quarta-feira, 6 de abril de 2016

janela virada para o mar


sinto o peso da lua

sobre os ossos em papel

que habitam o meu corpo

escondo nas mãos o luar nocturno da solidão

dos tristes pássaros do meu jardim

escrevo-lhes e converso com eles

a minha presença incomoda-os

e pareço uma imagem aprisionada num hipercubo de sombras

sonhos

rios infindáveis

palavras esquecidas no vento

correndo nas minhas veias de vidro martelado

o opaco desejo nas madrugadas embriagadas pelas andorinhas

o silêncio abraçado a uma árvore

sinto o peso da lua

sobre os ossos em papel

que habitam o meu corpo

aos poucos vejo o teu olhar sentado sobre o meu peito doente

como se existissem roldanas de cartão

na pele que me alimenta

sou um aldeão sem aldeia

mas das montanhas

regressam os homens do coração granítico

que trazem a noite

e me roubam as palavras

depois a tua boca entrelaçava-se na minha

um fino sorriso de nylon brincava na janela virada para o mar

os barcos encalhados nas tuas coxas

em pequenos apitos sonâmbulos

uma casa em chamas

dois corpos em chamas dentro da casa em chamas

o farol lá longe

guiando-nos até ao infinito

a morte

a paixão laminada pelos orifícios do deserto

sinto-me um prisioneiro esquecido num qualquer porto de mar

cordas

correntes de luz dificultando-me a mobilidade das palavras

os livros também em chamas

na casa em chamas

com dois corpos em chamas

o inferno inventando o suor do teu corpo

as asas que te levam para o Céu

também elas em chamas

a fogueira dos nossos cadáveres sobrevoando o horizonte

descemos a calçada

sentamo-nos junto ao rio

dois condenados ao amor impossível

às cartas nunca escritas

o amanhecer quase a chegar

nos teus lábios as pedras preciosas da saudade

há tanto tempo com esta enxada rosada na mão calejada pelas pálpebras do incenso

há tanto tempo

aqui

sem ninguém

 

 

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 6 de Abril de 2016

segunda-feira, 4 de abril de 2016

túnel de xisto


perdi-me nesse túnel de xisto

acorrentado ao rio encurvado nos teus seios

socalco após socalco

desço até ao poço da tristeza

escrevo nos rochedos

os caracteres mutilados do sonho

oiço os gemidos de um corpo esquecido no regresso do pôr-do-sol

imagino-me dentro desse corpo de dor

como se fosse a minha última palavra

entre ossos sem remetente

ou destinatário

deixei de receber cartas

pequei nas que tinha escrito na infância e transformei-as em cigarros coloridos

papéis que ardem no comportamento da memória

estou cansado de me perder

e de ser achado pela madrugada

junto a um qualquer apeadeiro deserto

aqui morreram os comboios

aqui morreram os meus pequenos sonhos

derramados pelas âncoras do desejo

na alvorada

não tenho tempo para recordações

não tenho tempo para corações de geada

quando hoje o túnel de xisto

habita esta cidade de cadáveres sem ninguém

ausentes

empobrecidos pelo tempo

não dou conta do adormecer das horas

não tenho horários

sentimentos

nem pulso para suportar um simples relógio de corda

morreram os relógios

e morreram os pulsos que se acorrentam aos relógios

sem remetente

ou destinatário

 

 

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 4 de Abril de 2016

domingo, 3 de abril de 2016

entre parêntesis


o peso do corpo

quando o corpo se ausenta da realidade

a morte vulcânica do sentido proibido da vida

os tristes pássaros empoleirados nas avenidas sem destino

a lucidez do alpendre da solidão

caminhando calçada abaixo

os ossos

o pó dos ossos

manchado nos camuflados risos da manhã

ao teu lado

oiço amo-te

ao teu lado

oiço-te desejo-te

mas a madrugada roubou-nos o desejo

tenho uma estrada abandonada

nos abismos da madrugada

o silêncio enraizado na melancolia do suor teu corpo

a alegria

sentindo a solidão dos obscenos corpos de nata

há-de viver em mim a mulher desenhada nos espiões da noite

o amanhecer morre no ínfimo acreditar da noite

tenho sono

meu amor

amanhã viverei no teu corpo

amanhã sentirei o teu corpo

fatias finas

papel amargurado

nas algibeiras dos corpos suicidados

a morte

os amigos da morte

na ambição do sonífero sonolento

hesito

morro

neste barco de sentinelas amordaçados

o tempo

sempre ausente de ti

enigmático coração de vidro

sofro

deixo-me sofrer pelos teus lábios

os beijos

o comboio em direcção ao nada

transeuntes acabrunhados

que só o vento desenlaça na porta de uma casa de alterne

o medo da morte

a embriaguez dos rostos maltratados

que os livros comem ao pequeno-almoço

são horas de partir

meu amor

a ausência do cachimbo oco que habita a minha mão

a ausência do olhar

correndo em redor do mar

a cerveja quente o uísque alicerçado às minhas costas

fumam

comem cigarros livros de papel fumado

a noite é um corrupio sonolento da alma

amei-te

quebrado nas montanhas da solidão

este magro corpo acordado do sono

este magro sono acordado no magro corpo

gosto de ti

dos teus olhos vestidos de noite

entre parêntesis

snob

sono da alegria de morrer

 

Francisco Luís Fontinha

domingo, 3 de Abril de 2016

sábado, 2 de abril de 2016

Ao espelho


Sofro por ti meu amor

Sinto a tua mão no meu rosto cansado pela doença

Sinto no meu corpo

As marras do destino

Habito em ti

Sou pedaço do teu cansaço

Livro das tuas palavras

Algumas parvas

Algumas insignificantes

Sofro o derradeiro sofrimento

Que as marés do inferno me trazem

Não tenho medo da tua partida

Não tenho medo da tua ausência

Suicido-me nos teus lábios

Acabrunho-me nas imensuráveis paixões dos poços da morte

Estou só meu amor

Partiste sem me avisar

Naquela noite das sombras do esquecimento

Suicido-me no teu perfume

Caminho calçada abaixo

As rosas da melancolia

As raízes dos soníferos orgasmos da manhã

Fugidios corações de aço

No corpo debruçado sobre o parapeito do desejo

Estou cego meu amor

Os dias tristes da tua ausência

Ao longe os apitos da locomotiva do adeus

Nunca mais quis o amor

Nunca mais quis a infância desenhada em Luanda

Perder-me numa Alijó encurralada no esquecimento

O frio

O frio disfarçado de abismo

O amor regressado do mendigo palhaço do deserto

Saber que amanhã estou só

Eu

A noite

O amontoado de sucata

As árvores do teu sorriso

Estou só


Só neste sargaço da sonolência do labirinto de asas

Pássaros enraivecidos

Limitados pela cabeça do sono

Tenho medo meu amor

Tenho medo da madrugada

E acreditar que estás vivo

Ao meu lado

Esticando o dedo…

Então engenheiro!

Não tenho palavras do suicídio fictício da minha vida

O Tejo peneirento algures nos teus lábios

Estou feliz hoje

Permaneço no esquadro envidraçado do teu olhar

Meu amor

Me encontro encurralado no esquecimento

Submersos esqueletos de gelatina

Ao espelho

O meu corpo envidraçado

 

Francisco Luís Fontinha

sábado, 2 de Abril de 2016

sexta-feira, 1 de abril de 2016

a flor em solidão


uma flor em solidão

alicerça o seu perfume no meu corpo rasgado pelas andorinhas

velhos farrapos voam em direcção ao mar

sussurram palavras desamadas

em construção

no papel em destruição

habita o meu olhar

tenho tudo

e não tenho nada

tenho uma mãe

tive um pai

tenho pão

livros

e nada me falta

pego nas esferográficas do amor

sou feliz

deambulo pelos jardins desta cidade envelhecida

não tenho medo das tuas mãos

tenho uma mãe

tive um pai

nada tenho

e nada me falta

uma flor em solidão

cravada no peito

sangro

sinto a dor dos Oceanos prateados

sinto a dor dos barcos ancorados

escrevo

escrevo nas velas de um velho veleiro

o poema da flor em solidão

e a morte separa-nos

eleva-se ao decimo quinto andar esquerdo do silêncio

e abraça-se no horizonte

e dorme junto às tuas pálpebras de solidez paixão

 

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 1 de Abril de 2016

quarta-feira, 30 de março de 2016

as tempestades do silêncio


a desilusão da noite

quando o corpo cessa de sonhar

debaixo do alpendre os ossos sobejados das tempestades do silêncio

um fio de sono

refugia-se na madrugada

a insónia partiu sem deixar rasto

fugiu das minhas pálpebras

enquanto a solidão brincava no mar

e um barco

e um barco enferrujado atrapalha-se com os meus frágeis braços de porcelana

tenho medo da chuva clandestina

sem morada para aportar

tenho medo da morte que semeia a dor

que semeia o sofrimento

e a escuridão entra no meu peito

sinto o meu coração em pequenas fatias de cansaço

apetecia-me escrever-te

mas deixei de ter palavras para ti

em tempos tinha o teu rosto aprisionado num caderno

mas com a idade

esqueci-me dele

do caderno

e esta ausência viagem permanece sem destino

que só a desilusão da noite

sabe desenhar na areia húmida dos teus seios

o desejo sem navegar em ti

o esquecimento dos teus lábios saqueando a cidade

navego em ti como um sonâmbulo arbusto do teu jardim

e a noite me leva para o infinito

o grito

o sorriso das serpentes nas amarras do beijo

o triste sono sobrevoando os lençóis da alegria

amanhã estarei aqui sentado?

amanhã estarei aqui sentado a folhear o caderno

onde se encontra aprisionado o teu rosto?

amanhã haverá tempestades de silêncio?

(mas com a idade

esqueci-me dele

do caderno

e esta ausência viagem permanece sem destino

que só a desilusão da noite

sabe desenhar na areia húmida dos teus seios)

amanhã?

 

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 30 de Março de 2016

terça-feira, 29 de março de 2016

as palavras mortas


as palavras morrem dentro de mim

como carcaças em vozes famintas

saboreando o vento da noite

quando a tempestade se despede da cidade

o sem-abrigo lamenta a sua sorte

e eu confesso-me culpado

porque ajudei a matar as palavras…

… as palavras que morrem dentro de mim

 

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 29 de Março de 2016

domingo, 27 de março de 2016

o silêncio suor na penumbra palavra em destruição


a destruição da alma

na abóboda silenciosa da manhã

um suspiro

a ausência do teu corpo

neste manchado lençol de prata

a ausência do teu corpo

neste imensurável destino menino

a sinfonia da saudade

encastrada nos ossos da alvorada

sinto-me um cadáver inventado pelo sonho

sussurro-te as palavras mágicas da sombra

sussurro-te as palavras mágicas do Adeus

e desapareço na ténue lentidão do sorriso

amo-te destruição da alma

conflito íngreme da solidão

estou só

muito só

que nem tempo tenho para abraçar os barcos em regresso

que trazem promessas

riquezas

brincadeiras de criança

a bandeira do amanhecer

hasteada nos teus braços

a insónia amestrada no palco do circo

o frágil miúdo

inacabado

ausente

e apaixonado pela cidade

inventei amores

inventei desamores

inventei milhões de iões

beijando electrões

inacessível inculto dos comboios da noite

vou com o circo

amo o circo

e as montanhas de Lisboa

amo o circo

e as montanhas de Luanda

barcos

o engate do miúdo numa noite de copos

invade-me o sono

o silêncio suor na penumbra palavra em destruição

não tenho ossos

sonhos

noite

não tenho nada

meu amor

nada

 

 

Francisco Luís Fontinha

domingo, 27 de Março de 2016

sábado, 26 de março de 2016

os meus livros


(com amor para a minha mãe um feliz aniversário)

 

amo os meus livros

e os teus olhos de madrugada mimada

amo a vida construída de janelas

e de portas de entrada

amo o teu corpo camuflado pelas ervas daninhas do amanhecer

amo as palavras de escrever

e os versos de chorar

amo os barcos

os rochedos vestidos de barcos

amo o mar

e as planícies do sofrimento

amo o vento

que não quer regressar

amo os meus livros

e os teus olhos

e os livros dos teus olhos

e os olhos dos teus lábios

amo

amo sem ser amado

pelas palavras

e pelos teus olhos de madrugada mimada

 

Francisco Luís Fontinha

sábado, 26 de Março de 2016

sexta-feira, 25 de março de 2016

remetente ausentado


a felugem do corpo

no alfabeto secreto da paixão

as múltiplas palavras ensanguentadas

no deserto coração

as madrugadas invisíveis

estas que o são

e não regressam à minha mão

nunca mais

a felugem do corpo

descendo as ruas íngremes da cidade

o feitio estranho da cegonha vaidade

quando a saudade

poisa no ombro do beijo

os lábios amargos do musseque no abismo desejo

sem destino

este menino

sem cartas de amor

este remetente ausentado

 

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 25 de Março de 2016

quarta-feira, 23 de março de 2016

janela amar


o relógio nunca cessa de chorar

as lágrimas do mar parecem pálpebras envenenadas

nos socalcos da saudade

o rio esconde-se nas umbreiras do silêncio

como se fosse a fera amestrada do vento

sem sorrisos de vida

nas espalmadas marés do sono

o relógio vive

escuta os meus lamentos

enquanto lá fora alguém sofre

levemente andando pela cidade de algodão

e inventa sonhos

e pede-me pão

nunca se cansa de chorar

este triste relógio de corda

não sente a dor

não sente a morte

daqueles que partem e deixam de ouvir a Primavera…

e levam no coração uma pedra

do infinito abismo de habitar uma calçada

um corpo estranho

imbecil

e velho

o relógio nunca cessa de chorar

alegre

nas noites sem dormir

abre a janela amar

toca no cortinado amor

e envelhece esperando que o tempo o venha buscar

até que uma qualquer tempestade o obriga a parar…

 

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 23 de Março de 2016

segunda-feira, 21 de março de 2016

O fulgor da noite


Sentia a tua mão no fulgor da noite,

Cansei-me do teu silêncio

Quando acorda a manhã,

E lá fora a viagem espera-me

Sem destino nem lugar para aportar,

Sentia a tua mão

No meu indesejado destino,

Sem palavras,

Sem rios para navegar…

Um sonâmbulo indiscreto

Sobrevoando as gaivotas

E palmilhando um corpo vazio…

Tenho pena dos teus ossos transformados em poeira,

Pedaços de nada

Alicerçados ao cais da despedida,

Cansei-me das tuas mãos,

Cansei-me de mim e do teu sorriso,

Cansei-me dos teus olhos

Que ofuscam o luar,

O sonho da solidão

Nas raízes da paixão…

Estar só

E sentir a tua mão no fulgor da noite.

 

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 21 de Março de 2016

domingo, 20 de março de 2016

Os dias...

Os dias encostados à maré, um sorriso de sémen aprisionado na garganta, sinto o peso do corpo sentado no esplendor da noite, entrelaço as mãos, começo a rezar…, esqueço-me de mim, de ti, dela, e dele, nunca percebi o silêncio das aves, dos pinheiros abandonados entre os rochedos do desejo, abro as pernas, sinto-te em mim, sorris
Amanhã um jazigo de sol entranhar-se-á em ti, à noite regressavam com os guizos da paixão, a borboleta poisada no teu ombro, meu amor, as imagens do nosso sofrimento suspenso nas sombras do esquecimento, estou só, sem o teu peso no meu peso, um dia voltarás a mim,
Sorris, fugimos do caos como fugiram todas as paixões deste areal, um barco morrerá nas tuas mãos, um marinheiro morrerá na minha mão, ele sofre, ele sente… o meu peso?
As ruas desertas, o sexo misturado no luar, os dedos meus encarnados no teu peto, e sorris…
Partir, os dias encostados aos meus dias, imaginas-me dentro de ti, eu, e eu… tão longe da tua palavra, do teu silêncio quando o meu arde na fogueira do adeus, estou só, sozinho neste inferno de morte, a vida desgraçada descendo a calçada, o corpo amarrado aos cortinados do medo, o jazigo da paixão encolhe-se no seu esqueleto, hesito, tenho medo, e volto a fugir, amo-te, amo-te como jangada do poema deambulando os alicerces cromados do circo da alegria, hoje tiraram-me um retracto, ficou mal, estou velho
Velha, cansada deste inferno encostado aos estilhaços da saudade, encosto-me a ti, meu amor, encosto-me a ti sabendo que nunca mais voltarás a minha noite,
Cansado,
Estou velho. Pareço um farrapo engatando gajos antes de cair a noite, sonho, sonho com as viagens ao escuro, a fome, lá fora, vive, mora e morre a fome, meu amor, lá fora as esquinas do sofrimento, as velhas nuas avenidas das orgias em papel, a tinta desta caneta, só, sozinho, esquecido nesta alucinada grandeza dos povoados beijos do Além…
Amanhã, Francisco, amanhã…
Sinto-te, sento-me no teu corpo de velhice, sempre o sono, a amargura, e nada de beijos, meu amor, e nada de beijos, meu amor…
 
Francisco Luís Fontinha
domingo, 20 de Março de 2016