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E quase nunca ouvias as locomotivas da fome poisarem
em Campanhã, e quase nunca utilizavas as pedras húmidas que
transportavas na mochila, pedia-te urgentemente e respondias-me
Não, hoje não posso, talvez amanhã, não sei,
sei, que a vaidade destrói os humanos, porque as árvores não são
vaidosas? Não o sei, sinceramente, não o sei, talvez regressem as
locomotivas a Campanhã e os socalcos ao meu imaginário, as bifanas
da tia Alice, a cerveja meia choca, como ela, coitada, com idade para
estar à lareira, e no entanto
Qual o meu desejo para 2013? Difícil... deixa cá
ver, sei lá, talvez uma..., caramba pá só me fazes perguntas
difíceis, talvez... Já sei, Já sei, Reformar-me aos quarenta e
sete anos, faço-os dia vinte e três de Janeiro,
Entravas em casa, não falavas, nem olhavas para as
flores que tínhamos em cima da mesa da cozinha, sentavas-te no sofá,
e nem livros querias ler, odiavas a televisão, ligavas o rádio e
sintonizavas a Antena 3, quase sempre A Prova Oral, quase sempre
Reformar-me aos quarenta e sete anos, faço-os dia
vinte e três de Janeiro,
Quase sempre ficavas imóvel, envidraçado como os
moveis da sala de jantar que herdamos da tua mãe, e coitada da Tia
Alice às voltas com as bifanas, coitada da Tia Alice às voltas com
o reumático, às voltas com as varizes e a cerveja choca, cansada,
velha
E as locomotivas esperavam pelo regresso das
bifanas, e coitada da Tia Alice
Qual o meu desejo para 2013? Difícil... deixa cá
ver, sei lá, talvez uma..., caramba pá só me fazes perguntas
difíceis, talvez... Já sei, Já sei, Reformar-me aos quarenta e
sete anos, faço-os dia vinte e três de Janeiro,
Engraçado queimar-mo,
Ouvir a prova oral ainda é o que nos mantém vivos
cá em casa, em falta de sopa ouvimos o Alvim e a Xana, em falta de
sopa ouvimos os poemas de AL Berto na Casa Fernando Pessoa, ou
Engraçado queimar-mo,
Em falta de sopa ouvimos o projecto Wordsong (AL
Berto), e
Reformar-me aos quarenta e sete anos, faço-os dia
vinte e três de Janeiro,
E sentimos-nos perfeitamente bem, e de boa saúde,
até que vêm as locomotivas de Campanhã e trazem com elas os
socalcos do Douro, trazem o rio, trazem as enxadas com sombras de
reumático e fome concentrada em pequenas latas de duzentos gramas de
neblina Conceição, Tia Alice, tia Alice
Que só queria reforma-se aos quarenta e sete anos,
fá-los dia vinte e três de Janeiro, mas as bifanas e a cerveja
choca, e a chuva do tamanho de uma flor, e às vezes fugiam sem
pagar,
Entravas em casa, não falavas, nem olhavas para as
flores que tínhamos em cima da mesa da cozinha, sentavas-te no sofá,
e nem livros querias ler, odiavas a televisão, ligavas o rádio e
sintonizavas a Antena 3, quase sempre A Prova Oral, quase sempre
Dizias-me que para 2013 desejavas reformares-te aos
quarenta e sete anos que fazias a vinte e três de Janeiro, e ficavas
imóvel, envidraçado como os moveis da sala de jantar que herdamos
da tua mãe, e coitada da Tia Alice às voltas com as bifanas,
coitada da Tia Alice às voltas com o reumático, às voltas com as
varizes e a cerveja choca, cansada, velha
Torturada pela escravidão da puta da vida.
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó
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