam alegremente com as
galinhas, tu, coabitavas alegremente comigo, que diziam
É estranho, este miúdo,
E gostavas de mim como gostávamos dos silêncios
navegantes das flores em despedida, encerrado o caixão, ele entrava
num túnel de alegria até chegar ao rio, entrava na profundidade da
tristeza, alimentava-se de beijos, bocas, lábios simplificados pela
regra do quadrado, extraíamos a raiz quadrada do teu corpo, e ficava
com nada, zero, bananas, latidos de mabecos envergonhados e pouco
mais, e tudo porque um dia, um dia de tarde, disseste-me
Amo-te, querido João,
Confesso, não sei ainda se te reconheceria no
amontoado de fotografias, antigas, éramos crianças em viagem e que
acreditávamos no regresso dos pássaros depois de partires, e
esperávamos, esperávamos...
Até que adormecíamos de mão dada
(branco é papel que só serve para limpar o cu)
E ainda não ouvíamos comboios a apitar dentro de
nós.
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha