perdi-me
nesse túnel de xisto
acorrentado
ao rio encurvado nos teus seios
socalco
após socalco
desço
até ao poço da tristeza
escrevo
nos rochedos
os
caracteres mutilados do sonho
oiço
os gemidos de um corpo esquecido no regresso do pôr-do-sol
imagino-me
dentro desse corpo de dor
como
se fosse a minha última palavra
entre
ossos sem remetente
ou
destinatário
deixei
de receber cartas
pequei
nas que tinha escrito na infância e transformei-as em cigarros coloridos
papéis
que ardem no comportamento da memória
estou
cansado de me perder
e
de ser achado pela madrugada
junto
a um qualquer apeadeiro deserto
aqui
morreram os comboios
aqui
morreram os meus pequenos sonhos
derramados
pelas âncoras do desejo
na
alvorada
não
tenho tempo para recordações
não
tenho tempo para corações de geada
quando
hoje o túnel de xisto
habita
esta cidade de cadáveres sem ninguém
ausentes
empobrecidos
pelo tempo
não
dou conta do adormecer das horas
não
tenho horários
sentimentos
nem
pulso para suportar um simples relógio de corda
morreram
os relógios
e
morreram os pulsos que se acorrentam aos relógios
sem
remetente
ou
destinatário
Francisco
Luís Fontinha
segunda-feira,
4 de Abril de 2016
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