Acordas
na tela das noites sem estrelas, percebo que é noite quando o meu cigarro se
extingue no negro sonho e o meu rosto é afagado pela fotografia do mar que habita
sobre a secretária, ela, só e vazia, e percebo que é o mar pelo cheiro e barulho
dos peixes de brincar enquanto dançam junto aos barcos em cartolina cansada, sem
cores, sem olhinhos.
Do
branco algodão, emergem da clarabóia suspensa no tecto, as estrelas que fugiram
da noite e teimam infernizar-me com os conselhos parvos de sempre, e sou
forçado a disparar a espingarda da solidão para as afugentar; como eu te
compreendo, meu querido, como eu te compreendo…
E
antes de acordar, esta triste manhã que todos os dias, a todas as horas, semana
após semana, mês após mês, abraça-me como se eu fosse um pedacinho de geada em
hipotermia, depois de descer do telhado da insónia e em pequenos gritos, e em
pequenos uivos, vai esconder-se junto à fotografia do mar. É certo que um dia,
este mar vai partir, como partiram todas as minhas fotografias.
Como
partiram todos os meus mares.
Acordas
na tela, indiferente aos meus desejos, porque nas minhas palavras inventadas,
quando as invento, desenho desejos, e tu, abraças-me com um olhar silenciado
que vindo de uma manhã, quando acorda, parece a tempestade em pequenos voos
sobre os plátanos da saudade. E a tela, continuará branca. E de branca,
Deitas-te
em mim,
Milagre
das noites ensonadas, princesa da saudade.
Depois,
ergues-te da tela branca e desapareces como desapareceram as estrelas da noite,
como desapareceram todas as palavras que guardava naquela caixa em cartão, e
hoje, são apenas palavras. E hoje são apenas lixo.
E
de olhinhos tristes, esta manhã que todos os dias acorda na minha branca tela,
foge, e transforma-se em mulher; a menina dos olhinhos tristes.
Invento
então, nas pequenas ardósias da saudade, os traços que lanço contra as paredes
de vidro onde habitam pequenas figuras de rosto fingido, que depois do sono,
são apenas figuras; algumas, pertencem aos rios que deixaram de correr para o
mar, e nos olhos, levam as lágrimas dos tristes socalcos, onde uma enxada, às
vezes em revolta, escreve no difícil xisto o mais lindo poema de amor.
Ergue-se,
sem perceber que a minha branca tela, é apenas uma simples branca tela, sem
perceber que depois de misturar todas as cores possíveis e imaginárias, uma
cabeça negra, como são todas as noites, como são todas as cabeças, deita-se na
minha mão.
E
um dia, a manhã de olhinhos tristes, será a mais bela branca tela que a
Primavera deu à luz. Como todas as mais belas andorinhas que a Primavera lança
contra as manhãs de olhinhos tristes.
Alijó,
11/10/2022
Francisco
Luís Fontinha