Vivíamos dentro de uma pequena caixa de sapatos, tamanho trinta e dois. Quando descíamos a rua, do lado direito, junto à farmácia, ouvíamos as gaivotas que tínhamos trazido de Luanda e quando acordava o sol, às vezes sim, outras, nem por isso, eu inventando noites de luar que partilhava com os velhos triciclos com assento em madeira e que devido à idade, todos os parafusos e porcas rangiam como rangiam os duzentos e seis ossos do meu avô Domingos; antes de o barco zarpar, percebia que a minha mão minúscula era suficiente preguiçosa para desenhar nuvens de despedida nos céus de uma cidade a desaparecer no horizonte, como desapareceram todos os papagaios em papel da minha infância.
O dinheiro era minguo e
apenas dava para beijos, carinho e fatias de felicidade, que ainda hoje, passados
mais de cinquenta anos, recordo como saudade.
Nunca gostei da escola. Enquanto
a professora ensinava as diversas matérias e de casa, todos nós, eu e os meus
colegas, levávamos os ensinamentos de respeitar os professores, funcionários e
nunca esquecer, os mais velhos; hoje, parece que esses ensinamentos deixaram de
existir e os putos, por tudo e por nada, fazem birras imbecis fruto da educação
que têm em casa… e uma palmada no rabo nunca fez mal a ninguém.
Quando acordávamos, em pleno
Inverno, os cortinados eram substituídos por finos fios de geada, pois as
janelas, por cansaço ou outra qualquer razão, eram desprovidas de vidros, que
na altura já era um grande avanço tecnológico, já tínhamos ar condicionado
natural.
O avô Domingos passeava o
machimbombo pelas ruas de Luanda, e quando regressava ao final da tarde, eu esperava-o
sentado em cima do portão, porque sabia que receberia abraços e beijos; e
trazia-me sempre um pedacinho de mar invisível na algibeira.
Aos Domingos,
aproveitava-me da paciência do meu pai e íamos até ao porto de mar olhar os
barcos; a minha paixão de criança. Olhar os barcos e inventar círculos de luz
sobre o azul-mar que ainda hoje guardo no peito.
E assim fui crescendo, dentro
de uma pequena caixa de sapatos número trinta e dois e nunca esquecendo o
silêncio do Mussulo.
Francisco Luís Fontinha
23/08/2022
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