São tão lindas as
estrelas que voam sobre o mar, e dos barcos, vêm até nós o sorriso em silêncio
dos apitos uivos, quando estes se abraçam aos teus olhos, depois, desce sobre a
colina a sombra das árvores que fogem da solidão dos rochedos envenenados pelos
gritos de revolta das metástases das canções sem nome, e adormecíamos debaixo
das mangueiras em flor, do portão de entrada, uma alma depenada dançava e
trazia com ela as tuas mãos,
Somos invisíveis, ouvia-a…
Deitava-me de barriga
para o ar e sonhava com os barcos que entravam portão adentro. Pela noite, eu e
eles víamos as estrelas, hoje, pincelo os teus olhos na madrugada, como se a
madrugada fosse uma flor em papel, do papel que sobejava dos papagaios que a dona
Arminda construía para o filho, um puto em calções, rabugento e um autêntico
tinhoso,
Doem-me as pernas!
(tinhoso)
As estrelas não são em
papel e que os papagaios voaram tão longe que ainda hoje vagueiam pelo Universo,
e amanhã e depois de amanhã, continuaram a voar, até que um dia, serão apenas
pontos de luz, e nos teus olhos ficará apenas a sombra nocturna do desejo.
Invento-me enquanto lá
fora uma lâmina de saudade corta em pequenos pedaços as recordações de quando
os barcos entravam portão adentro, e quando regressava a noite, dávamos as mãos
e víamos as estrelas,
São tão lindos os teus
olhos,
Dói-me a barriga!
(grande tinhoso)
Como são lindas as flores
em papel da madrugada, e não adianta procurar os barcos que que levavam a ver
as estrelas, partiram para longe, tão longe como os papagaios, tão longe,
Desculpa, não sabia que,
Porquê?
Sei lá, apetecia-me ver o
mar,
E parti para a ilha dos
poemas.
(tinhoso)
Come a sopa, Luisinho?
O menino dá,
E não dava nada, pegava
no par de asas que tinha desenhado junto à capoeira das galinhas, vestia as
roupas do chapelhudo, e…
(tinhoso)
Quando dava conta, depois
de percorrer meio jardim, depois de contornar a Maria da Fonte, sentava-me no
Baleizão, pumba,
O menino não gosta de
gelados,
(grande tinhoso, este
miúdo)
E voava em pequenos círculos
até que as pilhas faleciam de pasmaceira, e tinha de pedir ao meu pai para
retirar o barco do pequeno tanque que um amigo dele me tinha oferecido, depois,
lembrava-me que tinha deixado um avião pendurado numa das mangueiras por um fio
de nylon que desenhava também como o barco, círculos com olhos verdes, e ainda
hoje oiço o silencioso som dos pequenos motores, e ainda hoje sinto que os
círculos com olhos verdes caminham por aí, em direcção ao infinito,
Acreditas no infinito, Luisinho?
Doem-me as pernas.
(tinhoso, tinhoso)
O chapelhudo, mãe?
Morreu, filho.
Morreu como morreram os
papagaios?
Mão filho, os papagaios
voam pelo Universo, os papagaios em papel nunca morrem.
Depois de olharmos as
estrelas, levava os barcos até à cama, contava-lhes uma estória sobre um menino
de calções que se encantou com o sorriso de uma estrela, aos poucos, eles, cerravam
os olhinhos, até que adormeciam acreditando que os papagaios em papel ainda
hoje voam pelo Universo,
O infinito, mãe!
(ranhoso)
Come a sopa,
O menino dá.
E claro, não dava nada. Escondia-a
na boca em pequenos pedaços, e providos de alguns movimentos, como se fossem os
trapezistas do circo que na noite anterior tinha observado, lançava-os contra a
parede da cozinha onde jaziam alguns rabiscos feitos pelo dito tinhoso,
(doem-me as pernas)
Vês. Não fui e também não
foste.
(só umas nalgadas nesse
rabo)
Como assim, estrelas
suspensas nos teus olhos?
Verdade.
Vi-as quando fui
adormecer os barcos.
E das tardes a cortar e a
coser farrapos para vestir o chapelhudo, o tinhoso do miúdo também metia pregos
nas tomadas da electricidade, até que um dia o avô Domingos resolveu colocar
todas as tomadas a um metro do chão,
Em Portugal,
Os fusíveis rebentavam,
E os papagaios ainda
voam,
(tinhoso)
Como assim, estrelas
suspensas nos teus olhos?
Verdade.
Depois de olharmos as
estrelas, levava os barcos até à cama, contava-lhes uma estória sobre um menino
de calções que se encantou com o sorriso de uma estrela…
(tinhoso)
Alijó, 13/10/2022
Francisco Luís Fontinha