Não
posso mais, doutor,
São
estas palavras,
São
estes rios,
São
outros mares,
São
outros corpos possuídos,
Doutor,
Enquanto
escrevo, morrem pessoas,
Enquanto
durmo, nascem crianças,
Enquanto
pinto,
Embebedam-se
criaturas, poetas e putas,
Doutor…
E
a música, doutor?
O
que tem a música!
Tem
dentro dela o silêncio,
Tem
a alvorada,
Tem
o medo e o sonho,
E
não tem nada.
Doutor.
Percebe
agora?
Porque
voar é fácil,
Porque
dormir é canseira,
Porque
sonhar é uma merda,
Uma
merda junto à lareira.
Não
posso mais, doutor,
São
as equações,
São
estas tristes fotografias,
São
as lápides,
São
as flores,
Doutor?
Ainda aí está? Junto à árvore?
É
a chuva lá fora,
São
as acácias a morrer,
São
as palavras,
São
os ossos a correr.
Porquê,
doutor?
E
enquanto chove,
As
almas gritam,
As
enxadas no Douro, revoltam-se…
E
os homens?
Ai
doutor,
Esses,
São
uns covardes,
Tudo
aceitam,
Tudo
comem,
Como
carneiros,
Como
ovelhas.
Sabe,
doutor?
Não.
Morreu
o Zé Gato,
Morreu-me
o cão,
O
canário,
Uma
tristeza, doutor,
Uma
tristeza,
Esta
aldeia,
Sem
beleza,
Sem
sol,
Sem
água benta,
Só
fachada, doutor.
Pura
fachada,
São
as montanhas a arder,
São
as palavras a morrer,
São
estes rios,
Tristes,
Frios.
Sabe,
doutor?
Não,
diz, diz…
São
os pulhas que espancam a mulher,
São
crianças a sofrer,
Algumas,
sabe doutor?
Sofrem
antes de nascer,
Sofrem
até morrer…
Depois,
depois acordam os pássaros,
Libertam-se
as nuvens das prisões invisíveis,
Estas
sim, as nuvens não são como os homens do Douro,
Revoltam-se,
Gritam,
E
o mais engraçado…
Nunca
morrem, como nunca morrem os poetas.
Os
poetas são eternos,
São
canção,
São
revolta,
Sim
doutor,
Revolta,
Porque
estes gajos metem nojo,
Os
caneiros,
As
ovelhas,
As
flores e as abelhas…
Sabe,
doutor?
Não,
diz,
Sempre
acreditei que um dia,
Que
um dia…
Sim,
Que
um dia sonhar não era uma merda,
Que
um dia,
Que
um dia, todos os dias, todos os meninos…
Brincavam
junto ao mar;
Como
brincam os peixes
E
as gaivotas,
Como
brincam os amores
E
todas as paixões,
Que
um dia,
Sabe
doutor?
Que
um dia os homens não guerreavam,
Que
um dia, as guerras,
Eram
apenas uma fotografia,
Longínqua
e abstracta.
E
depois, doutor,
Depois
a culpa é do macaco;
Coitado…
Coitado
do macaco.
Alijó,
18/08/2022
Francisco
Luís Fontinha