sábado, 12 de janeiro de 2013

Os homens sonoros, que de casa em casa, que, que de jardim em jardim, arbitrariamente prendiam as inocentes palavras que um louco com asas de vidro e olheiras gelatinosas, escrevia nas paredes transparentes dos pilares de areia, morreram, desapareceram nas veias lilases das pétalas em flor, morreram, evadiram-se com éguas em cio correndo sobre o verdejante pasto, húmido, sombrio, os homens, sonoros, que de casa a casa, porta a porta, impingiam rádios a pilhas, lanternas pornográficas, revistas com gajas nuas, que ele vendia num quiosque junto à rotunda das margaridas (flor) envenenadas pelo tesão da chuva esfomeada
Comprávamos três revistas, religiosamente encerradas dentro de um saco plástico, por vinte e cinco escudos,
Da chuva esfomeada vêm-se as estrelas de prata que cobrem o tecto da aldeia com sabor a laranja de S. Mamede de Ribatua, laranja saborosa, conhecida mundialmente, bonita, a moça, da chuva
Dávamos-lhe os vinte e cinco escudos com direitos adquiridos, uma voltinha às revistas, e posteriormente
Revendidas separadamente, aprendi que comprando um maço de cigarros e vender os cigarros a avulso podia ganhar alguns escudos, não muitos, alguns, economia paralela, entre os carris do comboio com destino a Santa Apolónia, e derretiam-se os corações de açúcar quando olhávamos o Tejo vestido de pérola-mármore à porta do Texas em Cais do Sodré,
Até,
Até que...
(   )
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó


Invenções do corpo sonolento

As tuas mãos percorriam milimetricamente os espelhos de invenções do corpo sonolento que alguém tinha deixado sobre a cama com os lençóis de espuma que o mar vomita quando bate nos rochedos da saudade, inventavas o amor desértico onde brincavam os dromedários objectos voadores sobre as planícies das tuas coxas ensanguentadas devido ao excesso de palavras, de vogais, de sílabas, e as frases escorriam pelo canto da boca, um líquido esbranquiçado derretia-se na penumbra nuvem de açúcar, roçavas-te nos poste de chocolate com pontinhos de néon, e começam as construções dos corações de neve, tínhamos
Música encaixotada nos papelões cinzentos distraiam as ovelhas e as cabras que solitariamente arrebanhavam a erva das calçadas de vidro, janelas se abriam, janelas se fechavam, e janelas partiam em direcção aos loucos pasteis de nata que a cidade desenha em cada pastelaria visitada, um palerma, lá fora, enquanto chove docemente, apita, aos berros, um automóvel esfomeado, velho, cansado, talvez sem seguro ou inspecção médica, e os corações de neve
Incham, quando batem à porta e do outro lado aparece o cobrador de fraque, muito bem vestido, muito bem alimentado, palhaço, que o circo da aldeia estacionou na paragem do autocarro da carreira, sentia-se agoniado, sentia-se
Farto, dos vidros falsificados, farto dos pasteis de anta invisíveis e que apenas serviam para enganar o desgraçado estômago de xisto, e as pessoas
Suicidavam-se estupidamente contra os eléctricos,
Havia gajas com saia de chita e luvas de cetim, havia marinheiros poisados em cada patamar da escada de acesso ao navio dos corações de neve, havia gajas, havia gajas suspensas no tecto do circo da aldeia, o mesmo que tinha abandonado o cobrador de fraque, idiota com brilhantina no cabelo de piaçaba,
Havia gajas inconstitucionais, com reformas de duzentos e setenta e quatro euros, havia gajas inconstitucionais com reformas de trezentos e setenta e nove euros, havia gajas
De fraque, e brilhantina no cabelo de piaçaba, que os urinóis das despensas dos prédios clandestinos jorravam contra as faces cruzadas de um cubo de cerâmica dentada, as maçãs, e os pêssegos, e as laranjas, todas, todos
Havia gajas desesperadas, com o passe caducado, nas paragens dos eléctricos, e o vento nocturno quase sempre trazia um colar de pérolas, e a saia e o lenço, e as mãos
As tuas mãos percorriam milimetricamente os espelhos de invenções do corpo sonolento que alguém tinha deixado sobre a cama com os lençóis de espuma que o mar vomita quando bate nos rochedos da saudade, inventavas o amor desértico onde brincavam os dromedários objectos voadores sobre as planícies das tuas coxas ensanguentadas devido ao excesso de palavras,
Da morte
As vogais, de sílabas, e as frases escorriam pelo canto da boca, um líquido esbranquiçado derretia-se na penumbra nuvem de açúcar, roçavas-te nos poste de chocolate com pontinhos de néon, e começam as construções dos corações de neve.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

blogue Cachimbo de Água em destaque


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(Acorrentado à saudade)

Sapo Angola

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Os motores com cavalos cinzentos

Percebia-se pelas pálpebras dele, azuis com sabor a pedacinhos de inocência, que a chuva trazia na algibeira a digestão fictícia dos carrinhos de choque que da infância deixaram estacionados junto ao berço de madeira prensada, calculava pelo peso da noite que não eram mais do que três magras horas da madrugada, chorava, não dormia, e sentia-se que dentro dele viviam parafusos de aço com defeito de fabrico, a garantia tinha cessado, as torres tinham acabado de cair entre os imensos plátanos virgens e os outros, quaisquer, barcos envelhecidos, doidos varridos, deitados sobre as tábuas da ignorância, dele, e eras uma criança. doida às vezes, dócil também, poucas, nenhumas, quaisquer
Vivia-se no fio metálico da navalha e ele tinha medo dos cobertores com remendos de chapa que a mãe, mecânica, tinha feito para que pudessem dormir e nada deles saísse durante a noite, atravessasse os buracos do velho tecido, e pelos partidos vidros das janelas fossem aterrar no paralelepípedo da rua com costas de geada, os braços murchavam, e derretiam-se como a manteiga sólida que o inverno pintava como se fossem pedaços de pedra, e quando lhe perguntavam
Gostas de cá andar, e ele com rosto de incenso respondia quase sempre Às vezes, depende, e nunca percebi o que queria ele dizer com Às vezes, depende
Acordava o dia, retiravam-lhe a fralda de pano encharcada numa espessa massa amarelada intensamente com um cheiro horrível, indesejado, que aos poucos ia ocupando cada milímetro quadrado da casa de Lisboa, um enfadado rés-do-chão meio podre, meio enraizado no Outono pássaros de luz que vinham do outro lado do rio, entravam em casa, sentavam-se na mesa da cozinha, e da janela
(Tanta coisa para dizer que cheirava a “merda”)
E da janela sentiam-se os motores com cavalos cinzentos em lábios de fumo, ouvia-se o rosnar da fera amansada criança deitada no sofá à espera que lhe trocassem a fralda de pano por outra fralda de pano, limpa, lavada, e o motor aos tropeções avançava mar adentro até desaparecer nas velhas cristas das ondas de espuma que os cigarros embebidos em cerveja emagreciam como tremoços numa esplanada de Belém, sexta-feira, e nada de novo, foi-se e não regressou mais
Às tuas, Às minhas, Às nossas,
E não regressou mais,
Chegava ao balcão e pedia incessante e audaz ao empregado “Destroque-me” esta nota para tirar cigarros, e ela
Não se diz “Destroque-me”, tá ver Francisco, isso não existe, correctamente é Troque-me esta nota para tirar cigarros, e eu acreditava mesmo que os ossos de pano que às vezes me embrulhavam tinham saído de validade há tempo suficiente, só podia, não encontrava outra explicação para o tão grande aglomerado de homens e mulheres à porta de minha casa, gritando
(Tanta coisa para dizer que cheirava a “merda”)
Às tuas, Às minhas, Às nossas,
E não regressou mais,
Um enfadado rés-do-chão meio podre, meio enraizado no Outono pássaros de luz que vinham do outro lado do rio, entravam em casa, sentavam-se na mesa da cozinha, e da janela, da janela vinha-nos o medo das coisas como as simples flores encarnadas com lacinhos de cetim que eu nunca soube como se chamavam e tu, quando eu chegava a casa, simplesmente deitavas no caixote do lixo e dizias em voz alta para que eu ouvisse e não esquecesse nunca
Não quero mais esta porcaria, odeio flores encarnadas com lacinhos de cetim,
E eu,
E ela,
Olhavam-me depois de trocarem-me a fralda de pano, abria a boca e sorria, sorria quando sabia que da janela vinham as imagens tricolores com pequenos fios de prata, sorria porque tinha acabado de beber o saborosíssimo e inconfundível leite materno, sorria porque
Vivia-se no fio metálico da navalha e ele tinha medo dos cobertores com remendos de chapa que a mãe, mecânica, tinha feito para que pudessem dormir e nada deles saísse durante a noite, atravessasse os buracos do velho tecido, e pelos partidos vidros das janelas fossem aterrar no paralelepípedo da rua com costas de geada, os braços murchavam, e derretiam-se como a manteiga sólida que o inverno pintava como se fossem pedaços de pedra,
Às tuas, Às minhas, Às nossas,
E não regressou mais,
(Tanta coisa para dizer que cheirava a “merda”)
E da janela sentiam-se os motores com cavalos cinzentos em lábios de fumo.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

Acorrentado à saudade

(  )
E quase nunca ouvias as locomotivas da fome poisarem em Campanhã, e quase nunca utilizavas as pedras húmidas que transportavas na mochila, pedia-te urgentemente e respondias-me
Não, hoje não posso, talvez amanhã, não sei, sei, que a vaidade destrói os humanos, porque as árvores não são vaidosas? Não o sei, sinceramente, não o sei, talvez regressem as locomotivas a Campanhã e os socalcos ao meu imaginário, as bifanas da tia Alice, a cerveja meia choca, como ela, coitada, com idade para estar à lareira, e no entanto
Qual o meu desejo para 2013? Difícil... deixa cá ver, sei lá, talvez uma..., caramba pá só me fazes perguntas difíceis, talvez... Já sei, Já sei, Reformar-me aos quarenta e sete anos, faço-os dia vinte e três de Janeiro,
Entravas em casa, não falavas, nem olhavas para as flores que tínhamos em cima da mesa da cozinha, sentavas-te no sofá, e nem livros querias ler, odiavas a televisão, ligavas o rádio e sintonizavas a Antena 3, quase sempre A Prova Oral, quase sempre
Reformar-me aos quarenta e sete anos, faço-os dia vinte e três de Janeiro,
Quase sempre ficavas imóvel, envidraçado como os moveis da sala de jantar que herdamos da tua mãe, e coitada da Tia Alice às voltas com as bifanas, coitada da Tia Alice às voltas com o reumático, às voltas com as varizes e a cerveja choca, cansada, velha
E as locomotivas esperavam pelo regresso das bifanas, e coitada da Tia Alice
Qual o meu desejo para 2013? Difícil... deixa cá ver, sei lá, talvez uma..., caramba pá só me fazes perguntas difíceis, talvez... Já sei, Já sei, Reformar-me aos quarenta e sete anos, faço-os dia vinte e três de Janeiro,
Engraçado queimar-mo,
Ouvir a prova oral ainda é o que nos mantém vivos cá em casa, em falta de sopa ouvimos o Alvim e a Xana, em falta de sopa ouvimos os poemas de AL Berto na Casa Fernando Pessoa, ou
Engraçado queimar-mo,
Em falta de sopa ouvimos o projecto Wordsong (AL Berto), e
Reformar-me aos quarenta e sete anos, faço-os dia vinte e três de Janeiro,
E sentimos-nos perfeitamente bem, e de boa saúde, até que vêm as locomotivas de Campanhã e trazem com elas os socalcos do Douro, trazem o rio, trazem as enxadas com sombras de reumático e fome concentrada em pequenas latas de duzentos gramas de neblina Conceição, Tia Alice, tia Alice
Que só queria reforma-se aos quarenta e sete anos, fá-los dia vinte e três de Janeiro, mas as bifanas e a cerveja choca, e a chuva do tamanho de uma flor, e às vezes fugiam sem pagar,
Entravas em casa, não falavas, nem olhavas para as flores que tínhamos em cima da mesa da cozinha, sentavas-te no sofá, e nem livros querias ler, odiavas a televisão, ligavas o rádio e sintonizavas a Antena 3, quase sempre A Prova Oral, quase sempre
Dizias-me que para 2013 desejavas reformares-te aos quarenta e sete anos que fazias a vinte e três de Janeiro, e ficavas imóvel, envidraçado como os moveis da sala de jantar que herdamos da tua mãe, e coitada da Tia Alice às voltas com as bifanas, coitada da Tia Alice às voltas com o reumático, às voltas com as varizes e a cerveja choca, cansada, velha
Torturada pela escravidão da puta da vida.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

O xisto poema


Tínhamos nas mãos dois doces pedacinhos de poesia
migalharias suaves ao mestre dos livros emagrecidos
vadios pássaros teus olhos planetários
tínhamos nas veias
o incenso clandestino de uma abelha
em mel banho-Maria,

Tínhamos o sonho
e a saudade
tínhamos os rolamento com esferas de aço
quando brincávamos nos finais de tarde,

Tínhamos o amor sensível à luz das palavras silvestres
como faziam as flores
sobre a cama relvada do silêncio jardim
tínhamos as vertigens dos mamilos desgovernados
debaixo da água do rio
ao longe brincávamos
e eu disfarçava-me de socalco
e tu
de xisto poema
tínhamos uma ardósia onde escrevíamos
os segredos minguados dos teus lábios siderais
e eu,

Tínhamos corpos de cigarros deitados nas nossas mãos de linho
estava vento
éramos a noite que um isqueiro de prata incendiava
nas planícies ágeis dos anéis de aço
e inventávamos o desejo
como quem escreve na areia antes de regressar o mar
tínhamos corpos de sémen nas algibeiras da sentinela morte
que o teu suicídio lavou em águas profundas,

Tínhamos o sorriso de um louco
que transversalmente dormia nas iscas de fígado
e na sopa de feijão
da cerveja
havia vodka que silenciava as amêndoas de luz
e tínhamos no peito
árvores cansadas de respirar
que o sabor da insónia nos roubou...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó
(   )
Fumavam-se com os poemas dele, vivíamos dançando nas esplanadas dois coirões sem destino algum, parecíamos vagabundos desnorteados pela fragrância amargurada de uma mala preta, de cartão, em cio, todos os homens com arames
Às sete horas em ponto,
Foram-se
A ela,
Em Janeiro quando o AL Berto sentia o mar a entra-lhe pela janela, e hoje
Sem papel não sou corno, resmunga o amigo Nacib perdoando a Gabriela
Moço Bonitooo,
Com arames de aço disfarçados de abelhas com malas pretas, e sobre a cabeça
A eterna estupidez,
Melancólica dos gemidos em flores de papel cansadas, dos gemidos em flores de papel completamente fodidas pela vaidade que a argila de incenso rompe pelas entranhas das claras meigas folhas de mangueira quando caiam e sobre o velho triciclo
A ela,
Em Janeiro,
O verão sorria-me e deitava-se sobre mim, em voos frigoríficos das mangas chapinhando na língua da ave mestra, vaidosa, burra
A ela,
Quando caiam as perdizes sobre as coxas de uma triste mala preta, velha, com as coxas desventradas, como eu quando acordei e olhei-te pela primeira vez, no meu colo, parecias-me uma amêndoa, feia, ranhosa, burra
Eu
A ela,
“Roça-se na morte como os sonâmbulos desejos que a noite da cidade atravessa quando caiem as estrelas nas mãos dos sonhos indeferidos, coitadinha, foram-se as torradas, foram-se as lanternas da claridade nocturna, coitadinha, foram-se”
A ela e comeram-na como se comiam as sandálias de couro e os calções com listras em Luanda, e descia a noite, e descia, e vinha-se
Entre os parêntesis das palavras proibidas.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó