quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

A triste geada

 

Quando acorda a madrugada

E poisa docemente no chão

A triste geada;

Levanta a mão

Sobre o amanhecer,

 

Como se fossem silêncios de escrever,

Como se fossem palavras a arder,

No corpo algemado

Ao sombreado

Erguer.

 

Quando acorda a madrugada,

Acreditando,

Tal como eu, na noite encantada,

Da noite amedrontada,

Levantando

 

A mão sobre o amanhecer.

E que me sento sem o saber,

Puxo uma cadeira invisível, depois de puxar um leviano

Cigarro sem asas; oiço a voz rouca do piano

Saltitando na sala procurando o prazer.

 

Talvez o prazer

De ler.

Talvez o medo de viver,

Esta vida das palavras amarguradas,

Esta vida dos livros poeirentos,

 

Talvez das tristes madrugadas,

Acordem todos os sentimentos,

Talvez o prazer

De ler,

Talvez o prazer de nada fazer.

 

Quando acorda a madrugada

E poisa docemente no chão

A triste geada;

E este alegre coração,

Voa sobre o mar agachado na areia…

 

Talvez o prazer

De ler.

Talvez o prazer

De escrever.

Talvez seja tudo isto que me chateia.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 09/12/2021

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Cidade das gaivotas amar

 

Fui à cidade em busca do teu olhar,

Procurei na cidade, o silêncio do teu olhar,

Sentei-me junto ao mar,

Na cidade,

Onde perdi os teus lábios madrugada,

 

E hoje, habitam os teus cabelos de vento amanhecer.

Venho da cidade,

Com medo de te perder,

Com medo da alvorada.

Fui à cidade,

 

Em busca de minha amada,

E na cidade, sentei-me,

No colo da manhã, antes de acordar.

Estou na cidade,

E sinto o meu corpo a arder,

 

Como uma fogueira desvairada,

Dançando na madrugada,

Brincando no mar.

Venho da cidade,

Oiço as vagas contra os rochedos nocturnos do desejo,

 

Que na tua boca,

Se desenha o beijo.

Estou na cidade,

Procuro nela a tua sombra antes de acordar,

E uma gaivota, te transporte para o mar,

 

Para o mar da cidade das gaivotas amar!

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 08/12/2021

terça-feira, 7 de dezembro de 2021

Grito

 

Quando o teu corpo baloiça

Na tempestade,

E um pássaro de loiça,

Em pedacinhos, grita “Liberdade”.

 

E esse pássaro aos gritinhos

Suspenso na madrugada,

Oiço dos ninhos,

Os ninhos da passarada.

 

E quando no teu corpo se escreve a canção;

Grita a alvorada,

Grita o coração.

 

Grita o coração

E chora a madrugada,

Grita, grita a nação.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 07/12/2021

domingo, 5 de dezembro de 2021

Sete sílabas de sono

 

Sete sílabas de sono,

Dormem no meu peito ofegante,

Contaminado pelo silêncio cigarro,

Sete sílabas de sono,

Cansadas da lua brilhante,

Pensam em ter-me agarrado,

Mas eu,

Com as sete sílabas de sono,

Corri para o mar…

Sete sílabas de sono,

Filhas do amargo cigarro,

Dormem no meu peito amargurado,

Sete sílabas de sono,

Sete silabas de amar,

Dormem no meu peito ofegante,

Sete sílabas de sono,

Prontas para zarpar,

Deste rio sem nome…

Sete sílabas de sono,

Que amam,

Que dormem…

Que têm fome,

Fome das palavras que como.

Sete sílabas de sono,

Três janelas para a escuridão,

Sete sílabas de fome

Dentro de sete sílabas sem nome,

Sete sílabas de fome,

Que abraçam e amam…

As sete de sílabas de sono,

Que habitam o meu coração.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 5/12/2021

Lágrima de luz

 

Conheci uma lágrima de luz, de cor esverdeada,

Que brincava na minha mão,

Depois, regressava a madrugada,

E a lágrima de luz, partia e parecia um foguetão.

 

Subia no céu como uma flecha cansada,

Subia até desaparecer,

Subia no céu esta lágrima de luz amargurada,

Amargurada de viver.

 

Ela não sabia que existia a palavra amar.

Ela dizia que a lágrima de luz, de cor esverdeada,

Era a espuma do mar;

 

Era um barco desgovernado.

Conheci uma lágrima de luz, de tristeza regressada,

Uma lágrima de luz cansada, cansada do passado.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 05/12/2021

Rosas de amar

 

Senta-te aqui.

Escreve em mim

As palavras que não ousas escrever,

Silencia-me os números

Que jazem nas minhas mãos,

E

Apenas servem para comer,

Descendo a montanha,

Dormirem junto a ti,

Dentro do mar.

Senta-te e olha-me.

Desenha em mim

A fotografia prateada da saudade,

De cabelos soltos ao vento,

Desenha em mim a triste madrugada…

Deixa estar; fica, fica aqui sentada,

E,

Desenha em mim,

(com o lápis da verdade)

O doce alegre alento.

Senta-te aqui!

Declama as minhas palavras amargas e distantes,

Quando o meu corpo falecer,

Quando o meu corpo deixar de escrever,

Escrever cartas para amantes.

Senta-te e não me odeies pelas canções envenenadas,

Pelas palavras ensanguentadas,

Que deste livro emergem e acordam,

Acordam sem acordar, sentando-se nos olhos que não choram.

São as lágrimas do senhor,

São as rosas do teu olhar,

São saudade, são flor,

Flor silêncio de mar.

Senta-te aqui e divide este triângulo louco,

Divide-o em pedacinhos amanhecer,

E,

E de tudo um pouco,

Não te esqueças de me escrever.

Levanta-te corpo abandonado,

Palavra em delírio na madrugada,

Levanta-te, levanta-te poeta enforcado,

Enforcado na calçada.

Senta-te.

Escreve em mim

As palavras que não ousas escrever,

Desenha em mim as circunferências da dor,

Palavras, beijos de amor,

Que não sabem viver,

Que detestam brincar,

Traz-me as rosas, meu amor,

Traz-me as rosas de amar,

Aquelas que habitam o teu sorrir,

Traz-me as rosas, traz-me as rosas sem as partir,

Partir,

Partir junto ao mar.

Senta-te aqui,

Pequenina luz de saudade,

Cabelo branco, voz rouca e pálida, cabelo pouco,

Pouco como estas palavras de dizer,

Senta-te aqui, pequenina saudade,

Sem medo de viver,

Viver sentada,

Aqui sem dizer,

Dizer e querer,

Querer regressar,

Sem o saber,

Saber amar.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 05/12/2021

sábado, 4 de dezembro de 2021

Poema enforcado

 

O poema envenenado

Que dorme nesta mão calejada

Pela silenciosa triste enxada,

O poema cansado,

Cansado do nada,

Nada este poema envenenado.

 

Este poema enforcado,

Nas palavras sem madrugada,

É um poema falhado,

É um poema sem nada.

 

O poema envenenado,

Que eu escrevo em ti,

É um poema desgraçado,

 

Este poema enforcado,

Das palavras madrugada,

De tudo, tem nada,

De nada, é um verso cansado,

 

Cansaço que nunca senti.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 04/12/2021

Lágrima de fogo

 

Transporto

Esta triste lágrima de fogo,

Sentindo o que deixei de sentir,

Este cansaço de partir,

Partir sem sentir,

Sentir esta triste lágrima de fogo.

 

 

Francisco Luís Fontinha

04/12/2021

Mulher

 

Mulher,

Silêncio que se despe em mim,

E mergulha na noite em papel;

A ousadia de viver,

Vivendo neste jardim,

Jardim a crescer,

Junto a este hotel.

 

Mulher,

Canção envenenada, palavra em revolta.

Mulher, criança mimada,

Mimada à minha volta.

 

Mulher,

Flor silêncio que se despe em mim,

Da noite em combustão,

Mulher,

Mulher de mim,

De mim, corpo paixão.

 

Mulher,

Corpo vestido de morte,

Cansaço desta montanha apagada,

Morte de má sorte,

Sorte em ser geada.

 

Mulher,

Que te vestes de mulher,

E ousas ser outra mulher.

Não te vistas,

Nem te ouses.

Mulher é mulher,

É poema,

Verso enfeitado,

Mulher é flor;

Não o sejas porque alguém o quer,

Porque mulher

É chama,

É livro envenenado,

É palavra e é amor.

Mulher,

Mulher é mulher,

Mulher é flor,

Mulher é amor.

 

Mulher,

Silêncio que se despe em mim,

E mergulha na noite em papel;

Mulher,

Não queiras ver o meu jardim,

Jardim de mulher,

Mulher

É amor,

É flor;

Mulher

É mulher,

Mulher é palavra semeada,

Mulher,

Mulher é livro, mulher é batel,

Mulher é poesia encantada,

Mulher,

Mulher é mulher,

Mulher de geada.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 4/12/2021

sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

Amantes em construção

 

Olha para mim

Enquanto o sol brilha na tua mão.

Escreve em mim

As palavras estonteantes

Do desejo.

Olha para mim

Enquanto o meu pobre coração,

Em pedaços de beijo,

Voa em direcção às estrelas cadentes.

 

Suplico ao silêncio

Que se despeça do meu corpo,

Sabendo que lá fora,

Entre sombras e murmúrios,

As palavras estonteantes

Comem-me os duzentos e seis pobres ossos.

 

Duzentos e seis pedaços

De nada.

 

Olha para mim

Depois de acordares e abrires a janela,

Olha para mim

Enquanto o luar se deita na tua cama,

Olha, olha para mim

Sabendo que da tua voz tão bela,

Há um poema em chama,

 

Há um poema em trapos,

Com as palavras da alvorada.

 

Olha-me.

 

Olha para mim

Montanha esbelta da minha terra adormecida,

Com as árvores em papel colorido,

Olha para mim

Montanha minha amada querida,

Olha!

Olha para mim,

Corpo sofrido.

 

Olha para mim

Enquanto o sol brilha na tua mão.

Escreve em mim

As palavras estonteantes

Do desejo.

Olha para mim

E ouve esta pobre canção;

São palavras que não vejo,

São palavras que vão…

São as palavras dos amantes,

Dos amantes em construção.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 03/12/2021

quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

O poeta vagabundo

 

Dentro do sono,

Viaja a cansada noite sem despertador,

- há dias que não como,

Como uma flor.

 

Vive-se e morre-se de quê?

Não comendo flor,

Não bebendo água congelada,

Morrer-se porquê?

Sabendo que na triste madrugada,

Em plena união,

Habita uma flor,

Uma flor sem coração.

 

Dentro do sono amanhecer,

Quando alguém sem nome

Abre a cancela da alvorada;

É o poeta que não consegue escrever,

Escrever no papel da fome,

A fome envenenada.

 

E depois de morrer,

O desgraçado do poeta vagabundo

Deixou sob a ponte,

Um pedacinho de geada.

Não consegue correr,

Correr até ao cimo do monte,

Sentar-se e olhar a imensidão do mundo,

Do mundo que é uma maçada.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 02/12/2021

terça-feira, 30 de novembro de 2021

Trago no peito

 

Trago no peito

A equação do silêncio.

Às palavras que escrevo,

Peço perdão à madrugada,

Sentado nesta pobre esplanada,

Sentindo o vento na face oculta da solidão;

Trago no peito

A equação do silêncio,

Um pedacinho de saudade,

Trago no peito a sílaba envenenada,

E um pedaço de pão.

 

Trago no peito

O feitiço da alvorada,

Quando cansado me deito,

Me deito sem saber nada.

 

Trago no peito

A equação do silêncio,

Um pedaço de pano,

Onde me abraço,

Sem perceber que amo,

Amo este pobre cansaço.

 

Trago no peito

Os cigarros fumados,

Os pedacinhos em papel onde escrevi,

Trago no peito

Marinheiros abraçados,

Marinheiros que nunca vi,

Marinheiros desgraçados.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 30/11/2021

 

A orgia dos pássaros. Definem-se as palavras nos lábios do poeta. Escorregam das mãos do poeta, as lâminas do desejo, quando do poeta, apenas crescem as mandibulas envenenadas do silêncio. Amar-te, não chega, escrevia ele na ardósia da noite, quando lá fora, na ruela da escuridão, uma flor se perdia de amores por uma abelha.

Suicidou-se, o parvalhão.

Diziam que se rezasse, regressariam as palavras ao poema; ele rezava e, o poema continuava incompleto, triste e amorfo. Das luzes da alvorada, cresciam beijos na boca do poeta e, da boca do poeta, renasciam as sílabas estonteantes da noite.

Eu, acredito que sim.

O feitiço tomava conta da madrugada, silenciavam-se todas as palavras em delírio, como se silenciam os beijos na boca perfumada do Inverno.

Tenho medo de morrer.

Odeio o cancro.

Odeio a decadência humana.

Libertavam-se, aos poucos, os gemidos atónitos da manhã, quando era de esperar que lá fora já fosse noite, noite cerrada, moribunda, esquizofrénica como todas as palavras.

Suicidou-se por nada, como se suicidam todos os poetas.

Levava-a nos braços em direcção ao mar, acariciava-lhe os lábios, mas o desejo pertencia à equação dos pobres, pouco a pouco, libertava-se das garras do medo.

A morte deixou de pertencer ao destino, partiu e fugiu para longe. Eis, a eterna manhã enublada de hoje.

Sentia nos braços o peso da idade, a carne pertencia-lhe, entre duzentos e seis ossos desgovernados junto ao rio, mas depois, percebia que das suas palavras, muito pobre em crómio, os silêncios se travestiam de gargalhadas; hoje faço anos, segredava-lhe ao ouvido.

Anos?

Sim, faz anos que adormeci no banco de jardim, debaixo das mangueiras, em Luanda.

Um papagaio desgovernado, alicerçava-se-lhe nos doentios braços de menino traquina, como uma viagem sem retorno, à volta da ilha da saudade.

Todos nós, somos pássaros embalsamados nas mãos do destino.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 30/11/2021

segunda-feira, 29 de novembro de 2021

A pedra magoada

 

Trazia no olhar

A tristeza das pedras magoadas da calçada,

Sabia que em cada despedida,

Em cada porta de entrada,

Existe a saída,

Existe a madrugada;

Na madrugada de amar.

 

Do silêncio adormecido,

Entre manhãs e correrias desproporcionadas,

Tinha sempre na algibeira um recibo,

E a fotografia das pedras magoadas.

 

Pedras da calçada; digo.

Quando sentia o desejo do amanhecer,

Distante, distante de se ver,

Tão distante de descrever,

Quando podia apenas escrever,

Sem perceber…

As palavras que sigo.

 

Trazia no olhar

A tristeza das pedras magoadas da calçada.

 

Trazia no olhar

A lágrima chorada,

O cheiro a mar,

O cheiro a pedra magoada.

 

Trazia no olhar

A tristeza das pedras magoadas da calçada,

Da manhã ao acordar,

Trazia na mão,

A lágrima de chorar,

Chorar a pedra magoada,

Magoada na solidão

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 29/11/2021