domingo, 23 de março de 2014

Que estou vivo, que estou vivo sem o saber


Recomeço, esqueço-me que estou vivo, oiço na TV um grupo de Jazz, deslumbrante para um Sábado sem memória, escrevo sem saber porque o faço, talvez recorde os teus beijos, talvez recorde a tua ausência, talvez viva sem o saber,
Que estou vivo,
Permaneço inconstante, finjo ser uma equação diferencial sem solução, pego numa integral tripla e acaricio os teus lábios de garra madrugada, e amanhã sobejam palavras escritas por mim na tua degradante janela, o velho Augusto pega no cigarro enrolado pela tristeza, amanhã não sei se estou vivo, amanhã não sei se estarás ao meu lado, amanhã sinto que tal como o título do Livro de Miguel Esteves Cardoso “O amor é Fodido” eu... eu estou fodido... tal como o amor, oiço o programa de jazz, imagino a tua pele rosada embainhada nos lençóis de uma cidade a que apelidaram de Lisboa, esqueço a poesia, tenho raiva da poesia, porque sou uma incógnita vestida de equação trigonométrica,
Que estou vivo,
Tenho medo que morras, porra... porque morrerás tu, porque escrevo sabendo que a inveja infesta as minhas palavras, os meus olhos, sei que existes dentro de um cubo de vidro, um aquário com barbatanas de papel, e lá fora regressam os corações de cintilantes pergaminhos com bordados e flores envelhecidas, percebo a tua dor, percebo que aos poucos te vou perder, e nada, nada consigo fazer para te resgatar do rio apelidado de medo, oiço-os, vejo-os na tua mão como se fossem pedras acabadas de nascer, que estou vivo? E amanhã o saberei,
A inveja dos outros quando as palavras crescem nos teus seios, a inveja de partires e não ser capaz de te procurar-te no Oceano mais longínquo das minhas veias argamassadas, via-te sentada numa esplada de vidro, sentia o pulsar do teu desejo quando abríamos um livros de AL Berto e líamos um dos mais belos poemas, depois... depois tínhamos o Pacheco e o magala travestido de poeta, eu, deambulando pela rua à procura do banco em madeira onde nos sentávamos, e... e pegava na tua mão, e escrevia no teu corpo, tantas e tantas... vezes em sentido, eu
Que estou vivo, que estou vivo sem o saber,
O uísque desaparece e entranha-se no gélido teu orgasmo, apaixonei-me pela escrita de António Lobo Antunes, cresci com Milan Kunera, e hoje, hoje apenas vivo finjindo que vivo, sou um cadáver em movimento curvíleneeo e uniformente acelerado, não sou Angolado, não sou Português... sinto-me apátrida como o destino, penso, não caminho, olho os jardins e sei que algures por lá andas escondida, talves te tivesses transfomado em arbusto, em saudade ou... ou em objecto de velharia na banca de uma qualquer feira, recomeço, esqueço-me que estou vivo, oiço na TV um grupo de Jazz, deslumbrante para um Sábado sem memória, escrevo sem saber porque o faço, talvez recorde os teus beijos, talvez recorde a tua ausência, talvez viva sem o saber,
Que estou vivo, que há pessoas prontas a assassinarem-me intelectualmente, mas eu, eu estou vacinado conta a inveja, mas eu, eu estou habituado a ser huminhado, e o velho Augusto perdido nos cigarros de enrolar, e eu perdido no gélido teu corpo de amendoeira, e, eu...
Que estou vivo, que estou vivo sem o saber,
Que amnhã existirá um amanhecer, que amanhã... amanhã sem o saber, tu, tu quererás pertencer às minhas palavras, porra... não podes morrer, não, não poedes,
Que estou vivo?
E uma âncora de desejo permanecerá no teu corpo...


(texto de ficção)
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 23 de Marvo de 2014

sábado, 22 de março de 2014

O cansaço da manhã

foto: Algures entre Luanda e Lisboa – Setembro/1971

Percebia-se nas tuas tristes pétalas o cansaço da manhã,
flutuávamos sobre as palmeiras hilariantes junto à Baía, davas-me a mão, e obrigavas-me a sonhar,
dizias-me que os barcos eram corpos moribundos de passageiros em viagem,
e do cais observávamos os caixotes em madeira prontos para o suicídio da loucura,
eu, eu acorrentava-me a ti como se tu fosses um embondeiro entre nuvens e sanzalas, que voava,
que... que acreditava em papagaios de papel e nos alicerces nocturnos de uma cidade em construção,

Gosto muito de ti, dizia-te!
Quero ser como tu, simples, como as primeiras palavras que me ensinaste e os primeiros rabiscos que deixei em todas as paredes da casa onde tínhamos as mangueiras e as pombas... e o portão, o portão...
imaginava-me a sobrevoar todo o bairro em cima de um velho triciclo,
e... e nunca me esquecia de te esperar no final do dia,
“percebia-se nas tuas tristes pétalas o cansaço da manhã”,
e chorava quando adormecia sem perceber que já tinhas chegado...

E chorava quando me mostravas o mar, e as gaivotas, e... e os coqueiros,
levavas-me ao Baleizão, sentávamos-nos na esplanada, e eu, eu sonhava como essa cidade em construção que um dia tive de abandonar, regressei às tuas mãos, regressei como um velho caixote em madeira... procurando corpos moribundos em viagem,
afinal... afinal também me transformei em passageiro em viagem,
um caixote em madeira, com olhos, com braços, com mãos... e sonhos de sonhar,
barco, dei-me conta que hoje sou um barco rumo ao desconhecido,
um barco travestido de saudade.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 22 de Março de 2014

sexta-feira, 21 de março de 2014

Cidade do amor

foto de: A&M ART and Photos

Nas minhas mãos cinzentas,
promíscuos cigarros me enganam...
obscenas, elas, elas vestidas de papel de parede,
nas minhas mãos habita uma árvore de nome Primavera,
e eu, sem o saber, escrevo no seu tronco as palavras minhas da noite incógnita,
ela, ela chora, ela, ela não tem corpo, ela, ela é de porcelana invisível,
e vive numa cidade, com nome...
“a cidade do amor”... a cidade que me engana.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 21 de Março de 2014

“Gaivota madrugada” na rádio – Antena 1 – Programa de José Candeias


O meu poema, escrito e publicado ontem, “Gaivota madrugada” foi lido hoje na Antena 1 no programa de José Candeias (aprox. minuto 8).

Link:


Quero agradecer ao João Moreira de Sá dos Blogues Sapo, à Antena 1 e ao José Candeias. Obrigado.

quinta-feira, 20 de março de 2014

Gaivota madrugada

foto de: A&M ART and Photos

Voas nos meus olhos, gaivota madrugada,
procuras em mim, palavras,
voas porque sentes nos teus lábios o vento em desejo,
e no teu prometido beijo, uma simples canção, melódica... e adormeço,
e esqueço que lá fora habitam telhados de vidro, esqueletos de prata,
bairros em lata,
lá fora, na imensidão nocturna da embriaguez,
e um dia, talvez... talvez percebas as minhas tristes palavras,
como pertence aos muros o xisto envenenado,
dos socalcos... o cansaço humano vestido de negro,
e no rio... no rio o meu corpo ensanguentado pelas nobres estrelas da cidade,
voas, voas sem saber que estou vivo...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 20 de Março de 2014

Blogue Cachimbo de Água em Destaque – Sapo Angola – Francisco Luís Fontinha


Texto de Francisco Luís Fontinha – Divulga Escritor


quarta-feira, 19 de março de 2014

Sombras cristalizadas


Aqui, permaneces intocável, como o guião de um filme em construção,
aqui sentes-te o herói térreo das sombras cristalizadas,
funestas palavras, os cigarros voam sobre as árvores do quintal,
há uma nuvem de açúcar quase a evaporar-se nos teus lábios,
e sentes?
sentes as palavras não ditas, aquelas que escrevíamos em noites de ninguém?
sentia-te perto, e tu longe,
tão longe que nem as estrelas conseguiam abraçar-te,
dar-te um beijo,
simples, tão simples como adormeceres no cansaço da vida,
e a vida é o esconderijo da dor,
habita em ti e de ti se alimenta...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 19 de Março de 2014

terça-feira, 18 de março de 2014

Pigmentados beijos

foto de: A&M ART and Photos

Pigmentados beijos de ti, Sereia adormecida,
Oceano retalhado dos teus lábios amanhecer,
mulher que sonha e inventa palavras nos muros de xisto ao luar,
regressa a ti a noite, e dela, todas as fotografias mais belas que se alicerçam no teu peito,
beijos, bocas renegadas e sem jeito,
árvores poisando pássaros apressados e apaixonados...
louca, tu, quando acordas e vês no espelho da poesia os seios desgrenhados do poeta,
inventas,
e finges orgasmos nos socalcos mergulhados em lágrimas,
e alimentas...
e sentes... sentes lá fora o deambular da chuva miudinha,
que os pigmentados beijos de ti..., Sereia adormecia, essa... constrói a neblina.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 18 de Março de 2014

Blogue Cachimbo de Água em destaque – Sapo Angola