Ernesto F. acreditava nas
mentiras envergonhadas que todas as tardes de sábado cresciam entre
as amoreiras e as finitas palavras de Teresa que transportava nos
lábios o medo do mar, e frente ao espelho da noite, antes de
adormecer,
- E se o mar me comer,
ouviam-se-lhe os gemidos poisados na proa transversal do esquelético
poeta que inventava cigarros nas páginas rasuradas do livro de
poemas esquecido na casa de banho do sótão sem janelas, e sem
janelas não parapeitos, e não parapeitos, não pássaros nas
fotografias da madrugada,
- um dia assassino todas
as canetas de tinta permanente e o papel mata-borrão que me irritam,
e sem sentido, fogem nas ilhargas cansadas da morte, Ernesto F.
detestava a mentira escrita na ardósia sorridente dos palhaços
pintados com acrílicos embrulhados na salgada água da boca da
criança perdida junto ao rio encalhado na algibeira do velho
Armindo, de manivela em riste, a dar corda ao tempo infinitamente
ausente,
um dia, um simples dia,
tudo e todos vão parar, fim da linha cruzada dentro dos anzóis
solidificados que o amor constrói nas plantas imaginadas pelo ciúme
do vidro enraizado no peito do crucifixo suspenso na luz abstracta da
maré antes da lua mergulhar dentro das coxas fantasiadas de
rosmaninho e alecrim doirado, sinto-o-as quando abro o livro dos
sonhos e todas as mentiras perfiladas na parada da Ajuda, sobre o céu
azul invisível do sofrimento encarnado que as gaivotas deixam cair
nas ruas desabitadas de homens vestidos de cacilheiro em círculos no
pequeno quarto do sótão,
escrevo-te como se fosse
hoje o meu último dia, de vida, de sonhos, de prazer, o último de
qualquer coisa palpável, o último sorriso, o último adeus quando
sofregamente o cavalo de aço em pequeníssimos milímetros
desaparece na ponte de madeira envernizada e que toda a vida me
perseguiu na clandestina areia do Mussulo,
- tão branca mãe, e os
castelos de desejo no pescoço frágil da mulher silenciosa e
docemente feliz depois de me olhar pela primeira vez embrulhado nos
ossos catalogados das janelas da maternidade, tão branca mãe,
branquíssima mãe, toda a areia do Mussulo, e os lugarejos de
amêndoa às mangueiras de sombra nocturna,
os pássaros caiam sobre
a terra queimada de Janeiro.
(texto de ficção não
revisto)