sábado, 12 de maio de 2012

cansaços de amar

Os olhos
gotículas pétala flor
em cansaços de amar
nos olhos
o perfume de uma flor
quando a noite se suicida no mar

sexta-feira, 11 de maio de 2012

e é tão triste o inverno

Olho-te sem me olhar
nas paredes do inferno,

olho-te em sonhos de sonhar
quando os lençóis do mar
em beijos amar
adormecem sem acordar,

olho-te sem me olhar
nas paredes do inferno,

e é tão triste o inverno...

coisas invisíveis

imaginárias
as coisas invisíveis que vivem em mim

os sábados sem cigarros
domingos sem poesia
e hoje
sexta-feira...
(imaginárias
as coisas invisíveis que vivem em mim)
e hoje escrevo num sábado com cigarros
e o domingo sem poesia
e o domingo com nuvens sobre o teu peito
e hoje
sem poesia
domingos deitado dentro de um cubo de vidro
sem janelas
portas...

imaginárias
as coisas invisíveis que vivem em mim

quando me olho no espelho.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

e coisas banais

A abelha do amor
perde as asas nos lábios de uma pétala
incendeia-se o desejo entre pergaminhos e palavras
e coisas banais
sem sentido
significado
coisas
muitas coisas
tal como as abelhas do amor
sem asas
sem palavras
sem nada

à espera que cresça a madrugada.

Um dia vou perceber

um dia
vou perceber os teus sonhos
as tuas palavras
os teus anseios...

um dia
quando acordar

vou perceber o silêncios das tuas mãos
e os gemidos do teu olhar

um dia
vou perceber
que as flores são belas
e a noite deslumbrante

um dia
quando acordar

vou perceber
os teus lábios
um dia
vou perceber
quando acordar
que a lua te faz chorar
quando acordar
um dia
vou perceber
que a noite te vai buscar
e das estrelas
vão descer
sorrisos e sonhos e sílabas de algodão
e madeixas de cetim
oiro e mirra e incenso
e todas as ervas invisíveis...

quarta-feira, 9 de maio de 2012


@Francisco Luís Fontinha

Lanterna

o feixe de palavras
mistura-se com a minha sombra
dentro do corredor brincam páginas de literatura
e poesia de páginas
amarelas
encarnadas
escuras
com listras de pôr-do-sol

nos lábios do mar
a boca do silêncio alimenta-se do teu corpo
e pingos de saliva subtraem-se às rimas do teu cabelo
a caneta de tinta permanente beija-o
docemente
ajeitando a almofada da solidão
sem braços
sem mão

à procura dos teus desejos
de algodão
no parapeito da janela da biblioteca
abraçados às personagens dos livros de A. Lobo Antunes

o feixe de palavras
mistura-se com a minha sombra
dentro do corredor... páginas de literatura

amarelas
rosas
encarnados
cravos

a lanterna da vida finge orgasmos nas palavras
amarelas
rosas
encarnados
cravos
e o corredor não tem fim

e se amanhã eu não conseguir?

E se amanhã eu não conseguir
ressuscitar as palavras
que a noite semeia no meu peito

e se amanhã não existir amanhã
e se hoje começar o amanhã
sem que as palavras assassinadas acordem no papel amarrotado

e o vento
perder o encanto
amanhã sem pássaros sem nuvem onde me pendurar

e se amanhã eu não conseguir
ressuscitar as palavras
e se nunca mais existir amanhã...

e se amanhã os teus lábios
dormirem na minha mão
que a noite semeia no meu peito

(palavras
desenhos
parvoíces)

um calendário
sem dias sem horas sem amanhã
e se amanhã eu não conseguir?

terça-feira, 8 de maio de 2012

A fuga

Desapareceram as escadas
de acesso à noite
fugiram todos os papeis
e todos os livros

na parede do quarto
a janela transformou-se em azevinho
com pássaros suspensos nos seus braços
e palavras que voam dentro das asas

(uma sílaba estonteada
procura-me no caixote do lixo)

e uma mimosa em flor
cresce nos meus olhos sem cor
sem desenhos para pintar
sem palavras para assassinar

sou o quê EU?

uma sílaba estonteada
procura-me no caixote do lixo
onde restos de sémen
e pingos de seda
se escondem no azevinho
(pássaros suspensos nos seus braços
e palavras que voam dentro das asas)
ao cair da tarde.

Hoje Sem sonhos Sem lábios Sem mar

Hoje
sem sonhos
ontem
com o mar
hoje
sem noite
sem lábios
hoje
sem sonhos
ontem
com sonhos
hoje
sem palavras
ontem
sem sonhos
sem noite
sem lábios
hoje
hoje
um dia perfeitamente parvo
sem livros
sem sol
ontem
com chuva
hoje
hoje
ontem junto ao rio
em conversas
hoje
hoje
sem mar
sem sonhos
sem palavras

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Esconderijo

Dentro de uma língua de silêncio
escondes os teus lábios,
no mar
deixas ficar os sonhos
e as gotinhas de orvalho,
nos cortinados da madrugada
abres a janela do desejo
e uma gaivota de prazer
voa sobre os teus olhos de maré
antes da chegada do pôr-do-sol,

a lua do teu ventre
mingua no interior das estrelas de algodão
e todos os pássaros às bicadas a uma mão
que o corpo do homem em solidão
deixou ficar juntamente com os sonhos,

o vento leva tudo
e o mar
no mar
em busca dos meus ossos,

e o mar
no mar
as minhas palavras em congestão
depois do pequeno-almoço,

Dentro de uma língua de silêncio
escondes os teus lábios,
no mar...
e o mar
deitado no teu peito de púrpura amanhecer.

O centro da noite

Às palavras
o pavor de acordar no centro da noite
puxar de um cigarro
e não existirem cigarros
puxar de um livro
e dentro do livro
nada
simplesmente folhas de papel
sem palavras
sem rostos
sem cigarros
e tudo morre dentro do sonho.

domingo, 6 de maio de 2012

À minha terra


De onde eu vinha
não sabia para onde ia
e que um dia
eu iria
perceber
que não sabendo
eu sabia
que um dia
regressaria
à terra que me viu nascer
na terra onde quero morrer.

(Paquete Império)

A noite de brincar

Quando a noite se esquece de acordar
e no jardim dos plátanos uma criança a chorar
quando da noite crescem sonhos de sonhar
e encerrada
a janela para o mar
quando finge amar
a porta da madrugada

quando a noite não tem mais nada
e há palavras de brincar
quando a noite magoada
se esconde no luar

(Quando a noite se esquece de acordar
e no jardim dos plátanos uma criança a chorar)

quando um barco embriagado
se cansa de navegar
porque a noite de brincar
morreu a abraçar
o menino de chorar

coitado...

sábado, 5 de maio de 2012

Alucinação

Oiço a musicalidade do teu olhar rodopiando nos meus lábios, na minha boca seca encostas a tua língua adormecida pela noite de lua cheia, estás nua, e calças as galochas pretas...
(nada desta merda aconteceu; efeitos secundários do Champix)

Tecto da insónia

Deixei de perceber
as manhãs de primavera
deixei de olhar as plantas
e os pássaros de meu jardim,

deixei de escrever
palavras nas paredes do meu quarto,
cerrei a janela,
a porta,

e destruí a lâmpada de halogéneo
suspensa no tecto da insónia.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Em destaque no Sapo Angola

Nem que o coração me implore


Conheci um diário com o coração partido, pequeníssima fenda, mas para um coração dois milímetros é gravíssimo, desastroso,
Ouvia-lhe o ruído das engrenagens junto à fechadura, ouvia-lhe o tilintar de suspiros na tempestade da tarde, ouvia-lhe

as palavras derramadas no papel de parede, desenhos abstractos misturados com pedacinhos de poeira, e fumo de cigarro que embaciavam as lentes dos óculos do diário com o coração partido,

Hoje acordei cedo, abri a janela e a madrugada tinha desaparecido, evaporou-se no interior da alvorada antes da iluminação pública cerrar-se hermeticamente na chávena de café com leite, as torradas sonâmbulas dentro da minha boca recusaram-se à destruição maciça por parte dos meus dentes e o comprimido para deixar de fumar entrou garganta abaixo e possivelmente em sorrisos parvos, e possivelmente, sentou-se junto ao mar,

dois milímetros de uma janela no coração do meu diário, 4 de Maio de 2012, sete horas e trinta minutos,

Chove torrencialmente no meu quintal, um casal de melros a todo o custo protege as crias que adormecem no ninho pendurado na cerejeira sobre a casota do meu cão, pais e filhos estão felizes e o meu cão que detesta chuva está melancólico, triste, ausente, chove torrencialmente no meu quintal e pergunto-me ao olhar a janela de dois milímetros no meu coração se amanhã é sexta-feira ou quinta-feira ou domingo, é que com tanta chuva deixei de perceber os dias, as horas, os minutos e os segundos,

dois milímetros de uma janela no meu coração sem vista para o mar, chove torrencialmente no meu diário e lá fora, e lá fora o coração partido aos pulos como se fosse um pugilista ou um canguru nas margens de um qualquer rio encalhado na Austrália, talvez no Tua, talvez no Douro, talvez no jardim onde brincam plátanos e barcos de papel, talvez na minha mão

Conto os segundos, e oiço através da pequeníssima ranhura do coração do meu diário que hoje é sexta-feira, e se hoje é sexta-feira amanhã é sábado, dia de Antologia de Poesia Moçambicana, finalmente, finalmente as palavras do meu diário a boiarem dentro da chávena de café com leite, finalmente posso terminar o dia porque hoje, porque hoje recuso-me a escrever mais palavras nas suas páginas, nem que o coração me implore,

nunca mais vi o mar, e junto à fechadura o tilintar de suspiros na tempestade da tarde, ouvia-lhes as sílabas assassinas da noite antes de chegar a noite, ouvia-lhes as vogais embriagadas das estrelas antes de a noite ser noite e muito antes de encerrar o meu diário, muitos antes de saber o significado de mar,

Nem que o coração me implore.

(texto de ficção não revisto)