segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Gaivotas da minha terra

 

Onde habitam as gaivotas da minha terra

E poisavam na minha mão,

Onde brincam as árvores que subiam a serra,

E hoje, todas elas, tombadas no chão,

 

Onde se escondeu o mar

Da minha terra, da minha imaginação,

Onde andam os silêncios de luar

Que eu tinha no coração,

 

E hoje, não passam de papel amargurado…

Onde estudam as gaivotas acorrentadas

Que eu tinha embalsamado,

 

E dormiam suspensas nas mangueiras,

Onde habitam as gaivotas inventadas

Que a minha terra transformava em feiticeiras.

 

 

Alijó, 17/10/2022

Francisco Luís Fontinha

Seara madrugada

 

Escrevo-te, enquanto acorda em mim

O triste silêncio da manhã,

E perco-me nos teus lábios,

Seara madrugada

Dos meus tristes pecados,

 

Escrevo-te, enquanto as minhas palavras

Acordam nos teus olhos silenciados

Pelo alegre luar,

Escrevo-te, enquanto olho este mar

Que leva para longe todas as minhas madrugadas,

 

E são infinitas.

Escrevo-te, janela lunar

Dos medos envenenados,

No corpo complexo e invisível

Dos bosques em esconderijo abraço,

 

Escrevo-te, milhafre

Das tardes junto ao rio,

Nas montanhas do Adeus…

Escrevo-te, poema milagre,

Que poisa sobre ti,

 

Antes de terminar o dia.

Escrevo-te, carta sem destinatário,

Menino dos calções…

Enquanto fugias da lareira

Das noites frias de Inverno.

 

 

Alijó, 17/10/2022

Francisco Luís Fontinha

domingo, 16 de outubro de 2022

Infinito adeus

 Da noite fria

Chegam a mim as tuas pinceladas lágrimas.

Trazes nas mãos as flores da tristeza,

Em voos contínuos, pequenas palavras,

Que o vento eleva até ao sofrimento,

 

Na noite fria

O infinito adeus,

A calçada morre, o rio foge e sobe a montanha,

Não me dês a alegria,

Não quero esta noite fria

 

Sobre os meus ombros em sofrimento.

E depois do adeus, e depois da saudade,

O terrível infinito em trágicas madrugadas,

E o silêncio emerge

Nos plátanos envenenados pela neblina,

 

Sofrem, as andorinhas em flor.

E na noite fria

Que se alicerça ao meu corpo dissecado pelo teu olhar…

Esta temida pedra,

Com os olhos postos no mar,

 

E há uma canção que grita,

Uma palavra que chora

Nesta noite fria;

Adocicado beijo,

Antes de acordar.

 

 

 

Alijó, 16/10/2022

Francisco Luís Fontinha

Os pássaros também choram

 Desta árvore onde me sento, não vejo o mar. Nesta árvore onde durmo e sonho, não vejo o mar. Nesta árvore onde poiso as minhas mãos frias e amarguradas, vejo o mar.

Serão os meus olhos as janelas com fotografia para as infinitas tardes de Primavera? Sentado neste cadeirão, enquanto pela janela chegam a mim as palavras que nunca te direi, desisto de olhar-te, desisto de mentir-te; um dia, qualquer dia, perceberás que os pássaros também choram.

Que as árvores também choram. Que tu choravas enquanto eu desenhava em mim todas as lágrimas dos longínquos coqueiros, que tu choravas enquanto eu semeava palavras nas tuas chagas.

Os pássaros também choram. As flores, ao contrário dos pássaros, dançam, brincam, erguem-se até às nuvens; os pássaros choram, as flores, as flores que tinhas sobre o peito, não choravam, mas… voavam.

Voavam como voam hoje as tristes equações do sono, voavam como voam hoje todas as manhãs sem poesia, do corpo, do teu corpo, lanço sobre ele o poema em cio, vagueio e não choro, levanto-me do chão, poiso a minha mão sobre os teus seios de amanhecer, e acreditando que os meus poemas são as delícias do teu olhar, olhava-o, colocava-lhe a mão sobre o débil peito e, cansei-me de desenhar palavras nas tuas mãos. Seria melhor teres voado…

Desta árvore, observo-te. Lanço sobre ti o silêncio, lanço sobre ti a espada do sonho e, não, não digas que os pássaros não choram, porque os pássaros, como tu, também choram, também brincam, também morrem.

E morrem de quê, meu amor?

De alegria, minha querida, morrem de alegria.

Como os poemas que te escrevo.

Como os poemas que te escrevo e guardo-os dentro da algibeira da insónia, e acredita que morrem de alegria; e nas suas asas transportava uma manhã de Primavera.

Quanto tempo, doutor?

Duas semanas, duas semanas,

Duas semanas poisado sobre esta árvore à espera de que os pássaros chorem, à espera de que esta mesma árvore, também ela, chore

De tristeza?

Não minha querida, de alegria.

Um dia a casa despediu-se dele. Enquanto voava pelo corredor, olhava todos os objectos, e ambos sabíamos que nunca mais os olhava; e ambos sabíamos que o jardim que se despedia dele, um dia, hoje, é apenas terreno agreste, é apenas pó.

E voaram, meu amor.

Os pássaros também choram?

E as árvores, e as casas, e este rio que te olha, e este mar que te banha quando a maré entra pela janela e um orgasmo de palavras se abraça ao teu olhar. Depois, tivemos a visita das sobejantes árvores onde podíamos ver as lindas manhãs de Primavera, como se a Primavera naquela tarde fosse uma pedra mágica.

E depois, minha querida?

As tardes de ninguém,

Ouviam-se-lhe as gargalhadas em despedida, mas o sono levou-a para os infinitos murmúrios da solidão, e dizem que hoje vagueia pelas ruas da cidade em busca de pincelados sorrisos.

Não sei, meu amor…

De tristeza?

Não minha querida, de alegria.

E nunca percebemos porque choram os pássaros; os pássaros da minha vida.

Alegria, meu amor?

E só quando as fotografias estão em silêncio é que percebemos que os pássaros, as árvores, os poemas, choram…

E os barcos, meu amor?

Esses, brincam nas minhas mãos…

 

 

Alijó, 16/10/2022

Francisco Luís Fontinha

sábado, 15 de outubro de 2022

Dissecação de um poema

 Poema – fotografia com palavras. Morreu de saudade, o poeta pega no bisturi da paixão e disseca a manhã que acaba de acordar. Dos lábios, em pequeno jeito, retira todos os beijos e poisa-os cuidadosamente sobre o papel amarrotado que o luar trouxe até à sua mão.

Depois de radiografar todas as sílabas, retiradas todas as vírgulas e pontos finais, o poeta, pega nos tristes parêntesis e coloca-os, não sobre o papel amarrotados, mas sim sobre a secretária onde dormem os livros Lobo Antunes, AL Berto, Pacheco, Cesariny, Cruzeiro Seixas e de um tal Fontinha, mas quanto a este último, como dizem que é um pouco louco, o narrador nunca tem a certeza se os livros deste, quatro e milhares de publicações no blog Cachimbo de Água, ainda jazem na dita secretária; um dia estão aqui, no outro, ali, e às vezes, por aí.

O bisturi da paixão entre traços pincelados de silêncio e sombras de desejo, em pequenas quadrículas, começa por dissociar os lindos olhos da manhã que acaba de acordar das pestanas cinzentas da neblina em fuga; dos olhos, o poeta, retira as imagens de um qualquer luar que uma qualquer noite poisou sobre o mar, porque há sempre um rio que corre para o mar, uma ribeira que correr para um rio, e claro, há sempre um corpo no bisturi do poeta.

O sorriso da manhã que acaba de acordar, agora já separado dos lábios, e acreditando que o poeta segue todos os procedimentos de uma dissecação, suspende-se na janela do sonho, que por enquanto, ainda pertence ao poema. E neste momento, o poeta ainda não sabe que este sorriso lhe pertence.

Nos seios, o bisturi da paixão, em pequenas incisões, deixa sobre eles a última vontade do poeta, e o poeta, sem dar-se conta, transporta na mão pequenos pedacinhos de saliva que sobejaram do beijo anteriormente retirado; somos instantes, pensou ele.

Mas nem só de seios é constituída a manhã que acaba de acordar, e continuando a dissecação do poema, o poeta dissecador, num movimento de dezoito graus Norte, coloca o olhar nas coxas silenciadas pela alvorada, enquanto as estrelas, em pernoitada conferencia, tentam chegar a consenso; dormir ou azucrinar a paciência ao poeta. Por unanimidade, resolvem azucrinar a paciência do dito.

Dito isto, o bisturi da paixão separa as pequenas gotículas de prazer alicerçadas à pele lisa e desejada que cobrem a manhã que acaba de acordar e num ápice, como se acabasse de desenhar um silenciado orgasmo no distante luar que acabou de acordar, conta-as, cataloga-as, e depois coloca-as dentro de um pequeno frasco onde já existiam três pedacinhos de sémen, uma madrugada que se tinha suicidado junto ao mar, e claro, o rio que tinha fugido da montanha.

O poema deixou de pertencer ao poeta e é imagem desassossegada do dissecador que um dia dirá que

Fui muito feliz sobre esta pedra cinzenta.

Ou, existirá sempre um pedacinho de mel nos lábios da manhã.

E como o poema é uma fotografia com palavras, onde um corpo vacila sobre a ponte que apenas o sonho consegue pintar nas nuvens cinzentas que às vezes poisam sobre o poeta, há um sorriso que aos poucos se abraça a esta pequena fotografia e há palavras que partem e nunca mais regressam. E há silêncios que se tocam sem perceberem que a paixão, depois de descartado o bisturi, pois já não é necessário, se transformam em desejo, depois em uno corpo crucificado na maré dos sonhos envenenados.

Quando perguntam ao poeta o que pensa da manhã que acaba de acordar e qual o resultado da dissecação, este é sorrisos amortecidos, responde que… não penso nada e quanto à dissecação:

Depois de dissecado o poema e analisado, concluo que o dito morreu de saudade.

 

Saudade – quando no mar desenhado na alcofa de uma madrugada de cacimbo, sons de um pequeno rádio a pilhas dança sobre os olhos verdes de um miúdo em soluços depois de perceber que do tecto caem pedacinhos de geada.

E quando o paquete do regresso entra Tejo adentro, o miúdo da alcofa vê sentado junto à Torre de Belém um rapaz tímido, abraçado ao medo, que numa das mãos tem um livro e na outra cigarros que o acompanharão até aos dias de hoje.

O barco aos poucos aproxima-se da cidade, e o miúdo com a alegria de um miúdo que acaba de acordar, sorri

Pai, um machimbombo!

Autocarro, filho. Autocarro.

Desde então, nunca mais consegui assassinar a saudade.

E já agora, caro leitor, qual será a pena para um assassino em série de saudades?

A saudade vai. A saudade vem.

O tempo passa.

Os machimbombos agora são autocarros, e um amigo segreda-me que por eu ter nascido em Luanda, sou Calcinha.

Autocarro, filho. Autocarro.

 

O poema é uma fotografia com palavras. O poema é a imagem que apenas o desejo consegue desenhar num corpo em fúria. O poema é silêncio. O poema é paixão. O poema é tudo e não é nada. O poema é um pedacinho de mel. O poema é um pedacinho de mar. O poema és tu, manhã que acaba de acordar.

 

 

Alijó, 15/10/2022

Francisco Luís Fontinha

As palavras de matar

 São estas as palavras que te vou deixar,

São estas as cinzas das palavras incendiadas

Que te vou deixar, quando partir.

Também te vou enviar

As cinzas dos quadros que vou queimar,

E depois de encaixotar,

Enviar,

Ao destinatário,

 

São estas as palavras que te vou deixar,

Depois de lhes retirar o veneno,

São estas as palavras,

As minhas palavras…

São estas as palavras de matar,

Matar o fogo que se liberta destas mãos,

Que escrevem,

As palavras que te vou deixar,

 

E enviar.

São estas as palavras que te vou deixar,

E semear,

Na terra que nunca foi minha,

Que nunca será minha. São estas as palavras,

As minhas tristes palavras,

Em pedacinhos de cinza,

E orar; amém.

 

 

 

Alijó, 15/10/2022

Francisco Luís Fontinha

Menina poesia sentida

 Abraço-te, silêncio em despedida,

Menina que voas sobre o mar,

Abraço-te, menina poesia sentida…

Sentida ao despertar,

 

Abraço-te, meu moinho que dança no vento,

Árvore despida,

Abraço-te, sombra do meu pensamento,

Em delírio na partida,

 

Abraço-te, nuvem cansada de pensar,

Chuva miudinha na madrugada,

Abraço-te, rio que não se cansa de navegar

 

Nos teus seios de amanhecer,

Abraço-te, sorriso que brinca na alvorada,

Sem pressa de chegar, sem pressa de morrer.

 

 

Alijó, 15/10/2022

Francisco Luís Fontinha